Bolsonaro e o Marxismo

A mídia burguesa critica Bolsonaro por ele declarar o que realmente pensa: que é necessário acabar com o socialismo no país, que é necessário combater o marxismo em todos os locais, principalmente no plano ideológico. Bolsonaro disse em sua posse que aquele era “o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo”, já durante a campanha fez uso de discursos antissocialistas e em outubro passado, em seu Twitter, deixou claro o seu posicionamento: “A questão ideológica é tão, ou mais grave, que a corrupção no Brasil” (02/10/18).

Nós, marxistas, não temos medo do debate ideológico, inclusive quando feito sobre o lema de “sem viés ideológico”. Marx, há mais de 170 anos, escreveu no Manifesto do Partido Comunista: “é tempo de os comunistas exporem abertamente perante o mundo inteiro o seu modo de ver, os seus objetivos, as suas tendências, e de contraporem à lenda do espectro do comunismo um Manifesto do próprio partido”. Neste texto, expomos de forma breve nossas próprias ideias, em contraponto à ideologia do livre mercado representada por Bolsonaro. Ao mesmo tempo, procuramos, de forma breve, mostrar porque a burguesia teme tanto a exposição clara e direta que Bolsonaro faz dos propósitos da própria burguesia.[i]

Bolsonaro e os reformistas

A fusão de ministérios proposta por Bolsonaro já havia sido feita antes, durante o governo Collor (março/90 a dezembro/92). Aliás, a modificação de antigas secretarias e departamentos (como o DASP, Departamento Administrativo do Serviço Público) em ministérios atendeu à formação e estruturação do regime que surgiu após o fim da ditadura militar – a “Nova República”. A tentativa de Collor de formar um governo forte, na ocasião com a adesão de toda a imprensa burguesa, fracassou. A luta dos trabalhadores contra a retirada dos direitos duramente conquistados na derrubada da ditadura, apoiados naquele momento na CUT e no PT, e empurrando suas direções, levou à queda de Collor. A burguesia, quando viu o perigo da revolução nas ruas, virou a casaca e todos os jornais burgueses passaram a defender o impedimento do presidente como forma jurídica de preservar o Estado burguês. Isso levava, naturalmente, à posse do vice (Itamar Franco). Foi a traição da direção do PT, liderada por Lula, que permitiu que Itamar tomasse posse e parou a revolução em curso. Mas isso teve um preço: o PT dava um salto de qualidade na sua virada à direita que determinou o seu fim como partido operário independente e levou a duas derrotas sucessivas para o PSDB e, depois, com o governo Lula, a um governo de coalizão com a burguesia que deu no impedimento de Dilma, 14 anos depois da posse de Lula.

As traições dos partidos socialistas (PSs), dos partidos comunistas (PCs), dos partidos operários de massa ao redor do mundo, incluindo o PT no Brasil, a permanente busca pela conciliação com a burguesia, fizeram com que esses partidos fossem varridos da cena política em diferentes países, gerando uma ausência de representação teórica e prática na sua luta por sobrevivência. A traição das direções, o papel do stalinismo, também está na raiz da regressão teórica que se expressa na profusão de ideologias pequeno-burguesas ou burguesas entre a esquerda, como os racialistas (a história do mundo é a história da luta entre as raças) ou feministas (a história do mundo é a história da luta entre os dois sexos) que relegam para o segundo plano, através de explicações “teóricas” complexas, a luta do proletariado contra a burguesia.

Tal situação se evidencia no início do governo Bolsonaro. Enquanto as redes sociais dos pequeno-burgueses preocupam-se em publicar “memes” sobre ao azul e rosa da Ministra Damares, Bolsonaro vai à TV defender a Reforma da Previdência. Se ele acena com uma reforma mais leve, que não atinja o povo, o que ele esconde é a escadinha que se tornará necessária para atingir esses valores. Enquanto isso, o PT simplesmente se “diverte” ao fazer uma “oposição de fachada” ao criticar o novo valor do salário mínimo (R$ 998) e defende uma posição no Congresso Nacional que aumente esse salário para R$ 1.006. Nós da Esquerda Marxista sabemos que R$ 8 podem contar muito para quem ganha só o salário mínimo. Mas é parte da falência ideológica do PT e de sua submissão à burguesia que tenha “esquecido” durante os seus anos de governo de propor a meta de atingir o salário assinalado pelo DIEESE (salário capaz de sustentar uma família de quatro pessoas, para alimentação, moradia, educação, saúde, transporte e diversão), que hoje valeria R$ 3.959, aproximadamente quatro vezes mais que os valores em discussão! Atente-se que Bolsonaro, ao assinar o decreto, simplesmente cumpriu a lei que foi proposta por Dilma Rousseff (PT) e aprovada pelo atual Congresso Nacional.

O resultado dessa política é simples: a oposição a Bolsonaro contenta-se em apontar os “erros” e “ineficiências” do governo, quando o central seria discutir a sua política. Porém, para isto é necessário defender o socialismo e o comunismo e disso eles fogem muito mais que o diabo foge da cruz.

Moral Proletária (marxista) e moral burguesa

Durante os governos do PT, qualquer desvio da “moral vigente” era atacado pela imprensa e também pelo aparelho de Estado da burguesia. No momento, está viralizando um vídeo de uma pessoa em um supermercado que confronta o Ministro Moro porque nada faz sobre o “Queiroz”, ex-PM e ex-motorista do hoje senador Bolsonaro (filho do Presidente) que foi pego no contrapé por fazer movimentações atípicas em sua conta corrente.

Entretanto, o interessante da situação é que, além dessas movimentações, por conta de um câncer, ele foi tratado no hospital Albert Einstein em São Paulo, o mesmo que tratou de Bolsonaro quando levou a facada. Até o momento, ninguém explicou quem pagou a conta de Queiroz no hospital. A esse mistério junta-se outro: quem pagou a conta de um ex-PM que agora está sem trabalho (ao que parece, segundo valores que correm na internet, se não forem fake news, a conta de uma semana de internação no hospital beira os R$ 100 mil reais)?

A esses exemplos simples outros se juntam: o filho do vice que é nomeado assessor do presidente do Banco do Brasil, um amigo de Bolsonaro é nomeado para um alto cargo na Petrobras, etc. O Ministro Onix declarou ter recebido R$ 100 mil da JBS em financiamento ilegal de campanha, o mesmo ministro que também apresentou contas para serem ressarcido pela Câmara dos Deputados de uma empresa que, ao que parece, só prestava serviços a ele próprio.

Agora, junta-se o fato de o Ibama ter anulado uma multa aplicada ao presidente antes do seu mandato começar. Os fatos se acumulam, mas nada que seja tratado e repisado jornal após jornal, noticiário de TV após noticiário. Afinal, ele é o “nosso homem”, ele foi eleito e ele vai fazer a Reforma da Previdência.

O calcanhar de Aquiles, ou melhor, de Bolsonaro: A Previdência Social

Como explicamos no livro “Devolvam nossa previdência”[ii], a Previdência Social foi uma conquista histórica do proletariado e está na origem de praticamente todos os sindicatos atuais. Destruir a Previdência é destruir uma conquista dos proletários, mas também é destruir a ideologia de solidariedade, de pacto entre gerações e alçar em seu lugar a ideologia do “self made man”, do homem que se faz por si próprio, sem ajuda ou confiança de ninguém, encarando a todos como inimigos. Em outras palavras, trata-se de destruir a solidariedade operária e fazer ressurgir os piores instintos que cresceram e vegetaram nesta sociedade por conta do capitalismo e dos sistemas opressores que o antecederam. Essa é a ideologia de Bolsonaro. Por isso seu apelo “às armas”, seu apelo de autodefesa ao invés de defesa social contra o crime, seu apelo à destruição da escola pública e sua substituição pela escola privada, pela escola online e pela educação em casa.

Hoje a bolsa de valores do Brasil encontra-se num ritmo frenético de especulação financeira, enquanto do gabinete do Presidente e de seus assessores jorram propostas e balões de ensaio sem que se tenha uma ideia concreta do que será finalmente apresentado. Os ministros militares, prevenidos, já avisaram que estão fora da reforma e, além disso, que precisam de um aumento ou de um “auxílio-moradia” igual ao que ganhava o Judiciário. Os demais mortais aguardam.

Os balões de ensaio não prenunciam nada de bom. Se Bolsonaro falou inicialmente que a “idade mínima” seria de 62 anos para homens e 57 para mulheres, os valores hoje apresentados são muito maiores. Além disso, com a virada do ano, passou a valer a subida da fórmula “tempo de trabalho+idade”, que antes era de 90 anos para homens/85 anos para mulheres, para 92 anos/87 anos, praticamente o valor anunciado por Bolsonaro na TV sem reforma alguma (foi a lei aprovada no tempo de Dilma). No entanto, os jornais ignoram o “detalhe” de que foi uma derrota sem luta contra o capital, impulsionada pela direção do PT e da CUT como o “possível” e passam para o prato central: como transformar a aposentadoria solidária em aposentadoria por capitalização. Enchem-se páginas e páginas de explicações e cálculos, da “economia do governo” à “queda do déficit”. Ora, qualquer um que saiba somar dois mais dois chega à mesma conclusão que até os economistas um pouco mais sérios da burguesia chegam: a conta vai ser muito alta e o déficit vai aumentar. Por quê? Porque, se não teremos mais contribuintes, quem pagará conta das aposentadorias dos que hoje trabalham? Lembremos, os novos estarão contribuindo para outro sistema.

Essa experiência já foi feita com os servidores e o déficit, que seria “zerado” em 10 anos, foi criado e aumentado com a nova sistemática – os servidores que ganham mais contribuem apenas até o limite e o déficit é criado artificialmente, enquanto os especuladores ganham com o dinheiro dos que aderiram ao fundo “público” da previdência dos servidores, cujo dinheiro é aplicado por banco bem privados, a começar pelo Santander.

O medo da burguesia

A burguesia tem medo. Tem medo que a podridão dos governantes exploda na cara de todos, principalmente quando as promessas de novos paraísos não conseguirem se apresentar. O porte de armas vai ser liberado para quem tem dinheiro, não para o trabalhador que mora em bairro operário e que pensa em uma arma para se defender do traficante e da polícia. A revogação de reservas indígenas e de assentamentos da reforma agrária podem elevar a temperatura já quente nos campos. A caça aos marxistas em universidades e escolas pode levar a absurdos como livros sem nenhuma referência científica, que um decreto do MEC previa e que é revogado após denuncia na imprensa. A burguesia teme a política de confronto aberto preparada por Bolsonaro. Ela sabe que a direção do proletariado esta disposta a entregar os dedos, as mãos e os pés de todos os trabalhadores para serem acorrentados. Mas isso tem que ser feito devagar e a pressa pode entornar o caldo.

Isso aconteceu na Argentina e a reforma da previdência de lá não conseguiu ser aprovada. Da mesma forma, o caldo está entornando na França. O medo é grande e por isso a imprensa tenta dar um pouco de “civilidade” a um governo “bárbaro”. Mas Bolsonaro foi eleito para isso, para levar tudo de roldão. Conseguirá? A luta de classes vai determinar.

De volta ao Marxismo

Bolsonaro coloca o marxismo, o socialismo e o comunismo como seus inimigos. Os partidos reformistas tentam explicar que não são socialistas, muito menos comunistas e, pior ainda, não são de jeito nenhum marxistas. Nós, pelo contrário, dizemos claro: somos comunistas, somos marxistas, somos socialistas.

Queremos expropriar a propriedade privada dos meios de produção como único meio de dar uma ordem ao caos capitalistas e abrir caminho para um novo desenvolvimento. Aos que dizem que o comunismo não é possível, lembramos: com tudo o que foi feito de errado, com a contrarrevolução stalinista e a destruição da democracia operária, com a rendição da vanguarda à ideologia capitalista e o abandono do internacionalismo, o progresso se fez na Rússia de 1917 a 1960. Isso mostra o que é possível fazer uma economia planejada, a partir da expropriação dos capitalistas. Esse é caminho a seguir e nós estamos contribuindo para explicar isso: contra a barbárie capitalista, tão bem representada por Bolsonaro, a classe operária tem a apresentar seu próprio programa, um programa marxista e comunista.

[i] Para saber mais, procure:

Manifesto do partido Comunista – Marx & Engels, https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/index.htm

Quem somos (explicação rápida de nosso programa, da Esquerda Marxista) – https://www.marxismo.org.br/quem-somos/

[ii] http://www.livrariamarxista.com.br/livros/estado_e_governos/devolvam-nossa-previdencia

Luiz Bicalho

Auditor fiscal aposentado e editor do Jornal Foice&Martelo