A partir de um ponto de vista marxista, uma rápida análise de alguns dos pontos propostos para a Reforma Política revela que a proposta em discussão tem mais pontos negativos que positivos.
Está em discussão no Congresso Nacional, no Partido dos Trabalhadores e em outros setores da sociedade, propostas para uma Reforma Política que pretende realizar, fundamentalmente, mudanças no sistema eleitoral vigente.
O PT, em seu 3º Congresso (2007), aprovou algumas diretrizes para definir sua posição em relação à Reforma Política, em especial: financiamento público e exclusivo de campanha; o voto em lista partidária pré-ordenada com representação de gênero, raça e etnia para as eleições proporcionais; a fidelidade partidária; modificações no método de participação popular (referendos, plebiscitos, conferências, orçamento participativo, conselhos). Na última reunião do Diretório Nacional, nos dia 29 e 30 de abril de 2011, o partido reafirmou posição favorável a esses pontos.
Uma reforma política que se preze deveria começar corrigindo uma distorção presente no sistema atual em que não é respeitado o princípio de “uma pessoa, um voto”. Para o Senado Federal, por exemplo, o Estado do Acre tem direito a 3 senadores e o Estado de São Paulo também a 3 senadores. A diferença é que no Acre existem 473.041 eleitores e em São Paulo 30.377.955 eleitores (dados do TSE). Ou seja, no caso das eleições para o Senado, o voto de 1 eleitor do Acre é equivalente ao voto de 64 eleitores de São Paulo! Essa distorção deveria acabar em uma Reforma Política, extinguindo o Senado e instituindo o sistema unicameral, em que os votos, independente do seu Estado de origem, tenham o mesmo peso – ou seja, quanto maior o número de eleitores do Estado, maior o número de parlamentares eleitos.
Entendemos que a proposta do voto em lista significa um passo positivo, pois em tal modelo o voto não seria mais em candidatos, mas sim no partido, que apresentaria aos eleitores uma lista pré-ordenada com os candidatos que pretendem assumir os cargos de vereador, deputado estadual e federal. Esse método ajuda a centrar a eleição no partido e não nas personalidades. O partido, seu programa, sua história e suas propostas devem se sobrepor ao estrelismo individual. No PT, isso abriria a oportunidade para que houvesse maior ênfase na discussão coletiva das propostas a serem defendidas nas eleições proporcionais.
Um complemento à lista fechada, aprovado pela comissão do Senado que discute a Reforma e apoiado pelo PT, pretende instituir que, obrigatoriamente, 50% da lista deva ser composta por mulheres e que a ordem da lista deva intercalar um homem e uma mulher. Essa proposta tem uma falsa aparência democrática. Se de fato vivemos em uma sociedade que coíbe a atuação política da mulher, a solução disso está em dar passos reais para mudar a estrutura dessa sociedade. Medidas como a legalização do aborto (que evitaria a morte de milhares de mulheres em clínicas clandestinas e traria a questão para o âmbito da saúde pública), salário igual entre homens e mulheres para trabalho igual, mais creches públicas e de melhor qualidade, além do atendimento das reivindicações gerais da classe trabalhadora, como a redução da jornada de trabalho para 40h semanais, seriam medidas muito mais efetivas para a libertação da mulher do machismo presente ainda na sociedade e do trabalho doméstico que a escraviza. Substituir a luta de classes pela luta entre gêneros é uma armadilha perigosa para aqueles que sinceramente batalham por um mundo mais justo. Em um partido com um funcionamento democrático a escolha da ordem dos candidatos na lista deveria seguir a relação entre o conjunto das ideias que certo candidato ou candidata defende e o peso que essas posições têm no partido, não interferindo nesse processo questões como gênero ou cor de pele (para os que propõem uma cota racial na lista).
Um outro ponto polêmico que está em discussão é o financiamento público das campanhas. Em primeiro lugar, consideramos que dinheiro público deve ser investido em saúde e educação pública, em cultura, moradia, transporte e infra-estrutura para o povo, e não para financiar campanhas e partidos políticos. Por isso, somos contra inclusive o fundo partidário. Os partidos representam setores da sociedade que têm ideias e interesses comuns (mesmo que esses interesses comuns sejam, na maioria das vezes, apenas “mais poder” na estrutura estabelecida). Esse agrupamento constituído em partido deveria ser financiado por aqueles que apóiam essas ideias e interesses e não por toda a sociedade que paga impostos esperando que esse dinheiro retorne em benefícios sociais.
Hoje, enquanto sindicatos são impedidos de contribuir com as campanhas que defendem os interesses dos trabalhadores, do outro lado, empresas, bancos, construtoras podem comprar e financiar os seus candidatos. Seria ingenuidade pensar que essa farra que beneficia os capitalistas seria eliminada com a implantação do financiamento público. O caixa-dois, que já é prática irregular, mas que existe vastamente, seguiria existindo e se ampliaria. O capitalismo é um sistema que busca o lucro e a preservação dos interesses da classe dominante a qualquer custo. A sujeira e a corrupção vêm de brinde com o pacote.
O PT, por sua vez, partido nascido da luta da classe trabalhadora e para defender os interesses de nossa classe, deveria recusar o dinheiro de empresas e retornar aos métodos dos primeiros anos, em que a arrecadação para as campanhas e para a construção do partido era realizada indo pedir dinheiro diretamente aos trabalhadores, passando uma sacolinha, realizando festas, bingos, etc. Essa é a independência financeira necessária para garantir a independência política frente à burguesia e seu Estado.
Apesar de não estar entre os pontos discutidos pela comissão do Senado designada a esse fim, o PT e movimentos sociais buscam colocar na Reforma Política pontos que modificam ou ampliam a participação popular no processo de decisões políticas. Medidas que facilitam projetos de lei de iniciativa popular e colocam a obrigatoriedade de referendos ou plebiscitos sobre questões de interesse nacional (como as privatizações) são positivos, mas ao mesmo tempo, aparecem algumas propostas que não significam maior participação popular, mas sim, cooptação do movimento popular pelo aparelho de Estado. O Orçamento Participativo, por exemplo, política apoiada pela ONU e pelo Banco Mundial (instituições cujo maior interesse não é exatamente o bem-estar do povo), apresenta-se como um método que não resolve a questão fundamental do orçamento… abre-se um espaço em que, por exemplo, os moradores de um determinado bairro podem defender que o posto de saúde no seu bairro seja uma prioridade em detrimento do bairro vizinho; ou quando se coloca para os cidadãos escolherem se é mais essencial uma escola, um posto de saúde ou um espaço cultural. É dado ao povo o “grande privilégio” de participar da divisão de um orçamento insuficiente para suprir a demanda, desviando as lutas reivindicativas nas ruas para um espaço institucional, que mascara o fato do orçamento ser reduzido basicamente por interesses de classe; em que benefícios, como isenções de impostos, são dados a grandes empresas e através da garantia do pagamento da dívida pública pela Lei de Responsabilidade Fiscal que só beneficia os investidores nacionais e internacionais, enquanto para o povo sobram as migalhas.
Um passo significativo para uma verdadeira influência das massas nos rumos políticos do país seria a convocação de uma Assembleia Constituinte Soberana, com delegados eleitos pelo povo, para fazer e modificar as leis de acordo com os interesses do povo. É inaceitável que o povo trabalhador eleja um governo do PT com 56% dos votos válidos para realizar mudanças em favor dos trabalhadores e que esse governo se diga impedido de realizar melhorias devido a alianças com partidos burgueses para garantir a governabilidade. Um governo do PT deveria se apoiar na CUT, no MST, nos movimentos sociais, governar com a classe trabalhadora, convocar a Assembléia Constituinte para que o povo faça as leis de seu interesse e não os representantes da burguesia que infestam o parlamento.
Sem dúvida, devemos aprofundar a discussão sobre os pontos dessa Reforma Política e acompanhar atentamente os passos que são dados sobre esse tema no Congresso Nacional, levando sempre em consideração os interesses da classe trabalhadora nas nossas análises. Ao mesmo tempo, compreender que a única forma de conquistarmos um Estado verdadeiramente democrático passa necessariamente pela construção de um Estado Operário sob o controle democrático dos trabalhadores. Um Estado que os representantes eleitos por sufrágio universal tenham mandatos revogáveis a qualquer momento por aqueles que o elegeram; que o salário dos que participam da administração do Estado não seja superior a de um operário especializado; que coloque fim à divisão artificial entre o poder legislativo e executivo; que traga o poder verdadeiramente para as mãos da maioria e não apenas o “direito” dessa maioria escolher a cada 4 anos quais os representantes da classe dominante que irão oprimi-la. Enfim, só com o Socialismo será possível varrer para a lata do lixo toda a podridão, corrupção, injustiça e exploração intrínsecas ao capitalismo.