Diante de um evento com repercussões e consequências internacionais, como a guerra na Ucrânia, autoridades do governo federal mais uma vez bateram cabeça entre si pateticamente. Semanas antes do início da invasão militar, enquanto Putin posicionava suas tropas nas fronteiras ucranianas e a diplomacia internacional estava em polvorosa, o presidente Bolsonaro manteve seu encontro com o presidente russo, o que, obviamente, foi entendido como um sinal de que o Brasil estava se alinhando com a Rússia. Bolsonaro chegou a dizer: “somos solidários à Rússia. Temos muito a colaborar em várias áreas, como defesa, petróleo e gás e agricultura.” E, em entrevista a jornalistas, chegou a insinuar que sua presença havia ajudado a manter paz em meio às crescentes tensões: “coincidentemente ou não, parte das tropas deixou as fronteiras”. Disse ainda que ele havia sido pressionado a desistir da viagem, mas assegurou que Putin buscava… a paz!
Dias depois, a invasão estourou. E então o vice-presidente, general Hamilton Mourão, correu para se alinhar ao lado dos EUA e OTAN e foi categórico: “O Brasil não está neutro. O Brasil deixou muito claro que ele respeita a soberania da Ucrânia. Então, o Brasil não concorda com uma invasão do território ucraniano. Isso é uma realidade.” E foi além: “Na minha visão, meras sanções econômicas, que é uma forma intermediária de intervenção, não funcionam (…) tem que haver o uso da força, realmente um apoio à Ucrânia, mais do que está sendo colocado.”
Essas falas foram desautorizadas pelo presidente Bolsonaro em uma de suas lives, ao mesmo tempo em que se negou a explicar qual seria sua posição; apenas disse que ia conversar com os ministros da Defesa e das Relações Internacionais. Dias depois, Bolsonaro afirmou que o Brasil deveria se manter “neutro” em relação ao conflito. Porém, mais recentemente, Mourão voltou a falar da guerra, elogiando o presidente ucraniano, o comediante Volodymyr Zelensky, como “extremamente capaz e eficiente” e exaltando a “resistência ucraniana”, ou seja, um discurso totalmente alinhado com a propaganda imperialista ocidental.
Enquanto isso, na Assembleia Geral da ONU, o embaixador brasileiro Ronaldo Costa Filho votou favoravelmente a uma moção apresentada pelos EUA condenando o ataque da Rússia à Ucrânia, mas destacando ser contrário à imposição de sanções econômicas e ao envio de armas para o país invadido.
Temos assim um quadro com três das maiores autoridades políticas brasileiras contradizendo-se publicamente! Isso por si só demonstra o fracasso do governo Bolsonaro, incapaz de chegar a uma posição comum entre os próprios membros de seus gabinetes. Como afirma o editorial do jornal Tempo de Revolução nº 16:
“A visita à Rússia foi uma tentativa de mostrar aos seus seguidores que Bolsonaro não está isolado na arena internacional. No entanto, se isso serve para consolar os seguidores mais fiéis, por outro lado, para as massas em geral, que estão contra a guerra, aparecer como aliado daquele que está realizando a invasão militar, não vai melhorar a acentuada queda de popularidade de Bolsonaro e não vai reverter a derrota eleitoral que se avizinha, ao contrário”.
Fertilizantes russos e preço do petróleo
Com vários países anunciando sanções financeiras e econômicas contra a Rússia e a ameaçando até mesmo com embargos, o agronegócio brasileiro agitou-se com a probabilidade de não conseguir importar os fertilizantes russos utilizados nas plantações tupiniquins. Os próprios produtores russos anunciaram, no começo do mês, uma suspensão nas exportações devido a dificuldades de transporte. O governo da Bielorrússia, aliado de Putin, também anunciou suspensão do envio de fertilizantes ao Brasil, supostamente devido ao bloqueio da rota de escoamento imposto pela vizinha Lituânia, país membro da OTAN.
Como cerca de 40% dos fertilizantes utilizados pelo agronegócio brasileiro provem da Rússia e Bielorrússia, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, veio a público anunciar que iria viajar para o Canadá negociar um aumento no volume de importação desses insumos para o Brasil, para tentar suprir o mercado brasileiro, que tem estoque somente até outubro.
A dependência externa do Brasil em relação aos fertilizantes se acentuou nos últimos anos. Dos 40,6 milhões de toneladas de insumos usados pelo agronegócio em 2020, quase 33 milhões vieram do exterior, o que representa 81% do total. Em relação ao potássio, a dependência é ainda maior, cerca de 90% do produto é adquirido via comércio exterior.
Em 2017, o país produziu apenas 8,2 milhões de toneladas de fertilizantes. Já em 2020, esse volume caiu para 6,5 milhões. A crise econômica combinada com a pandemia explica essa queda, porém o problema é que o país não tem como aumentar a produção nesse momento, já que três fábricas de fertilizantes ligadas à Petrobrás foram fechadas pelos governos Temer e Bolsonaro.
Primeiro foi atingida a fábrica de nitrogenados da Bahia (Fafen-BA), no polo petroquímico de Camaçari. A unidade foi inaugurada em 1971. Em seguida foi fechada a unidade de Sergipe (Fafen-SE), em Laranjeiras, que começou a operar em 1982. Já sob o governo de Jair Bolsonaro, em fevereiro de 2020 foi fechada também a planta de hidrogenados do Paraná (Fafen-PR), em Araucária. Já a planta de Três Lagoas (MS), cujas obras ainda não foram concluídas, foi privatizada recentemente, em fevereiro de 2022, para uma empresa de capital… russo!
Bolsonaro e Maria Tereza falam agora em criar alternativas para enfrentar a dependência externa, como um novo Plano Nacional de Fertilizantes, com o objetivo de tornar o Brasil autossuficiente em 30 anos. O centro da proposta é liberar a exploração de uma fonte de potássio localizada em terras indígenas na floresta amazônica. Uma ideia totalmente descabida de fundamento técnico-científico, absurdamente cara e altamente destrutiva ao meio-ambiente.
Uma coisa é certa: com a guerra na Ucrânia, o preço dos fertilizantes tende a subir e encarecer não só a produção de grãos e comodities agrícolas, mas também dos alimentos que chegam ao varejo.
Outra questão que se conecta ao preço dos alimentos é a do transporte. A guerra e a possiblidade de sanções ao petróleo russo já têm provocado também um aumento no preço do barril e, como a política de preços de combustíveis da Petrobrás segue a cotação do produto em dólar, pode-se esperar um aumento ainda maior nos postos. Isso encarece toda a cadeia de distribuição de alimentos e a conta será atirada para os trabalhadores brasileiros.
Bolsonaro sabe disso, ou melhor, deve ter sido alertado que esse problema poderia afetar ainda mais sua popularidade em ano eleitoral e começou a discutir uma maneira de reduzir o preço dos combustíveis. Através de sua base no Congresso Nacional, está em tramitação um projeto que propõe diminuir ou zerar o ICMS dos combustíveis, imposto que os estados arrecadam. Só que uma proposta dessas não tem como vingar, pois coloca todos os governadores em pé de guerra contra o governo federal e que, por si só, não garante uma redução significativa dos preços.
Bolsonaro chegou a afirmar que vai pedir para a Petrobras usar seu lucro para subsidiar o preço dos combustíveis. Pura demagogia. Primeiro porque, se ele quisesse, não precisaria pedir para a Petrobras, era só determinar, afinal trata-se de uma empresa estatal. Segundo que a proposta já nasce morta, porque desagrada os acionistas da companhia e, como o governo responde aos interesses do capital financeiro, a ideia muito dificilmente irá emplacar. Além disso, a proposta significa que, ao invés dos trabalhadores bancarem diretamente a alta dos combustíveis, esta seria bancada indiretamente pelos trabalhadores através de subsídios públicos para o capital privado nacional e internacional. Aliás, essa foi exatamente a política aplicada pelo governo Lula e Dilma antes da equiparação ao dólar promovida por Temer.
Nós marxistas mantemos a palavras de ordem tradicionais do movimento operário sobre a produção de fertilizantes e de combustíveis: não às privatizações! Petrobras pública e 100% estatal! Reestatização e retomada da produção das fábricas fechadas sob controle operário! Pelo monopólio estatal do petróleo, do poço ao posto! Somente assim poderemos conversar seriamente sobre uma política de preços de combustíveis e sobre um plano nacional de produção de fertilizantes e sair do âmbito das falsas promessas veiculadas pelos representantes diretos da burguesia e seus agentes no movimento de massas.
Aliás, todas essas questões apenas revelam a necessidade de tirar Bolsonaro do poder! É impossível pensar em qualquer avanço na resolução dos sérios problemas que enfrentamos e que tendem a se agravar ainda mais com a continuidade da guerra na Ucrânia com Bolsonaro na presidência.
As condições de vida estão se tornando insuportáveis para os trabalhadores em ritmo acelerado e, dialeticamente, isso pode provocar uma virada abrupta no nível de mobilização e radicalização do movimento de massas. Não é possível prever com precisão quando isso terá lugar na história, mas devemos nos preparar antecipadamente, com um sentido de urgência que a situação nos impõe, construindo uma sólida organização revolucionária.