Em uma tarde chuvosa de sábado, 22 de fevereiro, mais de 500 pessoas se reuniram na Ilha Yekaterinhofsky, em São Petersburgo, a fim de expressar sua solidariedade com os réus no Caso Network. Várias pessoas se fizeram presentes, a pedido do Partido Comunista Unido, da CMI, da Komsomol1 Revolucionária e do Bloco de Esquerda. Ativistas de várias organizações políticas, ativistas de direitos humanos, amigos e parentes dos acusados, mas acima de tudo centenas de cidadãos comuns. Muitos deles tinham cartazes manuscritos que expressavam apoio aos acusados e condenados; e indignação pelas ações da investigação, promotores e judiciário.
O ato, que ocorreu três dias antes da audiência no Tribunal Militar da Guarnição 224 do caso Boyarshinov e Filinkov, foi um evento notável em São Petersburgo. As informações sobre o ato foram difundidas não apenas pelos organizadores, mas também por vários meios de comunicação populares da cidade. Ao mesmo tempo, as autoridades lançaram uma campanha de calúnia e desinformação, cujo ápice foi um artigo publicado pela Meduza2, na véspera do comício, sobre o possível envolvimento de anarquistas condenados no caso Penza, pelo assassinato de dois de seus camaradas. As pessoas da cidade, que já haviam se reunido para ir ao ato, ficaram pasmadas com a história que parecia ter emergido da caneta de Dostoiévski.
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No início da manifestação, a área do Teatro de Verão no Parque Yekaterinhof estava rodeada por uma cerca de aço, centenas de guardas nacionais e policiais com equipamento de proteção total. Sob chuva gelada e um vento penetrante do Golfo da Finlândia, os manifestantes se alinharam em longas filas para passar por detectores de metal, perto dos quais a polícia os revistou, examinando cuidadosamente seus pôsteres e bandeiras.
O camarada M. anunciou a manifestação e dando a palavra a Kirill Vasiliev, do Partido Comunista Unido. Kirill Vasiliev iniciou seu discurso com o questionamento de quem, na Rússia moderna, é um verdadeiro patriota: quem defende a maquinaria repressiva do estado ou quem luta contra ela? Aqui está uma citação de seu discurso:
“Por que isso se tornou possível? Porque ainda há muito poucos que se importam. O poder está tentando nos destruir. Se concordarmos, se ficarmos calados, o laço em volta do pescoço será ainda mais apertado. E, portanto, fazendo a introdução aos meus camaradas aqui, sou obrigado a dizer que o Caso Network é uma vergonha para o estado russo moderno. Francamente, não acho que o estado seja reformável. É crucial dar às pessoas a capacidade de abolir esta forma de governo, criar um novo e verdadeiramente democrático, onde as organizações proibidas não serão a mítica ‘Network’, mas aquelas cujos funcionários nos meteram nessa confusão.”
A membro da União Comunista da Juventude Russa (bolcheviques), Daria Gromova, disse em seu discurso: “Opomo-nos à intimidação de ativistas políticos e de organizações políticas“. Enquanto isso, o membro da Assembléia Legislativa, Maxim Reznik, incitou a multidão a combater não apenas a repressão, mas também a própria autocracia russa, como causa da repressão, que ele comparou com o despótico estado feudal de Ivan Grosny. “Os sujeitos do Network Case poderiam ser qualquer um de nós“, concluiu.
Em seu discurso, Ivan Loch, ativista da CMI, disse:
“Quando o FSB [Serviço Federal de Segurança] veio para os chechenos, muitos disseram: ‘eles são chechenos, são todos bandidos das montanhas.’ Depois de cinco anos, eles vieram para os muçulmanos e as mesmas pessoas disseram: ‘estes são os islâmicos: pensem no véu, o World Trade Center em Nova York’. Depois vieram buscar os nacionalistas russos. Eu odeio nacionalistas russos. Entre eles, há bandidos e assassinos, mas eles também prenderam pessoas inocentes por suas opiniões políticas. Então o FSB veio para os anarquistas. As mesmas pessoas – ouço as mesmas vozes – dizem: ‘anarquistas são ociosos, parasitas, viciados em drogas’. Então, amanhã eles virão atrás de você! Atrás de você e de mim! Quem nos protegerá?
“Devemos enfrentar essa repressão do governo, ombro a ombro. Mas, para combatê-lo, vocês precisam entender de onde veio esse monstruoso sistema policial contra o povo trabalhador. É simples. Quando Yeltsin cancelou a eleição dos juízes em 1993, e por muitos anos depois de adiar a introdução de um júri, por que ele fez isso? O motivo é muito simples. Durante meses, os trabalhadores não foram pagos. Suas famílias estavam passando fome. Eles viviam de batatas do campo. Se o trabalhador quisesse recorrer ao chefe para reclamar, seus nervos não seriam capazes de aguentar. Que decisão o júri tomaria?
“Isso foi, é e será. Mas a burguesia não quer que o tribunal dê justiça aos trabalhadores! Portanto, eles corrompem os tribunais e a polícia. Todas as autoridades foram corrompidas para estabelecer seu controle sobre a propriedade e a classe trabalhadora. Para intimidar a classe trabalhadora. Para intimidar o povo da Rússia. É por isso que as grandes empresas apoiaram a repressão contra organizações políticas de esquerda e grupos sociais oprimidos. Eles realizaram o seu desejo. Agora, esse colosso do estado policial, que cresceu com o sangue de trabalhadores, ativistas sindicais e combatentes da libertação nacional, ocasionalmente come os próprios capitalistas, tirando suas propriedades. Agora eles estão pensando sobre o que os espera…
“É possível derrubar esse sistema? Sim! Como? Devemos dizer com firmeza que defendemos a eleição de juízes, contra tribunais secretos, contra sigilo judicial, contra tribunais militares, contra o sistema policial que existe hoje na Rússia. Mas a luta com esse sistema leva inevitavelmente não apenas à libertação política, mas também à transformação social da sociedade, porque o Estado explorador não pode existir sem repressão. Assim que o regime repressivo entra em colapso, é varrido pelo povo. E quando o povo se tornar livre, a exploração desaparecerá, a opressão desaparecerá.
“As prisões entrarão em colapso, camaradas! Nós nos opomos às prisões e defendemos o comunismo! Enquanto uma pessoa está sentada em uma cela, outra não pode ser livre! Abaixo as prisões!”
Na manifestação, o pai e a mãe da acusada Julia Boyarshinova também falaram.
Em nome do sindicato estudantil “Discurso”, Vladislav Karlov fez um pedido para a urgente libertação dos acusados no Caso Network, bem como uma revisão completa do caso.
Uma ex-membro da Comissão Pública de Monitoramento (PMC, na sigla em inglês) de São Petersburgo, Ekaterina Kosarevskaya, em seu discurso, observou o papel e a prevalência da tortura no sistema de aplicação da lei, a necessidade de combater essa prática, o papel que a PMC desempenha nessa luta. Segundo Ekaterina, o amplamente divulgado Caso Network é de grande importância, porque, se não é possível tratar os réus com justiça e punir os investigadores culpados de organizar e praticar tortura, centenas de acusados em casos menos visíveis também serão afetados. Suas esperanças de um julgamento justo e a possibilidade de libertação estão relacionadas ao resultado do Caso Network e, portanto, nossa mobilização é defender todos esses réus também. Ekaterina Kosarevskaya também pediu participação em reuniões abertas do Tribunal da Guarnição na Praça do Trabalho 1, a partir de terça-feira, 25 de fevereiro. O julgamento no caso de Filinkov e Boyarshinov começou naquele dia às 15 horas.
O ativista de direitos humanos, Igor Gottlieb, falou sobre outros processos baseados em artigos “terroristas” e suas vítimas. A ativista de esquerda Ilya Romanov está atualmente sendo morta, pois lhe foi negada assistência médica após um derrame em uma colônia de Mordovian. Ele também falou sobre a explosão no metrô de São Petersburgo em abril de 2017, após o qual um grande número de pessoas cuja culpa não foi comprovada foi condenado a grandes penas de prisão. Igor pediu o fim da situação em que policiais, especialmente o FSB, torturam pessoas e falsificam casos criminais com impunidade.
“Juntos venceremos!”
No final do evento, um membro do grupo de apoio dos prisioneiros, Yevgeny Kulakova, transmitiu um discurso de boas-vindas aos participantes da manifestação de Yulia Boyarshinova, que estava na prisão da FSB na rua Shpalernaya; fez um pedido para escrever cartas de solidariedade aos presos; e depois leu uma carta de outro réu neste caso, Viktor Filinkov:
“A liderança de toda a organização, e tenho certeza de que eles agem de maneira organizada, agiu de maneira inadequada nessa situação. Eles não parecem entender que não podem se safar de uma farsa como essa em uma era de publicidade em massa. Este é o século 21. Todos podem ver o que eles estão fazendo e formar uma opinião. Não consigo olhar nos bastidores, mas as pessoas que estão lá, as pessoas que tomam decisões, as pessoas com poder roubam o futuro de todos nós – não apenas das crianças de Penza. O efeito deste caso vai além da esfera jurídica. Mas eles estão brincando com fogo. Não que eu acreditasse na legitimidade deles, mas acho que alguns deles devem ser loucos!”
Além disso, Kulakova falou sobre a solidariedade dos presos políticos, sobre como Viktor Filinkov realizou uma greve de fome de uma semana em apoio a todos os presos políticos no outono. Ele falou sobre a correspondência entre presos políticos e sobre como Viktor Filinkov precisa de hospitalização urgente, mas, ao invés disso, está sendo levado a julgamento.
No final do comício, os participantes adotaram uma resolução que afirmava que o Caso Network, baseado em testemunhos prestados sob tortura, envergonhava o Estado russo.
Nós exigimos:
- A libertação imediata de todas as pessoas privadas de liberdade;
- O fim do processo sobre o caso denunciado;
- Que os executivos operacionais; funcionários das autoridades investigadoras envolvidas na fabricação do caso, tortura e outros métodos ilegais aplicados às pessoas envolvidas no caso sejam julgados e punidos;
- O direito a um júri e a um julgamento justo, inclusive dos acusados nos chamados artigos “terroristas”.
Liberdade para presos políticos!
Abaixo o estado policial!
Juntos venceremos!
Notas:
1 O nome Komsomol é a contração de Kommunisticheskiy Soyuz Molodiozhi (Коммунистический союз молодёжи) ou União da Juventude Comunista.
2Jornal on-line no idioma russo com sede em Riga, Letônia, liderado por Galina Timchenko.
TRADUÇÃO DE TIAGO DE CARVALHO.
PUBLICADO EM MARXIST.COM