Os últimos meses têm sido de intensas eclosões políticas por todo o mundo. Desde os países mais ricos e industrializados até os mais fragilizados, vemos como a burguesia utiliza os meios mais bárbaros para se manterem no poder. Na América Latina a máquina imperialista intensifica a sangria de exploração para se salvar da crise que ela mesma causou, sacrificando assim os governos de conciliação de classes.
A classe trabalhadora boliviana tem passado os últimos meses sob intensos ataques desde o golpe em novembro de 2019, arquitetado pela burguesia nacional com respaldo imperialista estadunidense. O golpe em questão é fruto das práticas conciliatórias do governo de Evo Morales (Movimento pelo Socialismo – MAS) com o imperialismo.
Nos anos antecedentes ao golpe, entre as ações do governo de Evo destacam-se várias medidas para empresas estrangeiras atuarem no país e acordos com o agronegócio internacional para exportação para a China, o que deixou as oligarquias pró-Trump extremamente enfurecidas enquanto a classe trabalhadora interpretou corretamente essas medidas como entregas dos recursos naturais do país.
Essas medidas de conciliação com o capital internacional já vinham dando seu recado nas eleições anteriores. Em 2014 o apoio do MAS foi de 63%, nas últimas eleições em 2019 seu apoio foi de 47%.
Outro motivador para o golpe foi o referendo constitucional aberto pelo governo em 2016 para que Evo pudesse se candidatar novamente, o que gerou ainda mais incertezas sobre a validade do pleito. Evo perdeu o plebiscito, porém o Supremo Tribunal da Bolívia aprovou mesmo assim.
O movimento do golpe veio após as eleições de outubro de 2019, quando a burguesia, não aceitando o resultado, investiu suas forças no desânimo popular e lançou uma campanha para que Evo renunciasse. Na tentativa de acalmar a oposição, Evo pede à Organização dos Estados Americanos (OEA) para fazer uma auditoria dos processos eleitorais. Luís Almagro, pró-imperialista da OEA que avaliava o caso, juntou-se à campanha de renúncia.
Todo esse processo político gerou uma divisão na burguesia e nas forças armadas entre as oligarquias nacionais, que buscavam conduzir o processo do novo governo, e a burguesia constitucional, que defendia que Evo deveria conduzir a transição através de novas eleições. Uma guerra civil tomou o país, onde as forças armadas agiram com extrema violência impedindo protestos contra o golpe. Vídeos e relatos mostram como o exército atacou trabalhadores que marchavam para Potosí contra a intervenção imperialista.
A consolidação do golpe veio com a renúncia de Evo. Parte dos dirigentes e parlamentares do MAS também abandonou seus postos, as Forças Armadas junto à burguesia nacional e internacional ficaram com a responsabilidade de organizar as próximas eleições. Como presidente interina ficou Jeanine Áñez, que ocupava o cargo de vice-presidente do Senado. Sua ascensão veio por conta da mediação que organizou com as forças conciliatórias do MAS e das forças armadas.
Todo esse processo político já se estende por meses. Em meio a isso tivemos mais uma exposição do fracasso do sistema capitalista com a pandemia do novo coronavírus. A Bolívia enfrentou a pandemia como muitos outros países, buscando atender superficialmente as demandas de saúde pública com a quarentena, mas cedendo cada vez mais ao capital que insistia pela retomada econômica. A pandemia intensificou a crise aumentando o desemprego em massa. Hoje já passam de 122 mil empregos perdidos, aumentando assim para 70% o índice da população que vive na pobreza. A expectativa é que mais cortes e reduções salariais sejam feitas até o fim do ano.
Os números “oficiais” da pandemia passam de 131.000 infectados e mais de 7.500 mortes. Porém, assim como em grande parte do continente, a falta de testes e meios de prevenção impedem dados exatos.
O governo provisório deveria chamar novas eleições para manter o status democrático, porém as datas desde o golpe vêm sendo alteradas pelo TSE. A primeira data prevista era maio, porém a quarentena adiou as eleições para junho e novamente foram adiadas, desta vez para 6 de setembro. Porém a direita, usando o argumento da pandemia, resolveu novamente alterar a data para outubro.
As forças do MAS e da Central Obrera Boliviana (COB) vêm atuando em denunciar essas alterações, sendo pressionadas pelas próprias bases a organizarem greves e fecharem estradas. As mobilizações, que se fossem canalizadas por um programa revolucionário poderiam tomar proporções revolucionárias, vêm sendo boicotadas pelas direções traidoras que insistem em saídas constitucionais. A força das mobilizações tende a crescer cada vez mais no próximo período. A última greve por tempo indeterminado levou a mais de 70 bloqueios de rodovias em vários locais do país contra o atual sistema, porém a prática de conciliação enfraqueceu o movimento e levou a seu fim.
As forças armadas buscam reprimir violentamente a insatisfação popular nos bloqueios com ataques a dirigentes sindicais e líderes populares. Destaca-se aqui a tentativa de intimidação aos trabalhadores com a explosão da sede da COB em La Paz no dia 13 de agosto. Posterior à explosão, as direções do MAS e da COB recuaram na greve geral usando o argumento de que conquistaram novas datas para a eleição, porém isso foi apenas uma desculpa para acabar com as mobilizações que poderiam fugir do seu controle.
As eleições se aproximam e o candidato do MAS, Luís Arce, ainda se mantém à frente nas pesquisas de votos contra os candidatos Carlos Mesa e Luis Camacho (Jeanine Áñez se lançou candidata e, pressionada pela burguesia, renunciou a tal), ambos de direita. Arce mantém a estrutura conciliatória do governo de Evo Morales, atuando em prol de pacificar os movimentos populares em nome da constituição.
Os camaradas da Lucha de Clases – seção da Corrente Marxista Internacional na Bolívia – vêm trabalhando em ações contra o golpe e intervenção imperialista, levantando a palavra de ordem “Por saúde, trabalho e educação: Fora Áñez!” e buscando dialogar com a classe trabalhadora para superar suas direções e tomar o controle dos meios de produção e o Estado. Somente a classe trabalhadora organizada pode dirigir uma política séria contra a pandemia, para isso é necessário superar as burocracias do MAS e da COB.