No começo deste ano, Bolsonaro colocou na presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) um promotor das ideias criacionistas no meio acadêmico. Contudo, a indicação de um inimigo do conhecimento científico para ocupar a presidência de uma das principais agências de fomento à pesquisa do país não foi um caso isolado deste governo. Em meio a defensores da Terra plana, inimigos de vacinas e criadores de bizarras teorias da conspiração, com certeza um criacionista não tem nada de notável.
Na crise provocada pela proliferação da Covid-19, Bolsonaro não decepcionou os mais alucinados de seus seguidores. Entrevista após entrevista buscou minimizar o impacto da pandemia que vem rapidamente se espalhando pelo mundo, comparando-a a uma “gripe qualquer”. Bolsonaro também desrespeitou a orientação de isolamento ao cumprimentar pessoas que participavam de um ato a seu favor, em Brasília.
Contudo, os ataques à racionalidade e à ciência por parte de Bolsonaro não se limitam a isso. Desde o começo de seu governo foi aberta uma guerra declarada contra o conhecimento científico, materializada em ataques contra as universidades públicas, como cortes orçamentários e declarações que desqualificam o trabalho de docentes e técnico-administrativos e os estudantes. Esses ataques, certamente, são mais graves do que os frequentes comportamentos bizarros tanto do atual ocupante da cadeira presidencial, como de seus filhos parlamentares.
Dentre as ações de Bolsonaro nesta sua guerra contra a ciência, pode-se destacar os cortes de orçamento e a política de contingenciamento levada a cabo em 2019. Embora essas ações não sejam novidades, visto que vinham sendo implementadas desde o governo Dilma e aprofundadas com o “teto de gastos” de Temer (por meio da Emenda Constitucional 95), elas foram aprimoradas na gestão de Bolsonaro, sendo mais rapidamente sentidas pelos estudantes da classe trabalhadora, não apenas devido aos cortes de bolsa, mas também pela limitação do atendimento oferecido pelos restaurantes universitários, bem como pelo impacto na assistência estudantil em diversas instituições do país.
Bolsonaro e seus ministros sempre deixaram claro que tais ações não eram motivadas por uma mera decisão técnica. Quando anunciou os cortes, o ministro da educação se referiu às universidades federais como lugares de “balbúrdia”. Os ataques de Bolsonaro e seus seguidores foram insistentes, afirmando que as universidades públicas supostamente gastavam demais e não traziam retorno para a sociedade. Inicialmente, o governo tentou criar um atrito entre a educação básica e o ensino superior, mas os cortes que atingiram a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio foram tão drásticos quanto os cortes nas universidades. Para Bolsonaro, o fato de as universidades brasileiras não apresentarem em rankings internacionais os mesmos resultados de instituições centenárias de países europeus ou dos Estados Unidos, que figuram nas primeiras colocações em razão da tradição de grande financiamento público, seria uma prova do fracasso das instituições brasileiras. Parece que falta a Bolsonaro o conhecimento sobre imperialismo e como isso afeta a organização internacional da produção de conhecimento.
Portanto, a Covid-19 chegou ao Brasil em meio a um processo de destruição do serviço público, que ano após ano vem sofrendo cortes em setores fundamentais para a contenção da pandemia, em especial saúde e educação. Para 2020, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTIC) teve um orçamento 15% menor do que o previsto inicialmente, totalizando R$ 13 bilhões disponíveis para 2020, os quais cerca de R$ 5,1 bilhões (39%) estão alocados como “reserva de contingência”. O MEC teve redução de 16%, se comparado ao ano anterior, totalizando R$ 103 bilhões para 2020. Na Saúde, em 2019, a perda sofrida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) chegou a R$ 13,5 bilhões, totalizando no máximo R$ 10 bilhões em 2020.
O SUS e as instituições públicas de pesquisa tem papel central na superação da pandemia e no combate ao vírus. O sequenciamento do genoma da Covid-19, importante para o entendimento da origem e evolução do vírus, foi feito pelo Instituto Adolfo Lutz em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e com a Universidade de Oxford. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por meio do projeto Rede Vírus, promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), está desenvolvendo um novo teste de diagnóstico para a doença causa pelo vírus. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) está em desenvolvimento uma inteligência artificial capaz de monitorar. Essas ações vêm sendo desenvolvidas por pesquisadores e bolsistas mesmo diante dos cortes de orçamento, da falta de estrutura e da desqualificação dessas instituições nos discursos de Bolsonaro e de seus seguidores.
Neste momento, é fundamental um programa de emergência que coloque saúde, trabalho, educação e pesquisa como prioridades, tendo como primeira ação a imediata revogação do “teto de gastos” imposto pela EC 95. O orçamento das universidades e institutos federais precisam de urgente recomposição, tendo como referência emergencial o período anterior à vigência do “teto de gastos”. Os laboratórios das instituições públicas que podem desenvolver pesquisas que atuem diretamente na superação da pandemia devem receber todo o apoio necessário, de pessoal e de equipamentos, bem como a garantia de segurança e saúde de seus pesquisadores.
Os capitalistas serão incapazes de pôr fim à pandemia provocada pela Covid-19. Como em outros momentos da história, apenas os trabalhadores poderão evitar a barbárie, neste momento, e construir o socialismo.