Foto: Alessandra.yuri

Bauru: onde os trabalhadores são sacrificados para salvar os lucros da burguesia local

Este artigo tem por objetivo tornar pública uma situação que, diariamente, vem afetando milhares de pessoas na cidade de Bauru, interior do estado de São Paulo.

Desde o início da pandemia, o Comitê de Luta Fora Bolsonaro tem feito um grande esforço se mobilizando para exigir que o prefeito Clodoaldo Gazzetta (PSDB) adote as medidas efetivas para proteger as vidas de quem é obrigado a usar o transporte urbano. Contudo, os ônibus continuam circulando, e com excesso de passageiros. Nos horários de pico as pessoas se comprimem em pé, dividindo pequenos espaços sem as mínimas possibilidades de se praticar o “distanciamento social”, favorecendo o contágio e a disseminação do coronavírus.

Diante disto, as autoridades de Bauru permanecem inertes, como se as vidas de trabalhadores e trabalhadoras fossem descartáveis — visto que nada fazem para protegê-las. Após o vai e vem de decisões judiciais relacionadas à flexibilização e ao isolamento social, a reabertura de vários setores da economia local levará um número mais elevado de pessoas às ruas e ao transporte urbano. Se não adotar medidas concretas para proteger a vida dos usuários, o prefeito estará patrocinando uma política que facilita o contágio e a morte de uma parcela da população. É a necropolítica associada ao racismo estrutural que protege as elites em todo país e seus interesses, enquanto sacrifica a classe trabalhadora.

Transporte urbano em Bauru e a responsabilidade do prefeito Gazzetta

Desde o início da pandemia de Covid-19 o transporte coletivo urbano é um dos principais vetores de contágio e atinge em cheio a classe trabalhadora. As empresas em Bauru retiraram de circulação em torno de 40% da frota, resultando em aglomerações e ônibus cheios, dificultando o distanciamento social, e facilitando a circulação do vírus e o contágio entre os usuários deste meio de transporte.

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) interveio nesta situação através do promotor Henrique Varonez, que em 14 de abril instaurou inquérito civil para apurar a lotação do transporte público coletivo da cidade. Em nossa opinião, o MP deveria ter entrado com ação civil pública para garantir a aplicação de medidas sanitárias e protetivas aos usuários, entre as quais não permitir que os ônibus circulassem com passageiros em pé. Deste modo, em 19 de março o PSOL-Bauru apresentou um conjunto de medidas sanitárias a serem adotadas pelo Executivo para proteger a população, incluindo medidas referentes ao transporte urbano, e que foram ignoradas pelo prefeito Clodoaldo Gazzetta.

No dia 5 de junho reuniram-se no Ministério Público, em Bauru, a Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (EMDURB), a Associação das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de Bauru (Transurb) e o MPSP, que definiram alguns caminhos para resolver o impasse. Contudo, esta reunião foi realizada 51 dias após a instauração do inquérito, e durante todo este período os usuários de ônibus foram expostos ao contágio. Além disso, as medidas propostas e acordadas nesta reunião mostraram-se ineficientes e ineficazes, pois os ônibus continuam circulando lotados nos períodos de pico. Denunciar irregularidades para a prefeitura de Bauru, como sugeriu o MPSP, é exercer o esforço de Sísifo, pois fica demonstrado que o Poder Executivo se recusa a confrontar as empresas, permitindo que elas atuem de acordo com seus interesses comerciais, em detrimento do interesse da população usuária.

A leniência do MPSP

Além da situação extremamente prejudicial aos usuários do sistema de transporte público, a população de Bauru enfrenta o aumento exponencial de infectados e a saturação dos leitos de UTIs, pois no único Hospital Estadual/SUS da região — que atende Bauru e outras 38 cidades — a taxa de ocupação chega a 98% diariamente. Frente a isto, ingressamos com representação no Ministério Público Estadual, reivindicando que fossem adotadas todas as medidas sanitárias de proteção, inclusive a redução de passageiros por ônibus não permitindo que circulassem com usuários em pé.

Foto: Mílton Jung, Flickr

Em 16 de julho recebemos resposta do MPSP, nos informando que nossa representação seria apensada no inquérito, e o que havíamos pleiteado — ações imediatas para garantir que os usuários de ônibus na cidade de Bauru não fossem expostos à contaminação pelo coronavírus — não seria aplicado. Manteve-se como medida, por exemplo, a orientação de ligar na ouvidoria da prefeitura para informar “ônibus que estivessem lotados”, o que caracterizamos como medidas ineficientes e ineficazes.

Insurgimo-nos novamente contra esta posição do MPSP, que em nossa opinião favorece o prefeito e as empresas, e gera um imenso passivo de falta de respeito com a vida de milhares de trabalhadores e trabalhadoras que, por não terem direito ao isolamento social, se tornam alvos diretos de um dos maiores vetores de contágio: o transporte urbano. Seriam as vidas destas pessoas descartáveis? De acordo com as medidas adotadas pelo prefeito Gazzetta e pelo MPSP, eles acham que sim.

Um argumento que vem sendo alardeado contra a adoção de medidas efetivas de proteção às vidas dos usuários seria um “possível passivo da prefeitura com as empresas por conta de perda de receita”. Esta tese não tem como prosperar. Nas concessões realizadas em Bauru e nos contratos ainda em curso não existe por parte do município a obrigação de garantir determinado número de usuários ao dia. Assim, a fuga de passageiros, que ocorre de forma sistemática no sistema em Bauru, é utilizada pelas empresas como justificativa para a precarização dos serviços, como a diminuição de ônibus e o aumento constante das tarifas.

Se em um dia a empresa transportar 120 mil passageiros, receberá o valor das 120 mil tarifas; mas se transportar 50 mil passageiros, receberá o correspondente às 50 mil tarifas pagas. Não há nenhuma obrigação legal do município em “pagar outras 70 mil tarifas”, e caso houvesse um contrato com tal pactuação, caberia ao MPSP atuar para impugnar, pois se caracterizaria um “verdadeiro assalto aos cofres públicos”.

Que os empresários se utilizem da lógica de Cassandra para anunciar e vender tragédias é compreensível, pois estão sendo coerentes com seus interesses de mercado. Mas causa surpresa quando o prefeito e o promotor de Bauru abraçam tal tese, pois, como já foi explicado, com a redução de passageiros as empresas reduzem as frotas — como estão fazendo por todo país —, contribuindo diretamente para ampliação dos níveis de contágio e mortes dos usuários expostos à aglomeração dentro dos ônibus.

A frota de ônibus deve ser colocada integralmente para circular, priorizando-se os horários e as linhas onde exista uma demanda maior, permitindo que os ônibus circulem somente com passageiros sentados, e garantindo-se o distanciamento necessário entre cada um. As vidas dos usuários do transporte urbano importam e não podem ser monetizadas, como está acontecendo em Bauru e em várias outras cidades do país.

O transporte deve ser público, gratuito e para todos

O transporte urbano em Bauru é operado por empresas privadas, como acontece na maioria das cidades brasileiras. Considerando o velho ditado “quem paga a banda escolhe a música”, os poderes constituídos priorizam os interesses das empresas que só pensam em seus lucros. Este é um negócio sem risco para os barões do transporte. 

O que a classe trabalhadora precisa urgentemente em todo país é que o transporte seja operado diretamente por uma empresa pública. O direito ao transporte deve ser garantido  como um direito social para a maioria da população, tais como o acesso aos bens públicos em qualquer local das cidades. Podendo exercer o direito de ir e vir, rompe-se com os muros que nos cercam e nos confinam por falta de mobilidade.

Devemos avançar nesta discussão, cobrando os custos do transporte urbano daqueles que dele de fato se beneficiam, e que com certeza não são os trabalhadores, que possuem a mercadoria mais valorosa transportada, que é sua força de trabalho. É esta mercadoria que todos os dias faz com que as empresas de qualquer ramo funcionem, produzindo bens de consumo e serviços que geram riquezas (das quais não participamos). Trabalhamos de 8 a 12 horas por dia para recebermos o mínimo necessário para nos mantermos enquanto mão de obra barata. E o mais grave: ainda somos obrigados a pagar o transporte que nos leva todos os dias para sermos explorados.

A pandemia e o que vem ocorrendo no transporte é apenas uma das demonstrações da barbárie que é o sistema capitalista para a classe trabalhadora. A burguesia, seu Estado e suas instituições não têm pudores nem escrúpulos em sacrificar a classe trabalhadora para salvar seus negócios e seus lucros. O fim das privatizações no transporte urbano via concessões, assim como a implantação da tarifa zero, devem estar nas pautas de todos os candidatos a prefeito e vereadores do PSOL nas eleições municipais deste ano. Diante dos problemas do transporte urbano nestes tempos de pandemia, é necessário explicar para a classe trabalhadora como funciona o sistema capitalista, para o qual somos peças descartáveis. Este sistema precisa ser destruído para que possamos respirar e viver.