O descontentamento popular com as condições de vida e trabalho nos EUA — que já vinha aumentando nos últimos anos — acentuou-se com o aprofundamento da crise econômica acelerada pela pandemia do novo coronavírus. Os mais afetados são os mais pobres e, dentre eles, os trabalhadores negros, latinos e imigrantes são os que mais sofrem com o desemprego e péssimas condições de saúde, trabalho, moradia e alimentação e os que mais são vítimas da violência policial, racismo e xenofobia.
A pandemia escancarou a desigualdade social e racial existente no país mais rico do mundo. Dados oficiais do Centro de Prevenção e o Controle de Doenças nos EUA indicaram que negros e latinos têm três vezes mais chances de serem infectados e duas vezes mais chances de morrer do que os brancos porque seus empregos não tinham como ser realizados remotamente, porque usam mais o transporte público e também porque muitas pessoas moram juntas na mesma moradia1. São também as pessoas que têm mais comorbidades. E o mais grave: não têm acesso a serviços de saúde porque não podem pagar pelo atendimento ou internação!
A pobreza e a miséria têm atingido proporções inéditas. Cerca de 40 milhões de estadunidenses vivem abaixo da linha da pobreza, mas enquanto apenas 11% das crianças brancas vivem na pobreza, essa taxa chega a 32% para crianças negras e 26% para crianças latinas2.
Isso se reflete na situação de pessoas sem habitação. Os números oficiais indicam mais de meio milhão de pessoas sem teto, mas tais indicadores não captam a realidade de milhares de pessoas que “moram” em carros, trailers e campings. Em Los Angeles, são mais de 60 mil sem tetos, em Nova Iorque, 80 mil!3
Já com relação ao desemprego, os analistas estão comemorando uma suposta recuperação. A taxa de desemprego, depois de registrar 14,7% em abril, a maior desde a Grande Depressão, baixou para 8,4% em agosto, porém, isso significa 13,6 milhões de pessoas sem emprego e, além disso, os empregos gerados são, em sua maior parte, de meio período ou precário e as pessoas têm que trabalhar em dois ou três empregos para conseguir se sustentar.
O tombo é tão grande que o próprio Escritório de Orçamento do Congresso avalia que a economia dos EUA não deve se recuperar por completo antes de 20304.
Classe trabalhadora alonga os músculos
O recente levante popular em resposta à violência racista da polícia, com enormes e combativas manifestações de rua nas principais cidades do país, sob a palavra de ordem “Black Lives Matters” (Vidas Negras Importam) mostram que a corrente da exploração capitalista se rompeu em seu elo mais fraco, ou seja, onde as contradições se acumulam de maneira ainda mais brutal, quer dizer, sobre os mais pobres e oprimidos, os jovens negros dos subúrbios.
Mas, diferente de outros protestos anteriores, uma onda de solidariedade se espalhou e as manifestações reuniam negros e não-negros, na maioria jovens, na luta contra o racismo e a violência policial, que são as consequências mais nefastas da crise do capitalismo e a face mais nua e crua do Estado burguês.
Os trabalhadores estadunidenses não ficaram alheios a todas essas mobilizações e pesquisas de opinião mostraram que a maioria do povo estava a favor dos protestos. No entanto, os dirigentes sindicais não moveram uma palha para agitar os trabalhadores, seja no sentido de apoiar o movimento Black Lives Matters ou para apresentar as próprias reivindicações de suas bases.
Apesar da inércia dos líderes sindicais, sob a superfície, a insatisfação só cresce e a temperatura da luta de classes está subindo. É possível ver alguns sinais dessa “febre” se manifestando, aparentemente, como eventos isolados, mas que, na verdade, estão conectados a uma profunda força que começa a se mover “silenciosamente” na base da sociedade.
Por exemplo, a greve dos estivadores da costa oeste dos EUA e Canadá em junho, que paralisou 29 portos durante 8 horas, em solidariedade ao Black Lives Matter. Como parte da ação, uma manifestação massiva marchou pelo porto e centro de Oakland, com milhares de manifestantes.
O rapper e cineasta Boots Riley declarou durante o protesto:
“Qual é o nosso poder?… Hoje se apresenta uma resposta a esta pergunta. Nosso poder provém do fato de que criamos a riqueza. A riqueza é poder. Temos a capacidade de deter esse poder. Temos a capacidade de parar nosso trabalho e fechar a economia.
Imaginem se isso não fosse só uma paralisação de um dia na costa oeste. Imaginem se decidíssemos fechar todos os portos da costa oeste até que as autoridades cumpram com nossas demandas. Estariam perdendo bilhões dólares… Temos que mostrar a eles que não estamos pedindo, estamos exigindo… Nós pararemos o mundo e jogaremos esses malditos para fora do barco”5.
O sentido é exatamente esse, porém, a iniciativa não se espalhou para outros setores do movimento sindical devido ao imobilismo das lideranças e, por enquanto, ficou apenas na ideia. Mas sabemos que a ideia se transforma em força material quando penetra as massas e, portanto, temos direito ao otimismo.
Outra categoria que vem demonstrado a insatisfação presente na sociedade é a dos professores e se relaciona à retomada das aulas presenciais em meio à pandemia, uma questão semelhante à enfrentada pelos professores no Brasil.
Por exemplo, quando o prefeito de Chicago, Lori Lightfoot, anunciou que retomaria as aulas em agosto, a União dos Professores de Chicago convocou uma assembleia de emergência para votar greve. Horas após a convocação da assembleia, no entanto, a decisão de retorno às aulas foi revogada. Assim como no Brasil, os camaradas da seção americana da Corrente Marxista Internacional defendem a organização de greves de professores se as autoridades resolverem reabrir as escolas em meio à pandemia, para defender a vida de educadores, estudantes e seus familiares6 e, assim como no Brasil, estão tendo sucesso na discussão e no recrutamento de novos militantes com base nessa campanha.
2 <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53562958>
4 <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/09/04/desemprego-nos-eua-recua-para-84percent-em-agosto-na-4a-queda-seguida.ghtml e https://brasil.elpais.com/economia/2020-06-05/mercado-de-trabalho-da-um-alivio-aos-eua-com-queda-surpreendente-do-desemprego-em-maio.html>
6 <https://socialistrevolution.org/school-teachers-strike-for-our-lives-against-disaster-capitalism/>