Foto: Arquivo EBC, Agência Senado

Autonomia do Banco Central é um presente para os banqueiros

Na última quarta-feira (10), a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que prevê a autonomia do Banco Central. Foram ao todo 339 votos a favor e 114 contra. O projeto teve origem no Senado Federal, protocolado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), e foi aprovado naquela casa com o substitutivo do senador Telmário Mota (Pros-RR).O projeto agora segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro. Leia abaixo artigo originalmente publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 20, de 26 de novembro de 2020, que explica quais são os interesses da burguesia na aprovação desse projeto e as disputas políticas envolvidas no processo.

A discussão sobre a autonomia do Banco Central está de volta ao Congresso Nacional para satisfação dos banqueiros e especuladores do sistema financeiro.

No momento, há dois projetos em tramitação, sendo um enviado pelo governo Bolsonaro à Câmara dos Deputados e outro já aprovado pelo Senado Federal no dia 3 de novembro. Os textos são bem parecidos, mas como o do Senado está mais adiantado, deve entrar na pauta da Câmara em breve e seguir para sanção presidencial ainda este ano, segundo a previsão de analistas (leia-se, lobby de representantes burgueses).

O PLP 19/2019 do Senado pretende transformar o BC em uma “autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica” e “pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira”. Pretende ainda criar um mandato de quatro anos para o presidente e demais diretores do BC, desvinculados do mandato do presidente da república. Somente em caso de “desempenho insuficiente”, o Conselho Monetário Nacional poderá exonerá-los do cargo, cabendo ao Senado chancelar a decisão. Como o mandato do presidente do BC e demais diretores não irá coincidir com o mandato do presidente da república, um presidente eleito não poderá demitir o presidente do BC indicado pelo presidente anterior, só no início do terceiro ano de seu mandato!

Um presidente também poderá encontrar obstáculos para aplicar a política pela qual foi eleito, se ela for contrária aos interesses do “mercado” ou se quiser utilizar os instrumentos financeiros dos quais dispõe o BC para desvalorizar ou valorizar a moeda nacional ou para expandir ou contrair o crédito, por exemplo. Assim, se não tiver o aval dos “administradores” do BC, nada feito.

Aprofundar a ditadura do capital

Atualmente, o capital financeiro exerce o poder sobre a sociedade através de seus representantes eleitos pelo voto popular. Os capitalistas garantem economicamente que seus representantes sejam eleitos e os eleitos procuram garantir que os interesses econômicos dos capitalistas sejam preservados e ampliados. Formalmente, esse sistema é uma democracia, pois o povo escolhe os governantes, ou seja, o “poder emana do povo”, supostamente. Na prática, é a ditadura do capital!

No presidencialismo, o presidente eleito tem o mandato para montar sua equipe (ministérios) e aplicar o programa político que apresentou na campanha, incluindo a política econômica e seus componentes: a política fiscal, monetária, cambial etc. E não é possível aplicar uma política econômica sem um Banco Central.

Assim, conceder autonomia ao BC significa entregar esse importante órgão público diretamente aos capitalistas: significa romper até mesmo essa relação democrática formal entre eleitos e eleitores, afinal, não importará quem for eleito, pois a política monetária e cambial será ditada diretamente pelos banqueiros e especuladores, aprofundando a ditadura do capital sobre o povo. O Banco Central será autônomo em relação ao povo e passará diretamente para os capitalistas, de “mão beijada”.

Não se trata de defender a democracia formal, regime burguês de dominação sobre a classe trabalhadora, mas sim de demonstrar que tal medida reflete a tendência do capital em buscar se “autonomizar” do regime político, por este ser demasiado incerto ou instável para os negócios financeiros. Diante da crise que perpassa o mundo, garantir a estabilidade do sistema financeiro é o que importa para o capital. Por outro lado, a fome, a miséria, o desemprego, a falta de saúde ou moradia e outras preocupações sociais que fazem as massas se levantarem em revolta são consideradas, propositalmente, de responsabilidade exclusiva dos governantes (e não do sistema em si).

Crise de representação política

É aí que a outra face desse movimento do capital se faz presente. Enquanto assume as rédeas dos mecanismos econômicos que mais lhe interessam (sem a interferência desagradável dos políticos), busca, ao mesmo tempo, se desfazer de seus representantes públicos mais odiados, corruptos ou incapazes de lidar com as massas e trocá-los por outros mais confiáveis ou domáveis. É isso que está na base, por exemplo, da operação Lava Jato e das iniciativas do tipo Renova Brasil.

Acontece que essas manobras são arriscadas, por trazerem ainda mais instabilidade para o regime político e por serem demasiado lentas para atingir seus objetivos. Na verdade, perseguir a meta de dar uma nova face para as instituições burguesas é uma utopia para quem acredita nela e, na prática, uma nuvem de demagogia para embaçar os olhos dos trabalhadores e da juventude.

Esses e outros problemas enfrentados pelo capital na sua busca por uma representação política mais estável em meio à turbulenta situação social faz com que a mídia, por exemplo, celebre as vitórias eleitorais de partidos tradicionais de direita que —  em oposição às candidaturas bolsonaristas — foram chamados de “direita esclarecida” pelo comentarista da Globo News Fernando Gabeira, aliás, ex-guerrilheiro convertido em analista político da burguesia!

Entretanto, em meio a todo esse teatro, não será de se espantar que, em breve e novamente, os reformistas sejam vislumbrados como uma alternativa para desempenhar seu papel e buscar gerir essa imensa crise. De qualquer maneira, uma alternância entre direita e esquerda no âmbito das eleições também se mostrará insuficiente e as massas continuarão testando uma tendência política após outra enquanto não for construído um partido operário revolucionário com ampla influência para pôr abaixo esse sistema e erigir uma sociedade socialista!

A crise de representação política da burguesia pode ser empurrada com barriga, enquanto o capital continua fazendo a vida da população um inferno na Terra, mas, para os trabalhadores, a construção de uma direção revolucionária é a tarefa mais urgente, pois, parafraseando Trotsky, “sem a vitória da revolução social no próximo período histórico, a humanidade estará condenada à barbárie”.