Assassinato de sem-terra é fruto da política de Bolsonaro

No dia 18 de julho, todos ficamos indignados com o assassinato de Luís Ferreira da Costa, 72 anos, do Acampamento Marielle Vive, em Valinhos/SP. As famílias saíam cedo pela manhã para uma manifestação, distribuíam alimentos em protesto pelo não fornecimento de água no local.

Nesse instante, logo após entrarem na estrada que liga Itatiba a Valinhos, em frente ao Acampamento, no KM 7 da Estrada do Jequitibá, com o trânsito parado, um veículo avança na contramão em alta velocidade contra cerca de 500 sem terras. Uma câmera de um ônibus parado no local conseguiu registrar o assassinato. O atropelamento intencional além de matar Luís, deixou mais de 10 feridos – todos sem gravidade -, além do cinegrafista Carlos Felipe Tavares, que acompanhava a mobilização, que chegou a ser hospitalizado, mas liberado no fim do dia, sem constatação de fraturas. A imagem é forte, mas mostra a ação criminosa do motorista. Veja aqui.

O motorista evadiu-se do local, sem prestar qualquer socorro, sendo preso horas mais tarde, justamente graças às imagens da câmera do ônibus, identificando a placa do veículo. Ele confessou o crime e caracterizou-se o flagrante. Foi decretada sua prisão preventiva, por homicídio doloso, com a intenção de matar. Trata-se de Leo Luis Ribeiro, um senhor de 60 anos, bolsonarista clássico, como foi possível verificar pelo seu Facebook. Após prestar seu depoimento, encaminhado para o Presídio, nada respondeu à imprensa e aos comunicadores locais que ali estavam, como podemos ver no vídeo disponível aqui.

Na delegacia, quando de sua prisão, advogados da vítima Luís discutiram com os irmãos do assassino, justamente porque eles reproduziam o discurso de que deveria realmente cometer tal assassinato, atropelando as pessoas que participavam da manifestação. Veja:

No dia seguinte houve o enterro do Sr. Luís no cemitério de Hortolândia/SP, na região metropolitana de Campinas, sendo um momento de grande comoção para familiares e amigos. Seu Luís expressa a vida do trabalhador brasileiro, como agricultor pernambucano que migrou para o estado de São Paulo para tentar melhores condições de sobrevivência. Trabalho na construção civil, aprendendo o ofício de pedreiro, conseguindo trazer sua família para a região. Mas sua paixão era a terra, e quando soube da possibilidade da ocupação da área em Valinhos, se juntou às 1.100 famílias para dar uso social para uma terra abandonada, no dia 14 de abril de 2018. Desde então, participava de todas as atividades de mobilização, ajudava em toda a obra que era realizada na ocupação, sempre com muita disposição, carinho e ânimo para seguir a luta. Outra paixão que se revelou foi a vontade de aprender a ler e escrever, fazendo parte da turma do EJA (Educação de Jovens e Adultos) da Ocupação Marielle Vive. Aluno assíduo e disciplinado, estava orgulhoso do salto que tinha dado.

É certo que o terreno da fazenda vive um imbróglio jurídico, com liminares de reintegrações de posse sendo suspensas por ordem judicial, diante do conflito sobre a propriedade da área, se do INCRA ou à empresa Eldorado Empreendimentos Imobiliários. O que não há dúvidas é que o terreno está improdutivo há anos. Vale ainda dizer que o local é cercado por condomínios residenciais de luxo e a especulação imobiliária tem crescido na região, com uma política conduzida pelos representantes do Poder Local, com ações ultrarreacionárias do Prefeito, de vereadores e do Poder Judiciário.

Nas ocupações urbanas e rurais vivem homens e mulheres, muitos destes idosos que, como seu Luís, perderam seus empregos e renda, encontram no acampamento um espaço coletivo de acolhimento, luta e de resistência. Pessoas que sabem que não é fácil romper a teia da invisibilidade em um país que trata seus idosos como um fardo. Um país que tem um governo que tira a pouca renda daqueles que mais precisam. Um governo que promove assassinatos sistemáticos, aqueles que não são contabilizados, mas que acontecem diariamente nas filas do descaso.

Sobre a reivindicação do acesso à água, a Prefeitura de Valinhos afirmou por meio de nota divulgada na tarde do dia 18, que o Departamento de Águas e Esgotos de Valinhos (DAEV) iniciou o fornecimento de água potável aos moradores, abastecendo as caixas das unidades habitacionais que existem no local e que providenciou a compra de um reservatório com capacidade para 10 mil litros de água que será instalado no acampamento na próxima semana. Veremos A Prefeitura tem desrespeitado diariamente direitos sociais básicos. A nota ainda ressaltou “que a área onde está o acampamento é particular, e não da Prefeitura, e a questão da ocupação está em discussão na Justiça, à espera de um encaminhamento no Fórum do Município de Valinhos”. Esquece, todavia, a obrigação do poder executivo quanto ao uso adequado da terra e ao controle da gestão do ordenamento urbanístico. A nota misturou hipocrisia, medo e oportunismo. As famílias seguirão cobrando o poder público pelos seus direitos.

O fato é que violências assim devem fazer do luto à luta, e assim o movimento sem-terra tradicionalmente encara os assassinatos de seus acampados e militantes. A tradição de luta faz com que a cabeça siga erguida, respeitando para que não haja um minuto de silêncio, mas uma vida dedicada à luta para honrar não somente a luta do Seu Luís, mas a de todos seus iguais. Essa identidade é o que mantém a chama acesa pelo acesso à terra e à reforma agrária, mas pela construção de uma sociedade justa, livre e solidária – o socialismo.

Foi essa mensagem de resistência que sintetizou o grande ato público que ocorreu no sábado, dia 20/07, com uma concentração na praça central de Valinhos, caminhando até a Prefeitura e encerrando o ato em frente à igreja matriz. Um ato de unidade e força daqueles que combatem na trincheira da luta de classes. Representantes de acampamentos e assentamentos do MST da região se juntaram aos vários movimentos sociais, sindicatos, centrais sindicais, partidos e organizações que estiverem presentes. Os cerca de três mil presentes testemunharam um sonoroso grito de que “não será em vão”. Veja mais aqui.

As palavras de ordem deixaram claro que a luta continuará, ainda mais forte, pela transformação do acampamento Marielle Vive em assentamento! Ouviram de forma muito firme que as famílias exigem o fornecimento de água. Mas também viram a capacidade de organização dos setores da esquerda, que se juntaram e gritaram bem alto a oposição ao governo Bolsonaro, que tantos ataques quer impor à classe trabalhadora, à juventude e ao povo mais pobre deste país. Os gritos foram claros ao combater a política do Presidente e quanto sua irresponsabilidade é criminosa. Literalmente. O discurso de Bolsonaro se somou ao fato de que em Valinhos o MST “incomoda”, ao denunciar a especulação imobiliária e a concentração fundiária. Ao mesmo tempo, esses discursos ultraconservadores, legitima pessoas, como Leo Luís Ribeiro, a cometer um assassinato destes, e ainda ter seus irmãos abertamente defender tal prática.

Ironicamente morreu segurando uma placa em que estava escrito: “Água Para a Vida e não Para a Morte”. Foi vítima da brutalidade de um tempo que emburrece e embrutece. Seu Luís foi assassinado, atropelado intencionalmente por um homem que deve ser julgado e punido por seu crime. Mas, lembremos sempre, ele foi atropelado por um reacionário da extrema-direita que odeia trabalhadores e pobres.

Por isso, o que ocorreu deve ser um ensinamento, da forma mais dolorida, para os desafios que a conjuntura nos impõe: “Estamos num luto profundo pela perda do seu Luiz Ferreira, um maranhense acampado há mais de um ano conosco. Uma pessoa que estava prestes a concluir seus estudos com educadores do próprio acampamento. Seu Luís teve a sua vida interrompida por um assassino que se moveu por esse clima instaurado na sociedade brasileira. Um clima de ódio, de inspiração fascista que temos que combater e derrotar. Por isso, do nosso luto, nascerá um profundo processo de luta e organização”, afirma Kelli Mafort da direção nacional do MST.

A Esquerda Marxista, como seção brasileira da Corrente Marxista Internacional, se solidariza com os familiares e amigos do Seu Luís, com o MST e toda sua militância, colocando-se ombro a ombro nos processos de luta, para realização da reforma agrária e a construção do socialismo. Estivemos em várias oportunidades no Acampamento Marielle Vive, estivemos no dia 18 acompanhando a prisão e, no sábado, no ato público do “luto à luta”, no centro de Valinhos. A luta continua!

*Alexandre Mandl é militante da Esquerda Marxista, advogado popular e acompanhou o dia dos fatos.