Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Bolsonaro manda e Congresso aprova privatização de água e esgoto

Em meio à pandemia e crise econômica, o Senado aprovou, em 24 de junho, o Projeto de Lei 4.162/2019, por 65 votos a 13, que institui o novo marco regulatório do saneamento. O relator do projeto foi o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que trabalhou de maneira intensa pela aprovação.

Jereissati é, direta e financeiramente, interessado na privatização dos serviços de água e saneamento no Brasil. Seu patrimônio é estimado em R$ 400 milhões (informações de 2014). É um dos sócios do Grupo Jereissati, que comanda a Calila Participações, única acionista brasileira da Solar. Esta última empresa é uma das 20 maiores fabricantes de Coca-Cola do mundo e emprega 12 mil trabalhadores, em 13 fábricas e 36 centros de distribuição, segundo matéria publicada no portal DCM. Agora o projeto de lei vai à sanção do presidente Bolsonaro.

De acordo com a edição de 2018 do Diagnóstico de Serviços de Água e Esgoto do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 83,6% da população brasileira é abastecida com água, 53,2% tem seu esgoto coletado e apenas 46,3% tem seu esgoto tratado.

Isso mostra que cerca de 33 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e mais de 95 milhões não são contemplados com rede de coleta de esgoto. A região Sudeste é a que apresenta o melhor índice de coleta de esgoto no país, onde 78,6% da população é atendida. Por outro lado, o Norte é a região em que se apresenta o maior déficit, onde apenas 17,4% dos esgotos são tratados e 10,2% dos habitantes possuem coleta de esgoto.

Saneamento e a ocupação espacial das cidades

Atualmente, a grande maioria da população do mundo vive em cidades, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, esse número é ainda maior. Segundo dados do Censo 2010, organizado pelo IBGE, quase 85% da população brasileira vive em cidades. 

O crescimento desordenado das cidades organizou a separação sócio espacial e racial das cidades brasileiras da população urbana. Os grupos sociais que podemos classificar como os de maior poder aquisitivo passaram a viver em locais muito bem organizados com uma infraestrutura de serviços muito bem organizadas, tais como vias urbanas ruas bem conservadas, saneamento básico, iluminação pública, e com facilidade para acessar uma rede se serviços como bancos, educação, saúde.

A classe trabalhadora, que compõe maioria da população, e a que recebe salários muito baixos ou vive de renda obtida via trabalho informal, habita nas cidades médias e grandes cidades os locais com dificuldade a acesso ao saneamento básico, serviços de saúde, educação e lazer. Também é negado aos trabalhadores o acesso ao transporte que deveria ser público, mas que é privatizado em mais de 99% dos municípios. O transporte urbano é utilizado para a movimentação de força de trabalho, além de ser caro e de péssima qualidade.

A separação sócio espacial e racial se intensificou no Brasil no período entre as décadas de 1900 e 1980, onde se inicia o processo de rentismo das terras urbanas, a concentração da posse em cartéis e de latifundiários. O que levou a um crescimento exponencial da especulação imobiliária, fator determinante para que grande segmentos da classe trabalhadora fossem expulsos das regiões mais centrais das cidades, sendo empurrados para as periferias, e destas para as periferias das periferias, onde o acesso a serviços como saneamento e outros são inexistentes ou precários. 

A partir da década de 1990, ocorre uma mudança substancial não ocupação urbana. Ocorre um deslocamento da classe média alta e da burguesia para os condomínios fechados, o que implica no aumento do perímetro urbano das cidades, ocorrendo o abandono das “zonas centrais de moradia”. Este deslocamento resulta no abandono de imóveis residenciais e comercias nas áreas centrais das grandes cidades, provocando a degradação destes espaços. Há também, uma modificação nas redes de prestação de serviço e comércio, como por exemplo, os shopping centers, que passaram a ser os principais centros comerciais. 

Em detrimento da impossibilidade de pagar aluguéis altos e impostos, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), uma parte significativa de setores de classe média proletarizada, junto com uma grande parcela empobrecida da população, migra para os bairros operários mais antigos e consolidados. Este movimento muda a configuração destes bairros que passam a contar com uma redes de serviços mais organizada, deixando de serem locais meramente de moradia.

Como este processo de movimentação dentro do solo urbano das cidades não se dá em um grupo social segmentado, e sim movimentando todos os grupos, surgem e crescem rapidamente as periferias das periferias, as ocupações e favelas, que passam a receber também a mão de obra expulsa do campo. Nestes locais, praticamente não existe nenhuma rede de serviços públicos organizados, o que se traduz nos números citados no início deste artigo mostrando que 33 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e mais de 95 milhões não são contemplados com rede de coleta de esgoto.

A cruel realidade do Brasil

Os números da área de saneamento mostram uma realidade cruel: a incapacidade do Estado brasileiro em universalizar o saneamento básico para atender toda população. Esta situação é resultado da construção de um país extremamente desigual, cujos governos aceitaram ser garroteados pelo imperialismo internacional, e gentilmente destinam 49% do orçamento da união para amortizar os juros e serviços da dívida pública que esta em 1 trilhão, 37 bilhões, 563 milhões, 709 mil, 336 reais, isto é, 38,27% dos gastos em 2020, até 11/5 (Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida).

Os capitalistas e os privatistas espertamente se utilizam da situação caótica e excludente na área de saneamento para vender a ideia de que somente a iniciativa privada teria competências e recursos financeiros para fazer os investimentos necessários, o que não passa de uma bela mentira, utilizada pelos encantadores de serpentes. Entretanto, atualmente a população tem condições de fazer “um balanço” do que significaram as privatizações no Brasil.  Por exemplo, a saúde pública foi passada ao longo dos anos para as organizações sociais (OSs), isto é, para a iniciativa privada, e hoje é incapaz de garantir atendimento à população durante a pandemia de Covid-19.

No modelo aprovado pelo no marco, as empresas privadas atuarão nos municípios, em substituição as empresas estatuais de saneamento, através da celebração de contratos diretos, depois de realizados processos licitatórios.

Para atrair o capital privado, o modelo de concessão deverá estruturar a política tarifária a ser adotada e do marco regulatório a ser aplicado. Deverá, em primeiro lugar, ter como pressupostos a remuneração dos custos das empresas, além de uma taxa de retorno preestabelecida para garantir a remuneração e a taxa de lucro das empresas.

Para os capitalistas e as grandes corporações, o lucro deve ser o objetivo central de uma empresa de saneamento. Logo, os serviços ofertados por elas deixam de ser direitos humanos fundamentais e passam a ser uma mercadoria que seguirá a lógica do mercado capitalista com tarifas cada vez mais altas. 

Não precisa ser nenhuma Cassandra para prever o que irá ocorrer. Não haverá a universalização do acesso à água, redes de esgoto e ao tratamento, inclusive podendo ocorrer o aumento de excluídos destes benefícios, pois as empresas não terão interesse em realizar investimentos em locais onde não haverá expectativa de retorno. 

A crise na política de saneamento básico intensificou-se no inicio da década de 1990 com as políticas de austeridade implantadas em todo o mundo para manter a taxa de lucro dos capital, o que implicou no desenvolvimento das políticas de privatizações de empresas e serviços públicos, e a entrada do capital privado financiado pelo Estado. 

O debate necessário e que sempre foi recusado pelos governos desde 1989, seria o de como tornar as empresas de saneamento públicas mais eficientes, prestando um serviço de qualidade para a população, com gestões que tivessem sob o controle dos trabalhadores destas empresas. Mas foi feito exatamente o contrário: as empresas públicas foram sufocadas por governos liberais, deixaram de receber investimentos, a gestão das mesmas passou a ser temerária em razão da corrupção instalada em seu órgãos de direção que não tinham nenhum controle.

Com o aprofundamento das crises econômicas do sistema capitalista, e a subordinação dos governos brasileiros aos interesses do capital nacional e internacional, foram estabelecidas políticas de ajuste fiscal cujo eixo central é o pagamento da dívida pública, interna e externa, o que impossibilita dentro desta ordem qualquer debate para recuperação das empresas públicas de saneamento, em razão da falta de financiamento público para o setor.

Derrotar o governo Bolsonaro é uma tarefa prioritária

O governo Bolsonaro é um fantoche a serviço dos donos do capital. É necessário interromper estes ataques com a ação direta das massas. É certo que a pandemia da Covid-19 limita as ações de ruas, porém nada impede que as direções dos sindicatos saiam da paralisia e ajudem a classe trabalhadora a se organizar e a defender seus direitos e conquistas.

Foto: @offduds

Se não o fazem, é porque atuam da mesma maneira que as direções políticas que se reivindicam de esquerda, como o PT e PSOL, mas que se engajam na defesa da democracia burguesa com aqueles que têm sido os algozes da classe trabalhadora, que se utilizam do Estado Burguês e todas suas instituições para isso. Este sistema, seus governos, seu Estado e suas instituições estão apodrecidas, e a classe trabalhadora não pode esperar nada, absolutamente nada destas frentes amplas e de um processo eleitoral totalmente deformado, onde a população comparece para ratificar aqueles que irão lhe explorar.

Em junho várias manifestações ocorreram em várias cidades do país que tiveram um caráter antirracista e que mostraram a disposição de luta da classe trabalhadora e da juventude por melhores condições de vida em todos os sentidos.

O assassinato Gerge Floyd nos EUA liberou uma onde de revolta nos EUA e no mundo, que teve a violência policial como um detonador que fez explodir as comportas de uma represa onde estava contido o ódio, a raiva e a vontade de colocar o sistema no chão e acabar com todas as desigualdades imposta pelo capitalismo, como por exemplo, o racismo estrutural.

Neste momento o “Fora Bolsonaro” deve estar no centro das mobilizações na luta que estamos chamados a travar em defesa de nossos direitos enquanto classe. Esta é a posição política que pode unir todos que não aceitam mais serem explorados e mortos por este sistema, independente da burguesia de suas frentes democráticas que cooptaram as direções da esquerda reformista para defende o “sistema democrático burguês” que nos oprime. 

A Esquerda Marxista vem impulsionando por todo os país os Comitês de Ação pelo Fora Bolsonaro, que ajudam a classe trabalhadora, a juventude a organizarem suas lutas concretas por direitos que estão sendo destruídos por Bolsonaro e seus aliados. Desta forma, nas ruas e nas lutas vamos preparando o caminho para que a queda de Bolsonaro seja a ante-sala da constituição de um verdadeiro governo dos trabalhadores sem patrões nem generais. O resto são armadilhas, a velha tática da classe dominante de mudar tudo para tudo ficar como está.

Venha participar desta luta se integrando a um dos Comitês Fora Bolsonaro. Se em sua cidade ainda não existir, entre em contato que contribuiremos para a organização.