As origens do machismo e como combatê-lo: o caminho é o socialismo (parte 1)

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 10, de 09 de julho de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

Este texto tem o objetivo de reunir, de forma sucinta, as principais questões trazidas por Engels, para pensarmos a luta da mulher pela sua emancipação. Este trabalho reúne o esforço do coletivo da Esquerda Marxista Mulheres pelo Socialismo no Rio de Janeiro, que tem, como uma das suas frentes de intervenção, o Comitê Mulheres pelo Socialismo e pelo Fora Bolsonaro. As ideias de Engels serviram de base para o Comitê nas discussões sobre as origens do machismo e como combatê-lo, ao apontar que a opressão da mulher está intrinsecamente ligada à sociedade dividida em classes, opressão essa que não foi inaugurada pelo sistema capitalista, porém apropriada e incentivada por ele, pois lhe é funcional para sua manutenção. Para nós, marxistas, compreender a opressão da mulher a partir de uma perspectiva materialista é fundamental para desanuviar qualquer interpretação que naturalize o papel da mulher na sociedade ou que o desarticule das relações sociais de produção.

Engels, em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, demonstra que a família nem sempre foi monogâmica e que a mulher nem sempre foi oprimida. A família nunca foi uma instituição estacionária, pois ela sofre alterações à medida em que as relações sociais mudam. Engels discorre que, a partir do desenvolvimento da agricultura e da produção excedente, foi que ocorreu a formação de classes e a mudança do direito materno para o paterno. A partir daí, segundo o revolucionário, as mulheres passaram a ser escravas do homem e do lar. O trabalho de Engels é de fundamental importância, pois ele analisa o desenvolvimento da civilização de forma materialista.

Engels não se limita a analisar e interpretar o mundo. Após seu esforço analítico, ele aponta a saída para a transformação da realidade. O revolucionário afirma que apenas o comunismo é a forma superior de organização social e que é necessário acabar com as classes sociais, o Estado e a família monogâmica para dar fim à exploração do homem pelo homem e do homem sobre a mulher. Engels faz um percurso analítico que demonstra que todas as formas de família foram determinadas pelo modo como a sociedade se organiza, e conclui que a família patriarcal corresponde à forma mais adequada à sociedade dividida em classes, pontuando que essa forma de organização familiar será ultrapassada quando a humanidade superar a propriedade privada. 

Engels detalha os estágios pré-históricos de cultura, relacionando-os ao desenvolvimento da família e aos modos de viver do ser humano em cada uma dessas fases, citadas por Lewis Morgan em “A Sociedade Antiga”, a saber: Estado Selvagem, Barbárie e Civilização.

Engels se utiliza das análises de Lewis Morgan – considerado um dos fundadores da antropologia moderna, que estudou os sistemas de parentesco entre os iroqueses – sobre as mudanças pelas quais passou a família, como diz Engels: “Morgan foi o primeiro que, com conhecimento de causa tratou de introduzir uma ordem precisa na pré-história da humanidade” e mais adiante acrescenta que “O desenvolvimento da família realiza-se paralelamente, mas não oferece critérios tão conclusivos para a delimitação de períodos“. Então, o percurso histórico que se faz aqui não é no mesmo sentido da passagem de tempo da história tradicional, numa perspectiva linear. O conceito de história que orienta este texto é a célebre frase de Marx e Engels: “A história da humanidade é história da luta de classes”.

Engels, tomando as análises de Morgan, detalha as seguintes formas de família: consanguínea, punaluana, sindiásmica e monogâmica.

Na família consanguínea, os grupos conjugais se classificam por gerações: irmãos e irmãs, primos e primas são todos irmãos e irmãs e, por isso mesmo, são maridos e mulheres uns dos outros (tal vínculo pressupõe relação sexual mútua). Pais e mães estão excluídos das relações carnais.

Na família punaluana, os irmãos estão excluídos das relações sexuais recíprocas. Ocorre o matrimônio por grupos e a instituição da gens parece ter saído deste tipo de família. Onde existia o matrimônio por grupos, a descendência somente pôde ser estabelecida pelo lado materno, ou seja, apenas se reconhece a linhagem feminina. Com a exclusão das relações entre irmãos, o grupo de que falamos se constitui numa gens (um círculo fechado de parentes consanguíneos por linhagem feminina).

Na família sindiásmica: à medida que as gens evoluíam e cresciam e considerando que o casamento era proibido entre as classes de irmãos e irmãs, a união conjugal por pares foi se consolidando. Com tais proibições de casamento, as uniões por grupo foram substituídas pela família sindiásmica, o que não quer dizer que não ocorreram a poligamia e a infidelidade, enquanto se exige fidelidade das mulheres.  Na família comunista, havia alto apreço pelas mulheres (mães). Em todas as fases do Estado Selvagem e até na parte superior da Barbárie, a mulher não era só livre, mas também muito considerada, coisa que a mulher civilizada não possuía, apesar de estar cercada por aparentes homenagens.

De uma forma sintética, podemos fazer a seguinte associação:

No Estado Selvagem, a forma familiar era o matrimônio por grupos;

Na Barbárie, era a família sindiásmica (união por pares, unidade reduzida a homem e mulher);

E na Civilização, a forma familiar correspondente é a monogamia.

PARTE 2

Bibliografia:

ENGELS, Friedrich, A origem da família, da propriedade privada e do Estado; tradução de Leandro Konder. 3ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.