Foto: APP-Sindicato

Assembleias online e os riscos para a democracia da classe trabalhadora

Tem quem se entusiasme com as possibilidades de a tecnologia ampliar a participação das pessoas nas atividades de um sindicato. Mas os acontecimentos na última assembleia online da APP Sindicato, no dia 17 de fevereiro, mostram que não há motivos para otimismo. Sem qualquer fetichismo, queremos alertar que os recursos tecnológicos podem servir também para cercear a democracia operária e, por isso, é preciso uma atenção crítica ao tema.

Não foi a primeira experiência da categoria com uma assembleia online. É mesmo uma condição necessária dada a pandemia que estamos enfrentando. Mas, em comparação com as anteriores, foi a assembleia que gerou mais protestos nas redes sociais por parte de sindicalizados e de grupos de oposição, que protestaram contra o silenciamento de suas vozes.

Primeiro porque, diferente de outras assembleias, a mesa diretiva, sob controle da direção estadual da APP Sindicato, não organizou a fala das “forças”, que consiste em um tempo específico para que diferentes correntes sindicais façam uma breve análise da conjuntura política a qual a categoria está enfrentando. A direção estadual deve considerar esse expediente com seriedade. Não dá para agir em relação às correntes sindicais ao sabor das conveniências, permitindo suas falas quando há certa unanimidade e excluindo suas vozes quando a pauta é mais controversa.

Segundo, porque as manifestações nas redes sociais protestavam pelo fato de que diferentes pedidos de fala foram sistematicamente negados por quem fazia a mediação tecnológica com a mesa diretiva. Foram negadas questões de ordem ou de encaminhamento (quando alguém quer fazer sugestões de como encaminhar o debate ou propor a adoção de certos procedimentos por parte da assembleia); questões de esclarecimento (quando um participante entende que há dúvidas sobre a proposta que está sendo votada); e declarações de votos (quando um participante quer manifestar os motivos de sua posição de abstenção em uma votação). A principal alegação foi a de que esses pedidos chegaram após o início do regime de votação. O que não foi verdade.

Os pedidos foram negados anonimamente através de um “chat”, que não permitia qualquer recurso ou reclamação. Isolados em casa, com a interação restrita às ferramentas disponibilizadas, os participantes não têm os mesmos recursos alternativos que teriam em uma assembleia presencial. Não podem se dirigir diretamente à mesa, não podem manifestar seu protesto ou indignação para os outros participantes, não podem contar com uma intervenção justa e solidária do coletivo. Não há nem mesmo a válvula de escape de grupos de bate-papo entre os participantes da assembleia virtual. São todos desconhecidos quando se inscrevem, individualizados enquanto assistem nas suas telas a assembleia e totalmente anônimos nos processos de votação.

Frente a impossibilidade de se manifestar através de instrumentos que são corriqueiros em uma assembleia presencial, restou aos reclamantes protestarem nas redes sociais e grupos de WhatsApp da categoria. Avisado das manifestações nas redes, o presidente da APP Sindicato tomou a fala na mesa e criticou pessoalmente um desses sindicalizados para toda a audiência, sem garantir a ele o devido direito de resposta.

Após a assembleia, dirigentes da APP Estadual afirmaram nos grupos que nada de irregular havia ocorrido, que as inscrições para falas foram fora do tempo, e que iriam apresentar um relatório desses horários, bem como disponibilizar a gravação da assembleia. Até o momento, nada disso foi feito.

Na nossa luta contra o Estado e contra os interesses poderosos dos capitalistas, só podemos contar com nossa organização ampla e coletiva. Algo impossível de fazer sem o exercício democrático dos trabalhadores. Os meios tecnológicos devem ser uma ferramenta a nosso favor, não um instrumento para controles burocráticos.

Dada a experiência de assembleias online anteriores, não parece que os problemas apresentados tenham sido resultados de falhas na orientação da equipe que trabalhou na assembleia. Antes, podem ser frutos de uma tentação autoritária e oportunista: haveria interesse em controlar as falas, para garantir que a decisão dessa assembleia fosse por uma greve contra as aulas presenciais, e não por uma greve geral, recuando, assim, na posição votada em uma assembleia anterior. Ou seja, uma manobra burocrática.

Devemos estar atentos na próxima assembleia. As correntes e grupos de oposição têm que zelar pelo debate amplo e organizado, enviando representantes para estarem no local de transmissão, para defender procedimentos condizentes com uma democracia operária.