Imagem: Para e procure - 2007, pintada em Belém, Palestina

Banksy e o cinismo

No ano passado, a Feira de Madri acolheu uma exposição do artista britânico Banksy, que percorre toda a trajetória do grafiteiro através de uma ampla seleção de suas obras. Suas críticas vorazes ao imperialismo e às suas guerras, à destruição do meio ambiente, ao consumismo desenfreado, à hipocrisia e à desesperança da sociedade capitalista, representadas nas ruas de várias cidades, o tornaram famoso no mundo todo

O principal eixo da arte de Banksy é a contradição entre a cultura oficial, que se transmite através dos meios de comunicação, a cultura de massas, as redes sociais, a publicidade e a política burguesa, que exalta uma felicidade despreocupada, sensual e de curto prazo, da liberdade individual expressa através do consumo, dos padrões de beleza exigentes, da “democracia” e do “livre mercado”, e a vida real da maioria das pessoas, marcada pela precariedade, a solidão, a insegurança, a violência, o medo, e, frequentemente, a guerra.

Justapondo as promessas do capitalismo à feia realidade, Banksy vai ao coração da ideologia dominante e revela sua mentira. Qualquer vislumbre de honestidade é rapidamente parasitado pelo mercado, que corrompe todos os valores e os preenche de falsidade. Se o sonho americano tinha uma certa base material há cinquenta anos, hoje é uma farsa grotesca.

Tão cruel é a crítica de Banksy a todas as vacas sagradas do capitalismo, a todos os princípios e valores da ideologia dominante, tão penetrante é seu olhar ao aparato ideológico do poder, que acaba recaindo no fatalismo. O capitalismo é o todo-poderoso que tudo corrompe e tudo envenena, já não sendo mais possível levar nada a sério. A atitude zombeteira e irreverente com que trata sua própria fama é representativa, vendendo suas obras a preços exorbitantes, leiloando quadros que mais tarde se autodestroem ou, sua ocorrência mais excêntrica, abrindo um hotel de luxo em frente ao infame muro da Cisjordânia.

Banksy é o artista mais genuíno de nossa época pela maestria com que expressa o estado de ânimo predominante, o cinismo. Essa atmosfera tem uma base política. Estamos presenciando a decomposição avançada do capitalismo. As bases materiais para o socialismo nunca estiveram tão maduras, e, de fato, parafraseando Trotsky, elas já começam a apodrecer.

A maturidade das condições objetivas para a Revolução contrasta drasticamente com a imaturidade do fator subjetivo, a falta de uma alternativa clara ao sistema capitalista. De fato, as direções da esquerda se agarram hoje mais do que nunca a um sistema que está vazando por toda a parte. Os esforços por transformar o estado das coisas, como na Grécia com o Syriza em 2015, ou no Estado espanhol com o 15M e todo o processo político que deu vida ao PODEMOS três anos mais tarde, ou com as esperanças que despertaram a Primavera Árabe, levaram a contratempos, derrotas e traições. A falta de alternativas diante do naufrágio do capitalismo só pode gerar cinismo, fatalismo e desesperança.

A expressão intelectual e artística desse sentimento são as correntes pós-modernas, que rechaçam qualquer noção de progresso ou qualquer fio condutor na história. Essa é a conjuntura que Banksy reflete. O contraste de suas obras com a dos predecessores do grafite político, os muralistas, não podia ser mais eloquente. Alçados por uma época de grandes revoluções que inaugurou a Revolução Russa, quando o socialismo aparecia como um grande objetivo para sacrificar-se, os muralistas exaltavam valentia, idealismo e otimismo. Cem anos mais tarde, os grafites de Banksy transmitem desconforto, cinismo e fatalismo.

Sua arte recorda o que Trotsky dizia sobre Céline (que também escrevia em uma época de desesperança): “Se Céline desdenha da grandeza da alma e do heroísmo dos grandes desígnios e das esperanças, de tudo que tira o homem da noite escura de si próprio, é por ter visto tantos sacerdotes bem pagos servindo nos altares do falso altruísmo. Implacável consigo mesmo, o moralista foge de sua imagem refletida no espelho, rompe a lua e corta sua mão”.

Nessa época de cínicos, é urgente construir uma alternativa socialista, rearmar o movimento com um programa e uma grande ideia que entusiasme, que nos eleve por cima das mesquinharias cotidianas, e ofereça uma saída à agonia do capitalismo; que transforme o cinismo e o desconforto em energia revolucionária organizada.

TRADUÇÃO DE JOÃO LUCAS BRANDÃO.

PUBLICADO EM 28 DE JANEIRO DE 2019 EM LUCHADECLASES.ORG