Blumenau e a flexibilidade do isolamento social

Na semana passada, mais especificamente no dia 22 de abril, Blumenau foi destaque nas redes sociais e notícia no mundo por conta de imagens da reabertura de um de seus shoppings, localizado nas proximidades do centro da cidade. Na ocasião uma multidão de pessoas entrava no estabelecimento, caminhando sobre um tapete vermelho, ao som da música de um saxofonista que se apresentava ao vivo no saguão de entrada. O comércio de rua da cidade também havia voltado a funcionar, tudo parecia caminhar para algum tipo de normalidade, se não fosse a pandemia do coronavírus e o aumento dos casos de pessoas contaminadas pela Covid-19 em Blumenau. Naquela ocasião eram 98 os casos confirmados, dos quais 10 pessoas estavam hospitalizadas, e 33 estavam em isolamento residencial.

A reabertura dos estabelecimentos e das lojas de produtos não essenciais não se deu por acaso. Ao flexibilizar o isolamento social e autorizar o funcionamento do comércio, das academias e das igrejas, a Prefeitura de Blumenau optou por aderir ao plano de retomada das atividades econômicas apresentado pelo governo de Santa Catarina ainda no mês de março, e que só não foi concretizado logo no início de abril devido à repercussão negativa na opinião pública. No começo de abril, o prefeito de Blumenau se reuniu com representantes da Associação Comercial Industrial de Blumenau (ACIB) e Câmara de Dirigentes Lojistas de Blumenau (CDL) para planejar como ocorreria a retomada das atividades econômicas, quando houvesse a autorização por parte do governo do estado. “O objetivo é que agora, cientes de que o problema existe e que temos que vencê-lo com responsabilidade, possamos encontrar uma maneira de tornar segura e viável a retomada dos serviços do comércio e, também, das indústrias de nossa cidade”, afirmou o prefeito Mário Hildebrandt (Podemos).

Os trabalhadores não foram convidados para nenhuma dessas negociações, embora sejam aqueles que ficam mais expostos aos riscos de contaminação, em especial aqueles que atuam nos serviços considerados essenciais. Na reabertura do shopping, vendedores e atendentes foram usados como vitrine, ficando posicionados em frente às lojas, aplaudindo os consumidores que não pareciam preocupados com a saúde e o bem-estar daquelas pessoas que os atendiam, e nem mesmo consigo. A alegoria transmitida nacionalmente parecia querer passar a imagem de que havia pessoas ansiosas para consumir produtos não essenciais em um contexto no qual a sobrevivência é incerta, e estavam os trabalhadores destes estabelecimentos satisfeitos em atendê-los. Contudo, o que as imagens realmente mostram são trabalhadores que, diante dos ataques aos seus direitos, se agarram ao emprego que ainda garante seu sustento. Tudo isso na cidade que teve duas unidades de saúde fechadas pelo fato de funcionários terem apresentado testes positivos para o coronavírus, mostrando que Blumenau não vem sendo capaz de proteger  nem mesmo os profissionais da saúde que deveriam estar prontos e saudáveis para atender aos casos que provavelmente surgirão com as medidas de isolamento flexibilizadas.

Essa flexibilização foi iniciada quando houve um acelerado crescimento dos números de casos confirmados e de mortes em âmbito nacional, sendo importante destacar que alguns lugares já enfrentam um completo colapso do sistema de saúde, como ocorre em Manaus. Nas projeções da prefeitura de Blumenau, aponta-se que, no cenário considerado “pessimista”, se pode chegar a 546 casos até o dia  8 de maio. Este seria o cenário caso todas as medidas de prevenção fossem abandonas. Quando decidiu flexibilizar o isolamento, permitindo a reabertura do comércio e as inevitáveis aglomerações que esta medida provoca, a prefeitura pareceu optar por arriscar no cenário que considera “mediano”, no qual são mantidas algumas medidas de prevenção, e cujas projeções apontam para 303 casos confirmados em maio. Certamente é curioso que a prefeitura assuma a possibilidade de um certo número de pessoas serem contaminadas com a flexibilização, e não faça todo o possível para evitar as suas próprias projeções.

O mesmo estudo, realizado em parceria com Unimed, Furb (Universidade Regional de Blumenau) e SEMUS (Secretaria de Promoção da Saúde), aponta a possibilidade de colapso do sistema de saúde blumenauense, se for considerado o cenário pessimista. Este anúncio poderia ser tranquilizador, afinal o município optou por políticas de flexibilizar e não abandonar, apostando no cenário mediano. Contudo, isso se torna bastante relativo, considerando que o sistema de saúde de Blumenau atende outras cidades da região, o que reduz sua capacidade média de 2,8 leitos por 10 mil habitantes para 1,8 leitos para 10 mil habitantes. Deve-se destacar que a cidade já ultrapassou os números previstos para o cenário otimista, cujas projeções apontavam para 163 casos confirmados até o dia 8 de maio. Segundo o boletim da prefeitura divulgado no dia 28 de abril, 194 pessoas já haviam sido confirmadas como casos positivos de coronavírus.

No mesmo boletim é destacado que o isolamento social ainda é uma medida importante, orientando que as pessoas fiquem em suas casas na medida do possível, e saiam apenas em casos de necessidade, usando máscara e mantendo as recomendações de higiene. Ou seja, aposta-se em ações individuais para que não se alcance o cenário pessimista, e espera-se que, mesmo com shoppings, academias e igrejas em pleno funcionamento, as pessoas fiquem em suas casas. Não há preocupação com os trabalhadores dos estabelecimentos que foram abertos, e que são obrigados a se deslocarem diariamente, colocando em risco suas vidas e as vidas das pessoas com as quais convivem.

Neste momento a política de isolamento social deveria ser mantida, sendo proibidas quaisquer atividades que levassem a formação de aglomerações, como a abertura do shopping que fez Blumenau virar notícia negativa. Esta seria a forma de garantir a vida dos trabalhadores. Os que trabalham nos setores não essenciais, bem como todos aqueles dos grupos de risco, devem receber licença com garantia de emprego e salário integral. Os trabalhadores dos setores essenciais devem ter toda a garantia de cuidados que protejam sua vida e saúde. Além de um programa emergencial, o cenário de lutas precisa colocar a necessidade de derrubada do governo e a organização dos trabalhadores na luta contra o capitalismo.