Foto: Henrique Almeida / Agecom UFSC

As eleições na UFSC e a necessidade de uma nova universidade

Na última semana, a imprensa repercutiu a notícia da inscrição do professor Luiz Felipe Ferreira para concorrer à reitoria da UFSC em escolha a ser realizada pelo Conselho Universitário (CUn) na próxima segunda-feira (02). O referido órgão deve aprovar a lista tríplice a ser enviada ao governo federal, levando em conta o resultado da consulta prévia feita à comunidade, da qual não participou Ferreira. Ferreira foi presidente da FEESC, fundação privada que atua na UFSC, e foi Controlador-Geral do Estado de Santa Catarina entre 2019 e 2020, tendo se envolvido no escândalo de compra superfaturada de respiradores durante a pandemia da Covid-19.

No segundo turno da consulta prévia da UFSC, o professor Irineu Manoel de Souza venceu Cátia Carvalho Pinto, atual vice-reitora, com 57% dos votos. Contudo, a inscrição na votação do CUn de um nome alinhado ao governo federal, que não participou da consulta prévia, faz pairar sobre a UFSC o fantasma da possível indicação de um interventor, o que, no estado de Santa Catarina, aconteceu com a UFFS e com o IFSC.

Contudo, por mais temível que possa ser a presença de Ferreira nesta etapa do pleito da UFSC, sua inscrição não possui nada de irregular ou mesmo de ilegal. A legislação que rege as eleições para reitores possui uma série de medidas que têm sido utilizadas por diferentes governos para intervir nas universidades. Ainda no governo Temer, houve a ameaça de desrespeito aos processos eleitorais de algumas eleições de universidades, como na UNIFESP e na UFABC. No governo Bolsonaro, foram desrespeitados mais de 20 resultados de consultas em universidades e institutos federais.

No final da gestão Temer, foi publicada a Nota Técnica nº 400/2018, na qual o governo sinalizou que seriam invalidados processos de consulta à comunidade universitária que adotassem votação paritária entre docentes, técnicos administrativos e estudantes. O referido documento apontava que consultas com “peso dos docentes diferente de 70% será ilegal, e deve ser anulada, bem como todos os atos dela decorrentes”. Sobre a questão das consultas prévias, a nota técnica é categórica: “independente da realização da consulta à comunidade universitária e até mesmo do seu resultado, a elaboração da lista tríplice permanece inserida na competência exclusiva do Colegiado Máximo”.

Essa orientação foi um ataque frontal ao processo normalmente realizado nas universidades, por meio de consultas prévias (também chamadas de “informais”), com paridade entre os três segmentos, organizado por seus representantes (em algumas instituições, como o da UFSC, pelos sindicatos e entidades estudantis), que depois é submetido à apreciação do colegiado superior da instituição (cuja composição é de 70% de docentes). O colegiado superior delibera pela conformação da lista tríplice, normalmente referendando como vencedor o candidato mais votado na consulta prévia. Na escolha feita pelo conselho superior, outros professores podem se inscrever, entre os quais aliados do candidato mais votado na consulta prévia. Contudo, também podem se inscrever docentes que não tiveram nenhuma relação com qualquer uma das candidaturas apresentadas na consulta prévia. Conforme a legislação vigente, em última instância, é o colegiado máximo que define a composição da lista tríplice, podendo ser uma espécie de “chapa” do grupo vencedor na consulta prévia ou mesmo três docentes que não participaram da escolha por parte da comunidade universitária.

Essa forma de eleger reitores, que mantém vários dos aspectos herdados da ditadura (por exemplo, o envio de uma lista de nomes para o governo dar a última palavra), deixa explícito um modelo que procura impedir a expressão dos diferentes setores que vivem política e academicamente o espaço universitário. Conforme afirmamos em outro momento:

“O princípio da autonomia das universidades está inscrito na Constituição de 1988, mas, na prática, não existe. Os ataques de Bolsonaro às universidades federais têm revelado claramente esse fato. O governo, por meio de cortes e bloqueios no orçamento, conseguiu criar uma situação de caos, que tem impactado principalmente os estudantes e os trabalhadores terceirizados. Neste caso, tem sido possível perceber que a única autonomia possível aos reitores é a de escolher onde farão os cortes e quais serão os setores e segmentos menos prejudicados”.

Qualquer candidatura eleita sempre estará com as ações limitadas pelos aspectos estruturais que determinam as universidades. Os reitores empossados são sempre, no máximo, gestores de crises materiais e orçamentárias. No caso da UFSC, ainda que Irineu expresse parte do programa defendido nas mobilizações de servidores e estudantes, suas propostas não ultrapassam os limites do que é possível dentro da lógica do Estado burguês, que passa pela convivência com a privatização da universidade e pelos limites orçamentários impostos pelos diferentes governos. Dentro da atual estrutura das universidades, ainda que fosse empossado um revolucionário como reitor – o que é pouco provável, considerando a forma antidemocrática do processo eleitoral – não teria condições de aplicar um programa que efetivamente fizesse mudanças estruturais. Não há espaço para disputas estratégicas dentro das instituições do Estado burguês, só de migalhas. Em outro momento afirmamos:

“Cabe aos marxistas, ao mesmo tempo que lutam em defesa das liberdades democráticas e dos direitos conquistados, apontar para um novo projeto de universidade, que seja pública, gratuita e para todos. Um programa de reivindicações imediatas passa pela defesa da eleição direta de reitores, pela ampliação de vagas para todos os jovens que queiram cursar uma universidade, por uma política de permanência que atenda todos os estudantes, pela defesa intransigente da autonomia didático-científica das universidades, contra qualquer cobrança de mensalidade e taxas e contra todas as formas de privatização. Esse programa mínimo deve estar associado à luta por uma transformação profunda do espaço universitário, plenamente voltado aos interesses da sociedade e não do capital privado, que garanta o apoio integral à vida estudantil, a ampla socialização do conhecimento produzido e por uma gestão baseada na permanente mobilização da comunidade nas decisões e na gestão. Essa luta somente será vitoriosa se estiver associada à luta mais ampla pela derrubada do Estado burguês e pelo fim do capitalismo”.

De imediato, na disputa na UFSC, certamente é correto defender a escolha pelo CUn do candidato democraticamente escolhido pela comunidade universitária e sua nomeação por parte do governo federal. Cabe destacar, contudo, que qualquer gestão que assuma a administração da UFSC estará marcada pelos limites estruturais e orçamentários, em meio ao avanço do processo de privatização e os cortes orçamentários. Nesse sentido, o programa a ser defendido nas universidades não pode se limitar a reivindicar melhorias parciais, devendo se conectar com a mobilização por uma nova universidade, como parte da luta pela revolução e pela transformação da sociedade.