Foto: Ryan Brown / ONU Mulheres

Aumento da fome, desmonte dos serviços públicos e desnutrição infantil em Joinville

Após postagem de uma nutricionista de Joinville em sua rede social, relatando que uma criança de 10 anos em desnutrição diz não aceitar nenhum alimento além de arroz e feijão, justificando que a comida está cara e que sua mãe não tem dinheiro, a Prefeitura apresentou à imprensa um balanço das ações para o combate à desnutrição infantil no município.

A Prefeitura de Joinville diz que atendeu neste ano 48 crianças de zero a cinco anos com magreza acentuada e 86 crianças com magreza, mas que, fora dessa faixa etária, não possui dados para apresentar. Cita como ações de combate à desnutrição infantil o Programa Pequeno Príncipe, a distribuição de cestas básicas pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), o Restaurante Popular e a campanha de doação de alimentos nos postos de vacinação. Sobre o caso da criança citado pela nutricionista, a Prefeitura diz que é importante que essas situações sejam notificadas nos CRAS, para que os técnicos façam o acompanhamento da família e encaminhem para os serviços assistenciais.

Mesmo que estas ações apresentadas pela Prefeitura realmente estivessem funcionando, seriam paliativas e incapazes de erradicar a fome no município. Contudo, o fato é bem pior quando nenhuma das ações na prática acontece.

O Programa Pequeno Príncipe, que deveria atender crianças de zero a cinco anos, hoje monitora apenas crianças de zero a dois anos, salvo casos de três a cinco anos notificados, isso porque o Programa Saúde da Família, tal como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde, foi completamente desmontado e descaracterizado no âmbito federal, não conseguindo mais cumprir o papel de monitoramento das famílias dentro das áreas de abrangência das unidades de saúde. Pelo mesmo motivo, a Prefeitura não tem os dados sobre as crianças acima de cinco anos.

Devido à pandemia, os CRAS deixaram de prestar atendimento contínuo às crianças que eram atendidas presencialmente no contraturno escolar e recebiam alimentação dentro das unidades. Sem o número de profissionais adequados para o acompanhamento das famílias em seus domicílios, com muitos servidores em desvio de função e dependendo de doações de empresas e da comunidade para fornecer grande parte das cestas básicas citadas pela gestão, os CRAS tentam lutar pela própria sobrevivência com o aumento gigantesco da demanda. Também pertencentes à Assistência Social, as duas unidades do Restaurante Popular atendem na grande maioria adultos do entorno das unidades e a população de rua, portanto, os alimentos não chegam às áreas periféricas nem servem como ação de combate à desnutrição infantil.

É nítido que os serviços estão sucateados, sobrecarregados, sem o número de servidores necessários e não conseguem monitorar, nem prestar a assistência necessária à população e muitos menos zelar pela segurança alimentar das crianças. Com o fechamento das escolas e dos serviços de assistência, as famílias ficaram desassistidas e as crianças foram privadas de muitos alimentos que antes eram fornecidos nas escolas, CEIs e outras unidades de atendimento. Além disso, os kits alimentação distribuídos nas escolas não suprem a necessidade das famílias.

A gestão do município de Joinville mascara a realidade dentro das unidades de saúde e dos serviços oferecidos pela assistência social e não tem ações sólidas voltadas para combater o aumento da fome no município. Seguindo a lógica de manter a concentração da riqueza nas mãos do empresariado, o prefeito do Partido Novo, Adriano Silva, aplica escancaradamente a política econômica federal de sucateamento dos serviços públicos para, assim, justificar a sua privatização para a população.

Aumento da fome e recordes no agronegócio no Brasil

O cenário nacional se mostra na mesma linha e traz dados assustadores. O relatório O Estado de Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo, publicado no dia 12 de julho deste ano, em conjunto pela ONU, OMS, UNICEF e outras agências, estima que saltou de 3,9 milhões para 7,5 milhões o número de brasileiros que estão em insegurança alimentar severa, ou seja, que passam fome por falta de comida.

Segundo levantamento feito entre novembro e dezembro de 2020 por pesquisadores do grupo “Alimento para Justiça” da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília, mais da metade dos domicílios no Brasil (59,4%) estiveram em situação de insegurança alimentar durante a pandemia. Isso significa que mais da metade dos domicílios brasileiros deixaram de comer por falta de dinheiro ou tiveram que reduzir significativamente a qualidade e a quantidade de alimentos ingeridos.

Paralelo a esse cenário, a Confederação da Agricultura e Pecuária informou que o Brasil fechou o ano de 2020 com uma expansão recorde de 24,31%, na comparação com 2019. Calcula-se que 89% de todos os grãos produzidos no país em 2020 foram milho e soja, destinados principalmente para exportação e produção de ração para animais. Além da exportação recorde de grãos, o país também bateu recorde de exportação de carne bovina e suína.

Ao mesmo tempo em que vive um cenário brutal de fome e escassez de alimentos, o agronegócio bateu recordes. Isso porque, apesar da vasta agricultura, os latifundiários do agronegócio estão voltados para culturas específicas visando o lucro das exportações e não à alimentação da população brasileira.

Apoiados pela bancada ruralista no Congresso, estão Bolsonaro e Guedes que expressam a todo momento seu desprezo pela classe trabalhadora. No último dia 27 o presidente Jair Bolsonaro rebateu críticas ao seu governo dizendo:

“Daí tem um idiota que diz: ‘Ah, tem que comprar feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”.

 Isso após o ministro Paulo Guedes ter sugerido alimentar os pobres com os restos de comida da mesa das “classes mais altas”.

O governo Bolsonaro continua avançando sua política, massacrando a classe trabalhadora, enquanto as direções reformistas, ditas de esquerda, defendem as instituições burguesas e vendem a ilusão de que tudo pode se resolver nas urnas em 2022, enquanto a pandemia avança e os trabalhadores são mortos pelo vírus e pela miséria.

O aumento da “insegurança alimentar” durante a pandemia

A pandemia da Covid-19 trouxe um agravamento da fome no mundo. O relatório da ONU citado anteriormente estima que cerca de 811 milhões de pessoas enfrentaram a fome em 2020 e quase 200 milhões de crianças menores de cinco anos sofriam de desnutrição. O relatório também apontou que mais de 2,3 bilhões de pessoas não tiveram acesso à alimentação adequada durante todo o ano. O indicador de insegurança alimentar aumentou em um ano na mesma proporção que a soma dos cinco anos anteriores.

Em nota em seu site, a Unicef Brasil diz que os relatórios dos anos anteriores já alertavam o mundo de que a segurança alimentar estava em jogo e a pandemia acentuou as fraquezas do sistema alimentar. A nota também diz que, ao mesmo tempo em que as agências avisam sobre uma conjuntura crítica, depositam novas esperanças no momento diplomático que oferece uma “oportunidade única” para o avanço da segurança alimentar e nutricional por meio da transformação dos sistemas alimentares. Ou seja, o relatório que traça o mapa da fome em absurda ascensão global diz que a esperança está nas instituições burguesas que assistiram à morte de mais de 4,5 milhões de pessoas contaminadas pela Covid-19 durante a pandemia e deixaram com fome cerca de 3 bilhões de crianças e adultos.

Os relatórios anteriores já apontavam o aumento da fome no mundo antes da pandemia, que trouxe mais brutalidade na dificuldade de acesso aos alimentos. Neles, são apresentadas diversas razões para essa “desaceleração” no progresso de segurança alimentar, como problemas climáticos, áreas de conflitos, recessão econômica e a desigualdade social. Também é descrita a necessidade de transformar os sistemas alimentares sugerindo aos governos ações de políticas humanitárias de desenvolvimento e de paz em áreas de conflitos, cuidados com o clima, programas de apoio para diminuir os impactos pandêmicos e de combate da pobreza e das desigualdades.

É preciso destacar que todas as razões apresentadas são provenientes da mesma fonte: o caráter exploratório do sistema capitalista. As ações apresentadas pelo relatório da ONU para transformar os sistemas alimentares e combater a fome dependem exclusivamente do aparato do Estado burguês, que repousa seu fundamento sobre a contradição de classes e que existe para opressão e reprodução de desigualdades. Sendo assim, nenhuma tentativa que ocorra pelas vias burguesas será capaz de estancar a desigualdade social dentro do sistema capitalista, que tenta afastar a classe trabalhadora de sua emancipação.

Diante da pior crise da história do capitalismo, por mais que se propague que o Estado burguês, adornado por ideais reformistas, pode definir ações para conter a desigualdade social e a fome, a burguesia não é capaz de garantir nem mesmo o mínimo para a subsistência da classe trabalhadora, tampouco reformar a democracia burguesa modificará a questão fundamental, a exploração da classe trabalhadora. O que temos é o acirramento da exploração sobre os jovens e trabalhadores e um aumento absurdo das desigualdades e da fome.

Portanto, compreendemos a necessidade de um partido revolucionário da classe trabalhadora que possa dirigir a luta por sua emancipação e organizar a derrubada do sistema capitalista, construindo uma nova sociedade socialista mais justa e igualitária, superando a exploração e a desigualdade presentes na ordem vigente.

  • Segurança alimentar e condições de vida digna à classe trabalhadora!
  • Contra o sucateamento e a privatização dos serviços públicos!
  • Abaixo Bolsonaro agora! Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!