Há 80 anos, no dia 15 de maio de 1943, a Internacional Comunista foi dissolvida por Stalin. Também conhecida como a Terceira Internacional ou Comintern, essa poderosa organização da classe trabalhadora mundial nasceu a partir do colapso do capitalismo na Primeira Guerra Mundial. Suas sementes foram lançadas na Conferência de Zimmerwald, realizada em 1915. Na ocasião, alguns poucos internacionalistas que não capitularam após a traição histórica da Segunda Internacional se reuniram para discutir os rumos do movimento operário diante da guerra imperialista. Porém, as bases objetivas para a criação da Internacional Comunista (IC) só surgiram após a tomada do poder pelos trabalhadores na Revolução Russa de 1917.
Este artigo de Ted Grant, de junho de 1943, que agora republicamos, conta de maneira resumida, a história da IC, o seu legado e o papel do stalinismo na destruição dessa organização. Como marxistas, reivindicamos os quatro primeiros congressos da IC, suas resoluções e declarações, que são verdadeiros tesouros para a luta da classe trabalhadora pelo socialismo, e que constituem as sólidas bases teóricas e políticas sobre as quais Trotsky fundou a Quarta Internacional em 1938.
A Terceira Internacional foi oficialmente enterrada. Da maneira mais indigna e desprezível que se possa conceber, ela saiu do palco da história. Apressadamente e sem consultar todos os partidos aderentes, para não falar das bases em todo o mundo, sem qualquer discussão e decisão democrática, como resultado da pressão do imperialismo americano, Stalin abandonou perfidamente o Comintern.
Para compreender como essa organização, que despertou o terror e o ódio de todo o mundo capitalista, chegou a um fim tão inglório a pedido do capitalismo, é necessário rever brevemente a tempestuosa ascensão e a ainda mais tempestuosa decadência da Internacional. O decreto de sua dissolução foi apenas um reconhecimento do que há muito tempo é conhecido por todas as pessoas informadas. O Comintern como um fator para o socialismo mundial estava morto, e havia se afastado para sempre de seus objetivos e propósitos originais. Seu fim foi previsto e muito antecipado.
A Terceira Internacional surgiu do colapso do capitalismo na última guerra (Primeira Guerra Mundial – Nota do Tradutor). A Revolução Russa enviou uma onda de fervor revolucionário às fileiras da classe trabalhadora em todo o mundo. Para as massas cansadas da guerra, desiludidas e amarguradas, ela veio como uma mensagem de esperança, de inspiração e coragem, mostrando o caminho para sair do caos sangrento em que o capitalismo havia mergulhado a sociedade. Nasceu como consequência direta da traição e do colapso da Segunda Internacional que apoiou as classes dominantes na última guerra.
O colapso do imperialismo e do capitalismo foi sinalizado pelas revoluções na Alemanha, na Áustria, na Hungria, e por situações revolucionárias na Itália, na França e até na Grã-Bretanha. O espectro da revolução socialista pairava por toda a Europa. As memórias e os escritos de quase todos os políticos burgueses da época testemunham o desespero, a falta de confiança da burguesia diante do fato de terem perdido o controle da situação. A social-democracia salvou o capitalismo.
As poderosas burocracias sindicais e socialistas colocaram-se à frente do ascenso das massas e desviaram-na para canais inofensivos. Na Alemanha, Noske1 e Scheidemann conspiraram com os junkers e capitalistas para destruir a revolução. Os sovietes de operários, soldados, marinheiros, camponeses e até estudantes, surgidos da revolução de novembro de 1918, mantinham o poder em suas mãos. Os social-democratas devolveram o poder aos capitalistas.Gradualmente, lentamente e pacificamente, como explicavam suas concepções teóricas, eles transformariam o capitalismo em socialismo. Na Itália, em 1920, os trabalhadores haviam tomado as fábricas. Em vez de conduzir os trabalhadores à conquista do poder, o Partido Socialista ordenou que cessassem o procedimento “inconstitucional”. Assim foi em toda a Europa. Os resultados deste programa são evidentes hoje: a pior tirania e a guerra mais sangrenta da história do capitalismo. Mas, precisamente por conta do colapso do socialismo internacional na Segunda Internacional, que havia traído o marxismo, a Terceira Internacional foi formada.
Já no início da última guerra, Lênin corajosamente lançou o chamado para a Terceira Internacional. A Terceira Internacional foi formalmente inaugurada em março de 1919. Suas intenções e objetivos declarados eram a derrubada do capitalismo mundial e a construção de uma cadeia mundial de repúblicas socialistas soviéticas unidas à URSS, que em si não foi concebida como uma entidade independente, mas meramente como base para a revolução mundial. Seu destino estaria determinado e ligado ao destino da revolução mundial.
A formação da Terceira Internacional levou rapidamente à criação de poderosos partidos comunistas nos países mais importantes do mundo. Na Alemanha, França, Tchecoslováquia e outros países, foram criados partidos comunistas com adesão em massa. Na Grã-Bretanha formou-se um pequeno partido comunista que exercia considerável influência. O sucesso da revolução mundial no próximo período parecia assegurado pelo desenvolvimento dos eventos. Os partidos comunistas na Europa estavam aumentando constantemente em número e influência às custas da social-democracia.
A última guerra não conseguiu resolver nenhum dos problemas do capitalismo mundial. Na verdade, os agravou. O capitalismo havia se rompido em seu “elo mais fraco”, como Lênin o expressou. As tentativas de destruir a jovem República Soviética pelas guerras de intervenção fracassaram completamente. O capitalismo alemão, o mais poderoso da Europa, viu-se despojado de seus recursos, de parte de seu território, sobrecarregado com pagamentos assombrosos de reparações de guerra e, no geral, foi colocado em uma posição de impossibilidade. Os imperialistas britânicos e franceses, os “vencedores” da última guerra mundial, não estavam em uma posição muito melhor.
Encorajadas pela Revolução Russa, as massas coloniais e semicoloniais se agitavam e se preparavam para a revolta. Em casa, as massas estavam agitadas e inquietas e a posição econômica do imperialismo anglo-francês havia piorado consideravelmente em comparação com a do capitalismo japonês e americano. Foi nesse cenário internacional que eclodiu a crise na Alemanha em 1923. A Alemanha, com sua alta capacidade produtiva, foi prejudicada pelas restrições impostas por Versalhes2 e tornou-se o elo mais fraco da cadeia do capitalismo mundial.
O fracasso da Alemanha em pagar as parcelas das reparações de guerra resultou na marcha dos capitalistas franceses para o Ruhr. Isso ajudou a completar o colapso da economia alemã, e a burguesia alemã se esforçou para descarregar o fardo sobre os ombros das classes média e trabalhadora. Em janeiro, o valor do marco caiu de 20 para 40 em relação à libra, para 5 milhões em julho e 47 milhões no final de agosto. As indignadas massas alemãs voltaram-se para o comunismo.
Como declarou Brandler, o então líder do Partido Comunista, na reunião do Comitê Executivo da Comintern:
“Havia sinais de um movimento revolucionário ascendente: tínhamos temporariamente a maioria dos trabalhadores atrás de nós e, nessa situação, acreditávamos que em circunstâncias favoráveis, passaríamos imediatamente ao ataque…”
Mas, infelizmente, a direção da Internacional não conseguiu resistir à prova e aproveitar a oportunidade. O sucesso na Alemanha levaria inevitavelmente à vitória em toda a Europa. Mas, assim como na Rússia de 1917, também na Alemanha de 1923, setores da direção vacilaram.
Stalin, com seu oportunismo orgânico, pediu que o partido alemão fosse “impedido” de tomar qualquer atitude. O resultado foi que a oportunidade favorável de tomar o poder na Alemanha foi perdida e os comunistas na Alemanha sofreram uma derrota. Por razões semelhantes, a revolução na Bulgária também naufragou. Mas as derrotas da revolução na Europa causadas pelo fracasso da direção inevitavelmente levaram a sérias consequências. Como Lênin havia escrito, insistindo na necessidade de se preparar para a insurreição, na Rússia em 1917: “O sucesso da Revolução Russa e mundial depende de dois ou três dias de luta”.
O fracasso da revolução mundial e o isolamento da União Soviética, somados ao seu atraso, ao cansaço e à apatia das massas soviéticas, que passaram por anos de guerra, terríveis privações e sofrimentos durante a guerra civil e a intervenção, à sua desilusão e desespero com o fracasso de suas esperanças de ajuda dos trabalhadores da Europa. Tudo isso levou inevitavelmente a uma reação dentro da URSS.
Refletindo na época, talvez inconscientemente, os interesses da burocracia reacionária e conservadora que estava apenas começando a se elevar acima das massas soviéticas, Stalin apresentou pela primeira vez em 1924 a teoria utópica e anti-leninista do “socialismo em um só país”. Essa “teoria” brotou diretamente da derrota sofrida pela revolução na Alemanha. Indicava um afastamento dos princípios do internacionalismo revolucionário sobre os quais a Revolução Russa havia se baseado e sobre os quais a Internacional Comunista foi fundada.
No funeral de Lênin em janeiro de 1924, Stalin, por força do hábito, seguindo a tradição da Revolução Russa, declarou: “Ao nos deixar, o camarada Lênin nos impôs a fidelidade à Internacional Comunista. Juramos a ti, camarada Lênin, dedicar nossas vidas à ampliação e ao fortalecimento do sindicato dos trabalhadores de todo o mundo, a Internacional Comunista”, citado na obra Stalin, de Trotsky, capítulo 12, parte 2. Naquela época, ele não tinha a menor noção de até onde a teoria do socialismo em um só país levaria a União Soviética e a Comintern.
A história da Comintern esteve amplamente ligada às políticas flutuantes da burocracia da URSS desde aqueles dias. Lênin vinculava insistentemente o destino da União Soviética ao da classe trabalhadora mundial e, principalmente, da vanguarda, a Comintern. Até mesmo no juramento do Exército Vermelho os soldados prometiam lealdade à classe trabalhadora internacional. De fato, o Exército Vermelho não era considerado uma força “nacional” independente, mas um dos instrumentos da revolução mundial.
Tudo isso, é claro, foi alterado por Stalin. Trotsky, junto com Lênin, que nos últimos anos de vida se preocupava com o desenvolvimento da situação, já tinha começado a luta contra a burocratização do Partido Bolchevique e do Estado Soviético em 1923. Lênin alertou para os riscos de degeneração que ameaçavam o Estado soviético.
No contexto da crescente reação nacional e internacionalmente, a luta entre os internacionalistas e os termidorianos3 entrou numa fase aguda. Trotsky, em aliança com Lênin, exigiu a restauração da democracia completa dentro do Partido Bolchevique e dos sovietes. Lênin, em busca desse objetivo, exigiu a remoção de Stalin do cargo de secretário-geral do partido porque ele estava se tornando o ponto focal em torno do qual a burocracia se solidificava.
Após a morte de Lênin, Zinoviev, Kamenev4 e Stalin, “a troika”, obtiveram uma decisão desrespeitando o conselho de Lênin ao Comitê Central e iniciaram uma campanha contra as ideias de Lênin que estavam sendo defendidas por Trotsky, com a invenção da lenda do “Trotskismo”. O destino da Comintern estava ligado ao destino do Partido Bolchevique da União Soviética que, por seu prestígio e experiência, era naturalmente a força dominante na Internacional.
A transição da política da revolução mundial para a do socialismo em um só país expressou uma guinada acentuada à direita na Comintern. Na Rússia, Zinoviev e Kamenev foram levados à oposição devido à política antimarxista agora desenvolvida por Stalin. Eles foram empurrados a uma aliança com Trotsky e seus partidários. Stalin, juntamente com Bukharin, se opôs à política de industrialização da Rússia através de uma série de planos quinquenais sugeridos pela Oposição de Esquerda liderada por Trotsky e saiu com seu famoso aforismo na reunião plenária do Comitê Central em abril de 1927 dizendo que “tentar construir a central hidroelétrica de Dnieperstroi seria para nós o mesmo que para um mujique5: comprar um gramofone em vez de uma vaca” [Citado em A Revolução Traída de Trotsky, capítulo 2].
Ainda no final de 1927, durante os preparativos para o XV Congresso do Partido, cuja tarefa era expulsar a Oposição de Esquerda, Molotov afirmou repetidamente:
“Não devemos cair nas ilusões de pobres camponeses sobre a coletivização das grandes massas. Nas circunstâncias atuais, isso não é mais possível.” [Citado em A Revolução Traída de Trotsky, capítulo 2]
Dentro da Rússia, a política era a de permitir aos kulaks (camponeses ricos) e aos Nepmen (capitalistas nas cidades – assim chamados após o Nova Política Econômica de 1921), amplo espaço para o desenvolvimento econômico. Esta política foi perfeitamente tipificada pelo slogan cunhado por Bukharin com o total apoio de Stalin, dado ao campesinato: “Enriquecei-vos!”
A política da Comintern foi agora empurrada para a direita dada a preocupação de Stalin em encontrar aliados para “defender a União Soviética de ataques”. A Comintern já estava sendo reduzido ao papel de guarda de fronteira. As divergências dentro do Partido Bolchevique e da Internacional explodiram sobre a questão da Revolução Chinesa e a situação na Grã-Bretanha. Na China, durante 1925-1927, a revolução estava incitando milhões à ação. A Comintern, em vez de contar com os trabalhadores e camponeses para realizar a revolução, como era a política leninista na Rússia, preferiu contar com os capitalistas e generais chineses.
A Oposição de Esquerda alertou para as consequências dessa política. O Partido Comunista Chinês era o único partido dos trabalhadores na China e tinha uma influência dominante sobre a classe trabalhadora; o campesinato estava olhando para o exemplo na Rússia que lhe mostrava a saída de seu sofrimento secular nas mãos dos latifundiários, através da tomada da terra. Mas a Comintern recusou-se obstinadamente a seguir o caminho da independência da classe trabalhadora em que Lênin insistia, como pré-requisito para a política comunista em relação às revoluções democrático-burguesas e anti-imperialistas no Oriente.
Enquanto isso, uma política semelhante foi adotada na Grã-Bretanha, onde as massas estavam passando por um processo de intensa radicalização. Como forma de lutar contra a intervenção na União Soviética, os sindicatos russos fizeram um acordo com o Conselho Geral do TUC. A tendência para desenvolvimentos revolucionários na Grã-Bretanha podia-se ver no fato de que um milhão de membros, um quarto dos membros dos sindicatos, foram organizados no Movimento Minoritário6. Trotsky, analisando a situação na Grã-Bretanha, previu a eclosão de uma greve geral.
A tarefa do Partido Comunista e da Internacional Comunista deveria ter sido preparar os trabalhadores para a inevitabilidade de uma traição por parte da direção sindical. Em vez disso, semearam ilusões nas mentes dos trabalhadores, especialmente porque os burocratas sindicais se cobriram com o acordo com os sindicatos russos, cujo prestígio eles usaram como disfarce. Após a traição da greve geral de 1926 pela burocracia sindical, Trotsky exigiu que os sindicatos russos rompessem relações com o TUC. Isso Stalin e a Comintern se recusaram a fazer.
Depois de usar o Comitê Anglo-Russo pelo tempo necessário, mais de um ano após a Greve Geral, a liderança sindical britânica rompeu relações. A Comintern soltou o uivo de que havia sido traído. Mas, enquanto isso, o jovem Partido Comunista da Grã-Bretanha, que deveria ter aumentado seus membros a passos de gigante como resultado desses grandes eventos, foi paralisado e desorientado pela política da Internacional, ficando completamente desacreditado e diminuindo sua influência entre as massas. Essas novas derrotas da Internacional, devidas diretamente à política de Stalin e da burocracia, paradoxalmente à primeira vista, aumentaram o poder da burocracia dentro da União Soviética.
As massas soviéticas ficaram ainda mais desanimadas e desiludidas com essas novas derrotas do proletariado internacional e sofreram um novo declínio de ânimo. As derrotas que foram consequência direta da política de Stalin e da burocracia fortaleceram ainda mais o seu domínio sobre a União Soviética. A Oposição de Esquerda liderada por Trotsky, que havia analisado e previsto corretamente esses desenvolvimentos, foi então expulsa do Partido Bolchevique e da Internacional.
Os resultados internos da política de Stalin começaram a dar frutos no crescimento alarmante da força e influência dos kulaks e dos Nepmen. A União Soviética estava à beira do desastre. Em pânico e terror, Stalin e a burocracia foram compelidos a adotar uma caricatura da mesma política pela qual Trotsky e seus correligionários haviam sido expulsos. Na Rússia, foram introduzidos os Planos Quinquenais contra os quais Stálin havia lutado tão vigorosamente antes.
Foi com base nessa produção planejada que a União Soviética alcançou seus maiores êxitos e na qual a atual União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) se baseia na guerra. Enquanto isso, a virada em pânico para a esquerda internamente se refletiu em uma virada em pânico para a esquerda internacionalmente. Stalin queimou seriamente os dedos em suas tentativas de apoiar-se em elementos capitalistas na China e de conciliar com a social-democracia. Agora ele desviava bruscamente a Internacional na direção oposta. Em violação de seus estatutos, a Internacional não realizou uma só conferência durante quatro anos. Foi convocada uma nova conferência que apresentou oficialmente o programa da Internacional Comunista. Também proclamou o fim da estabilidade capitalista e o início do que foi chamado de “Terceiro Período”. Isso deveria inaugurar o período do colapso final do capitalismo mundial. Ao mesmo tempo, a social-democracia, de acordo com a outrora famosa e agora enterrada teoria de Stalin, deveria ter se transformado em “socialfascismo”. Nenhum acordo era agora possível com os “socialfascistas”, que constituíam o principal perigo enfrentado pela classe trabalhadora e deviam ser destruídos.
Foi justamente nesse período que a crise sem precedentes de 1929-1933 afetou o mundo. Em particular, atingiu a Alemanha. Os trabalhadores alemães foram lançados em uma situação de degradação e miséria e as classes médias foram arruinadas. O número de desempregados na Alemanha aumentou constantemente até atingir o pico de 8 milhões. A classe média, nada tendo recebido da revolução de 1918 e decepcionada com o fracasso dos comunistas em 1923 em tomar o poder, agora angustiada e desesperada, começou a buscar uma solução para seus problemas em uma direção diferente.
Subsidiados e financiados pelos capitalistas, os fascistas começaram a assegurar uma base de massa na Alemanha. Nas eleições de setembro de 1930, eles conseguiram quase seis milhões e meio de votos. Apesar de sua expulsão da Internacional Comunista, Trotsky e seus seguidores ainda se consideravam parte dela e exigiam insistentemente que lhes fosse permitido retornar às fileiras. Ao mesmo tempo, submeteram a teoria suicida, agora adotada pela Comintern, a uma dura crítica. Em seu lugar, exigiram um retorno à política leninista realista da frente única7 como meio de ganhar as massas na ação e, através de sua própria experiência, ao comunismo.
Com a vitória de Hitler nas urnas, Trotsky soou o alarme. Em um panfleto intitulado A virada na Internacional Comunista – a situação na Alemanha, ele emitiu um sinal para uma campanha, que foi realizada por três anos pela Oposição de Esquerda Internacional da Comintern, como os trotskistas se viam. Na Alemanha, na França, nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na longínqua África do Sul e em todos os países onde tinham grupos, os trotskistas realizaram uma campanha exigindo que o Partido Comunista Alemão iniciasse uma campanha de frente única com os social-democratas para impedir que Hitler chegasse ao poder.
Por instruções e ordens diretas de Stalin e da Comintern, o Partido Comunista Alemão denunciou essa política como uma política contrarrevolucionária “socialfascista”. Eles lutaram insistentemente contra a social-democracia como o “principal inimigo” da classe trabalhadora e argumentaram que não havia diferença entre democracia e fascismo. Em setembro de 1930, o Rote Fahne, órgão do PC alemão, proclamou: “Ontem à noite foi o melhor dia de Herr Hitler, mas a chamada vitória eleitoral dos nazistas é o começo do seu fim” [15 de setembro de 1930].
Ao longo desses anos, a Comintern continuou seu curso fatal. Quando Hitler organizou um referendo em 1931 para derrubar o governo social-democrata na Prússia, por insistência direta de Stalin e da Comintern, os comunistas alemães votaram com os nazistas contra os social-democratas. Ainda em maio de 1932, o British Daily Worker podia acusar orgulhosamente os trotskistas por sua política na Alemanha da seguinte forma:
“É significativo que Trotsky tenha saído em defesa de uma frente única entre partidos comunistas e social-democratas contra o fascismo. Nenhuma liderança de classe mais destrutiva e contrarrevolucionária poderia ter sido dada em um momento como o atual.”
Enquanto isso, Trotsky havia escrito quatro panfletos e dezenas de artigos e manifestos; em todos os lugares, os trotskistas internacionais exploraram todos os caminhos para exercer pressão sobre a Comintern para mudar sua política em vão. Em janeiro de 1933, Hitler foi capaz de tomar o poder sem qualquer oposição organizada em um país com a classe trabalhadora mais altamente organizada e com o Partido Comunista mais forte do mundo fora da Rússia.
Pela primeira vez na história, a reação conseguiu conquistar o poder sem qualquer resistência por parte da classe trabalhadora. O PC alemão contava com 6 milhões de filiados, a social-democracia contava com 8 milhões, juntos eram a força mais poderosa na Alemanha. Por esta traição, o PC alemão foi condenado para sempre.
Mas a Comintern estava longe de reconhecer a natureza da catástrofe. Em vez disso, endossou solenemente a política do PC alemão e da Internacional como sendo perfeitamente correta. Uma organização que não pode aprender com as lições da história está condenada. Como força do socialismo mundial, a Internacional Comunista estava morta. A Oposição de Esquerda Internacional rompeu com ela e proclamou a necessidade de uma nova internacional. Mas o que era aparente para a vanguarda que havia abandonado a tentativa de reformar a Comintern, não podia ser aparente para as grandes massas. Somente grandes eventos poderiam ensiná-las.
A Internacional Comunista continuou a seguir essa falsa política até 1934. Quando os fascistas na França, encorajados pelos sucessos do fascismo na Áustria e na Alemanha, realizaram manifestações armadas para a derrubada do governo e do parlamento liberais, o PC emitiu ordens para se manifestar junto a eles. Mas agora todo o perigo que Hitler representava para a União Soviética era evidente para todos. Stalin e a burocracia entraram em pânico. Desdenhoso e cínico em relação à capacidade da Comintern como instrumento da revolução mundial, Stalin o converteu mais abertamente em um instrumento da política externa russa.
Uma organização na sociedade de classes que deixa de representar a classe trabalhadora inevitavelmente cai sob a pressão e influência da burguesia. Stalin, em sua busca por aliados, agora se voltou para a burguesia da Grã-Bretanha e da França. A política de “Frente Popular” foi iniciada e endossada no último Congresso da Internacional realizado em 1935. Essa política de coalizão com os capitalistas liberais é uma das políticas contra as quais Lênin lutou durante toda a sua vida. Representou uma nova etapa na degeneração da Comintern e do primeiro Estado operário.
Com a ascensão de Hitler, novamente devido às políticas de Stalin, o domínio da burocracia dentro da União Soviética aumentou ainda mais. Acima das massas soviéticas, a casta burocrática se elevou e aumentou seu poder. Mas essa degeneração progressiva produziu mudanças qualitativas. De meramente incapaz de assegurar qualquer coisa além de derrotas para a classe trabalhadora mundial, o stalinismo se opôs à revolução operária em outros países. Os julgamentos de Moscou, o assassinato dos velhos bolcheviques, os expurgos, o assassinato e o exílio de dezenas de milhares de membros da fina flor dos trabalhadores comunistas russos completaram a contrarrevolução stalinista dentro da União Soviética.
Os acontecimentos na França e na Espanha8 estão frescos na memória de todos os revolucionários. A Comintern desempenhou o papel principal na destruição da revolução que poderia ter sido realizada. Com efeito, revelou-se como a vanguarda combativa da contrarrevolução. As derrotas da classe trabalhadora mundial levaram inevitavelmente à nova guerra mundial. Ironicamente, a guerra foi iniciada por um pacto entre Hitler e Stalin. Assim, Stalin desferiu novos golpes na classe trabalhadora mundial e na Comintern. Agora dava uma cambalhota e conduzia uma campanha pela paz no interesse de Hitler, falsificando-a habilidosamente como uma política “revolucionária”.
Como Trotsky prognosticou em sua previsão do acordo Stalin-Hitler em um artigo escrito em março de 1933:
“A característica fundamental da política internacional de Stalin nos últimos anos tem sido esta: ele negocia com os movimentos da classe trabalhadora da mesma forma que negocia com petróleo, manganês e outros bens. Nesta declaração não há um pingo de exagero. Stalin olha para as seções da Comintern em vários países e para a luta libertadora das nações oprimidas como uma pequena mudança nos acordos com as potências imperialistas. Quando ele requer a ajuda da França, ele submete o proletariado francês à burguesia radical. Quando ele tem que apoiar a China contra o Japão, ele submete o proletariado chinês ao Kuomintang. O que ele faria no caso de um acordo com Hitler? Hitler, com certeza, não precisa particularmente da ajuda de Stalin para estrangular o Partido Comunista Alemão. Ademais, o estado insignificante em que este último se encontra foi assegurado por toda a sua política anterior, mas é muito provável que Stalin esteja de acordo em cortar todos os subsídios para o trabalho ilegal na Alemanha. Esta é uma das menores concessões que teria que fazer e estaria bastante disposto a fazê-la. Deve-se também supor que a campanha barulhenta, histérica e oca contra o fascismo que a Comintern vem conduzindo nos últimos anos será astuciosamente sufocada”.
Esta política de Stalin e o “cadáver fedido” da Comintern sofreram uma ruína irreparável quando os nazistas invadiram a União Soviética. A Comintern teve de dar meia-volta e converter-se novamente em um capacho para Roosevelt e para o imperialismo britânico. Mas com o aumento da dependência de Stalin do imperialismo americano e britânico, veio o aumento da pressão por parte dos “aliados” capitalistas. O imperialismo americano, particularmente, exigiu o fim da Comintern como uma garantia final contra o perigo de uma revolução social na Europa após a queda de Hitler.
A longa pretensão acabou e Stalin dissolveu o degenerada Comintern. Ao fazer isso, ele anuncia abertamente que está se passando para o lado da contrarrevolução capitalista no que diz respeito ao resto do mundo. Mas os imperialistas, ao forçarem Stalin a fazer esse comércio em troca de concessões e barganhas de sua parte, não entenderam as consequências que isso produziria. Não pode e não impedirão a chegada de novas revoluções em todo o mundo. Em menos de duas décadas desde o início de sua degeneração, a Comintern arruinou muitas situações favoráveis em vários países.
As próximas décadas testemunharão muitas revoluções com a ruptura e o colapso do capitalismo. Mesmo a época violentamente perturbada do período entre as guerras parecerá comparativamente tranquila em comparação ao período que está por vir. Neste cenário de tempestades e convulsões, um verdadeiro instrumento da revolução mundial será criado. O que faltou aos trabalhadores nas últimas décadas, fora da Rússia, foi um Partido Bolchevique dos trabalhadores e uma direção bolchevique. Os grandes dias da Comintern de 1917-1923 renascerão. O crescimento do apoio às ideias do marxismo internacionalmente, baseado nas tradições do bolchevismo, na rica experiência do passado e aprendendo as lições das derrotas da classe trabalhadora, pode mais uma vez levar os oprimidos à derrubada do capitalismo e à república socialista mundial.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
Notas
1 Dirigentes de direita do SPD. Gustav Noske, como ministro da guerra, organizou a supressão do levante de janeiro de 1919 dos trabalhadores alemães e sancionou o assassinato de Luxemburgo e Liebknecht. Philipp Scheidemann tornou-se chanceler em 1919. Os Junkers eram aristocratas prussianos reacionários que dominaram o serviço militar e civil até a década de 1930. Veja: Alemanha – Da Revolução à Contrarrevolução por Rob Sewell (Fortress).
2 O Tratado de Versalhes assinado em 1919 impôs duras condições à Alemanha no final da Primeira Guerra Mundial.
3 Do Termidor: termo usado para descrever a reação política sem uma contrarrevolução social. Derivado da analogia com a mudança de poder na revolução francesa no mês de Termidor (julho) de 1794, quando os jacobinos radicais liderados por Robespierre foram derrubados por um golpe de direita, deixando intactos os ganhos fundamentais da revolução social (capitalista). Assim termidorianos: apoiadores da reação política na Rússia.
4 Grigori Zinoviev e Lev Kamenev eram velhos bolcheviques. O primeiro foi o primeiro presidente da Internacional Comunista, o último foi ex-vice de Lênin. Ambos se opuseram na época à tomada do poder pelos sovietes em outubro de 1917. Mais tarde, junto com Stalin, eles bloquearam a implementação e negaram a existência do Testamento de Lênin, que pedia a remoção de Stalin do cargo de secretário-geral. Ambos foram executados nos julgamentos de expurgo de 1936.
5 Termo russo para camponeses.
6 Uma organização que reuniu a esquerda nos sindicatos britânicos na década de 1920. Foi iniciado e amplamente liderado pelo Partido Comunista.
7 A frente única foi concebida como um acordo temporário entre organizações de trabalhadores de massa, para ação em questões específicas, mantendo a independência de programas.
8 Os governos de frente popular foram eleitos na Espanha em fevereiro de 1936 e na França em junho de 1936. Como na Espanha, os trabalhadores franceses imediatamente entraram em ação, ocupando fábricas, estabelecendo comitês de trabalhadores. Em ambos os países, o governo da frente popular atuou como uma força antigrevista, na Espanha abrindo caminho para o levante fascista de Franco em julho de 1936.