Canadá: socialismo ou renda básica universal?

Uma renda básica universal (UBI, em suas siglas inglesas) está sendo seriamente discutida em todo o Canadá, especialmente à luz da pandemia e dos vários programas federais de benefícios. A UBI é um pagamento incondicional feito a todos os cidadãos e geralmente é um pagamento garantido em dinheiro que todos os cidadãos recebem, independentemente da renda ou da faixa incidente de impostos. Existem propostas para UBI vindas tanto da esquerda quanto da direita. Pelo menos superficialmente, as propostas da UBI podem parecer bastante atraentes para a esquerda, mas que posição os socialistas deveriam adotar?

Os Liberais e a UBI

Houve um barulho considerável sobre uma possível reforma UBI vinda do governo Trudeau no final do verão. O governo liberal parecia estar sugerindo a inclusão de uma proposta para a UBI, algum tipo de New Deal Verde, ou ambos, no Discurso do Trono no final de setembro.

Chrystia Freeland disse em certo momento que a “Covid-19 oferece uma oportunidade fabulosa para [o Canadá] ter uma recuperação ‘justa’ e ‘verde’”. Bloomberg relatou que Trudeau estava planejando “a virada mais acentuada à esquerda do Canadá em política econômica em décadas” e que Chrystia Freeland tinha sido “encarregada a nada mais nada menos do que refazer a arquitetura socioeconômica do país.

A direita perdeu a cabeça com essa especulação. No entanto, enquanto a direita espuma pela boca com a perspectiva da UBI e de um aumento da já enorme dívida, não há nada inerentemente de esquerda ou socialista sobre a UBI ou sobre o New Deal Verde. A implementação de algum tipo de política UBI não significa uma mudança fundamental no capitalismo, não representa uma mudança nas relações de propriedade e não significa socialismo de forma alguma.

A possível reforma UBI vinda do governo Trudeau casou grande repercussão no último período Foto: Justin Trudeau
Em vez de uma política socialista, a UBI é quase sempre proposta como uma forma de salvar o capitalismo, ou como um meio de esconder as contradições do capitalismo a fim de fazer o sistema funcionar mais brandamente. Com a UBI, não se trata de mudar ou derrubar o capitalismo, mas de torná-lo melhor a partir da perspectiva de seus proponentes, sejam eles de direita ou de esquerda.

A razão pela qual a direita perde a cabeça não é porque a UBI significa revolução socialista, mas porque é uma questão de quem vai pagar por ela – e a classe dominante não quer pagar. É por isso que a direita se irrita e grita sobre socialismo.

Com a oposição ao plano em Bay Street (em Toronto, considerado o coração financeiro do país – NDT), Trudeau e Freeland estão agora claramente voltando atrás de sua conversa de “refazer” o país. No final de outubro, Trudeau começou a dizer que os benefícios da recuperação durante a pandemia não deveriam ser vistos como mudanças permanentes na rede de segurança social. Ele disse que “só porque os programas de ajuda estão ajudando durante a pandemia não significa que eles serão úteis uma vez que a crise passe” e disse abertamente, em relação ao CRB (Canada Recovery Benefit), que “[é] uma medida que podemos automaticamente continuar em um mundo pós-pandêmico.

No entanto, como o governo Trudeau está se afastando da UBI e da ideia de tornar os benefícios da pandemia permanentes, isso não significa que a UBI esteja fora de questão.

A convenção do Partido Liberal deveria ocorrer em meados de novembro. A principal escolha política dos parlamentares liberais foi uma renda básica garantida ou universal. O cáucus liberal estava convocando o governo a adotar a UBI como uma resolução prioritária para a convenção e designou-a como a resolução máxima – o que garantiu que ela seria debatida e votada. Os parlamentares e ministros liberais que apóiam a UBI expressaram publicamente a esperança de que o CERB (Canada Emergency Response Benefit) fosse transformado em algum tipo de renda básica.

Em abril deste ano, 50 senadores escreveram uma carta ao governo. A carta foi marcada como instando o governo a converter o CERB em uma forma de UBI, mas a carta em si parecia ser mais sobre tornar o CERB permanente, e não necessariamente universal. No entanto, o Senado está investigando e custeando propostas da UBI. A discussão sobre a UBI é real e está ocorrendo nos mais altos escalões do governo.

A UBI da esquerda

E quanto aos proponentes de esquerda da UBI? O Broadbent Institute publicou recentemente uma proposta de UBI. Esta última foi uma proposta bastante técnica sobre a implementação da UBI por meio da reforma tributária e discute, principalmente, a conversão dos serviços provinciais de assistência social em programas federais universais, bem como a mudança da forma como funcionam os pagamentos da transferência federal para as províncias.

Parece uma proposta empresarial tentando convencer a classe dominante de que a UBI é a maneira mais racional e eficiente de administrar os serviços sociais, ou seja, que o programa do Broadbent Institute é a maneira mais eficiente de gerenciar o capitalismo. Todo o seu argumento se baseia na tentativa de convencer os capitalistas de que a UBI é realmente do seu interesse.

A proposta do Broadbent Institute realmente propõe algumas reformas e menciona que esses serviços sociais administrados de forma mais eficiente seriam pagos por meio da tributação progressiva e do fim dos incentivos fiscais sobre ganhos de capital e despesas comerciais, mas o principal impulso é fiscal, legalista e constitucionalista. Não se baseia na luta de classes, mas foca nas negociações federais/provinciais sobre reformas e essencialmente argumenta que a organização mais racional dos serviços sociais será mais econômica e eficiente para os capitalistas do que a configuração atual.

Em agosto deste ano, a parlamentar do NDP (Novo Partido Democrático), Leah Gazan, pediu que o CERB fosse convertido em Renda Básica Garantida. Ela tinha um programa muito mais progressista para pagar a UBI.

Seu programa propõe “Despojar o bem-estar corporativo, acabar com os paraísos fiscais off-Shore e taxar os ultra ricos” e menciona especificamente: “Deve-se administrar uma renda básica garantida, além de maiores investimentos em serviços públicos governamentais atuais e futuros, habitação social acessível, serviços de saúde ampliados e apoios de renda destinados a atender necessidades e objetivos especiais, excepcionais e outros distintos, em vez das necessidades básicas.

No entanto, mesmo neste caso, a proposta acaba sendo redigida em termos burgueses, tentando convencer os capitalistas e seus governos de que esta é a forma mais eficiente e barata de lidar com a pobreza. Essas propostas não são realmente baseadas na luta de classes. A proposta de Gazan argumenta que os cortes na assistência social acabam custando mais porque significam menores receitas fiscais e custos mais altos para os sistemas de saúde e justiça. As organizações com as quais ela colaborou para seu projeto de lei também defendem os argumentos da UBI da mesma forma, ou seja, que pagar uma UBI será mais econômico porque haverá menos custos indiretos associados à pobreza.

Essas são, em última análise, demandas ingênuas apresentadas por aqueles da esquerda que acreditam que a austeridade é ideológica ou que a austeridade é uma escolha da classe dominante. Essa esquerda acredita que podemos de alguma forma persuadir os ricos e os poderosos a gentilmente ceder o dinheiro para o bem da sociedade. Os defensores de esquerda do UBI estão realmente esperando pela benevolência e filantropia dos capitalistas e dos políticos que os representam.

UBI e CRB

No entanto, as propostas reformistas da UBI exigem uma rede de segurança reforçada e a expansão do estado de bem-estar, financiado por meio de aumentos de impostos sobre as grandes empresas e os ricos. Vindo da esquerda, a UBI é como qualquer outra demanda progressista. Como revolucionários, apoiaremos criticamente tudo que leve mais dinheiro ao bolso dos trabalhadores, mas apontamos os problemas e limitações desta medida. Não podemos simplesmente defender o status quo, o que significa que não podemos simplesmente adotar a reforma como nossa própria posição. Não defendemos que o Estado capitalista subsidie salários baixos via esquemas UBI, mas que os trabalhadores lutem e obriguem diretamente os patrões a pagar salários mais altos. Enquanto lutamos por reformas, apontamos aos trabalhadores que qualquer reforma sob o capitalismo é temporária e insustentável, e a única forma de garantir as reformas é a classe trabalhadora assumir o controle dos meios de produção.

Como marxistas, não defendemos que o Estado capitalista subsidie baixos salários por meio de esquemas de UBI Foto: Socialist Appeal
Uma fragilidade adicional da UBI é que, mesmo quando é proposto com as melhores intenções reformistas, o fato de que também esteja sendo apresentado pela ala direita significa que está aberto à cooptação. Um governo liberal que luta para sobreviver pode adotar retoricamente a UBI para roubar votos do NDP, apenas para constar e usá-lo como folha de figueira para cortes em programas sociais. Um governo do NDP capitulando à pressão capitalista poderia fazer algo semelhante, descartando a expansão do estado de bem-estar e dos impostos corporativos, deixando para trás apenas um pagamento em dinheiro financiado por déficits e inflação.

Os esquerdistas da UBI também não podem escapar do problema que supõe qualquer proposta de taxar os ricos enquanto eles continuam possuindo os meios de produção. Qualquer plano que tribute genuinamente os ricos e redistribua a riqueza não será aceito pelos capitalistas. Se você tributar os ricos, eles não investirão. Eles levarão seu capital para o exterior, fecharão fábricas e produzirão milhões de desempregados. É por isso que a questão chave não é a tributação e a redistribuição, mas a propriedade. Você não pode planejar o que não controla e não pode controlar o que não possui.

A questão da UBI é semelhante à nossa posição quanto ao CRB. Somos a favor de que a classe trabalhadora e as pequenas empresas recebam apoio durante a pandemia. Mas somos a favor desse apoio na forma de dádivas e subsídios aos capitalistas? Não.

Essa tem sido fundamentalmente a resposta do governo à pandemia – uma grande ajuda aos patrões e às corporações: o subsídio salarial, os empréstimos perdoados, os US$ 700 bilhões que os grandes bancos e corporações receberam, e até mesmo o CERB.

O CERB, e agora o CRB, são usados principalmente pelos trabalhadores para pagar despesas básicas, ou seja, aluguel, cartão de crédito e contas de serviços públicos, mantimentos etc. Nesse sentido, usar as receitas fiscais gerais para manter os trabalhadores e suas famílias vivos durante a pandemia é apenas uma outra forma de subsídio público para os capitalistas.

Embora o CRB definitivamente beneficie a classe trabalhadora, muitos dos quais não poderiam sobreviver sem ele, o CRB também é um subsídio para as corporações, mantendo-as à tona e até permitindo que muitas delas lucrem.

Todas essas medidas do governo Trudeau durante a pandemia significaram uma coisa fundamental: os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Os 44 bilionários mais ricos do Canadá aumentaram sua riqueza em US$ 53 bilhões durante o curso da pandemia. Nesse sentido, ou seja, como uma dádiva para os patrões, não éramos a favor do CERB. Nossa posição é uma posição socialista: não pelo CERB, mas por nenhum resgate, por nacionalizações sob controle dos trabalhadores e pelo planejamento econômico.

Medidas socialistas como essas são o que podem proporcionar as medidas práticas que pedimos para lidar com a pandemia: nenhuma demissão, pagamento integral, turmas menores nas escolas, expansão das medidas de saúde pública em todos os níveis e apoio aos pequenos negócios.

A classe trabalhadora deve ter acesso à licença médica remunerada, ao adicional de periculosidade e a salários garantidos – pagos pelos patrões e não pela receita geral dos impostos. Se os patrões não podem ou não querem pagar, devem ser expropriados, e a empresa nacionalizada sob o controle dos trabalhadores.

Não nos opomos a que o CRB ajude os trabalhadores a pagar suas contas, e nossa oposição às doações para os patrões não significa que somos a favor de os trabalhadores perderem o financiamento do CRB.

Não somos a favor do CRB, não é a nossa reivindicação, mas, agora que está implantado, nos opomos à retirada do benefício dos trabalhadores.

Tirar o CRB agora seria uma contrarreforma total e um ataque à classe trabalhadora. Isso deixaria muitos em uma pobreza abjeta e, portanto, seríamos contra se o governo viesse a eliminar o CRB.

Mas como nos oporíamos a isso? Como socialistas, não podemos simplesmente defender o status quo. Não poderíamos simplesmente dizer “Tirem as mãos do CRB”. Nosso dever seria propor uma posição socialista, levantar nossas ideias revolucionárias e explicar que, embora o CRB não seja nossa posição, é uma reforma que deve ser defendida e que os patrões devem pagar por ela, não lucrar com ela.

Nossa posição seria que retirar o CERB significará empurrar setores inteiros da classe trabalhadora para uma pobreza abjeta. A classe trabalhadora não vai pagar a conta da pandemia, os patrões é que devem pagar. No entanto, o CERB é, em última análise, uma esmola para os patrões e não fornece uma solução de longo prazo para as contradições do capitalismo expostas pela pandemia e pela crise econômica. Salários garantidos, adicional de periculosidade, controle dos trabalhadores para a segurança no local de trabalho são a única forma de proteger a vida e o sustento da classe trabalhadora, e isso só pode ser garantido por meio de nacionalizações sob controle dos trabalhadores etc.

Acontece o mesmo em relação ao UBI. Se for proposto como uma demanda progressista a ser paga com o aumento de impostos sobre as corporações e os ricos, podemos apoiar isso como uma reforma, mas apresentamos nosso programa revolucionário e explicamos os problemas que um programa UBI enfrentaria inevitavelmente.

Reforma ou revolução?

Como uma demanda progressista, baseada no aumento da tributação sobre as grandes empresas e os ricos, a demanda pela UBI equivale efetivamente à demanda clássica do reformismo: tributar os ricos! Sim, concordamos em taxar os ricos para conseguir reformas. Os patrões deveriam pagar pela crise pandêmica. Nós apoiamos e defenderíamos as reformas alcançadas, mas este não é o nosso programa político.

Tributar os ricos para pagar as reformas é o programa político do reformismo. Nosso programa político é pela expropriação dos capitalistas, pela nacionalização dos altos comandos da economia sob o controle dos trabalhadores e por uma economia planejada democraticamente. Nossa posição não é “taxar os ricos”, é pelo socialismo. Gostaríamos de enfatizar que a sociedade definitivamente tem a riqueza necessária para financiar um sistema UBI genuinamente progressista, mas também destacamos que a UBI não resolve nenhuma das contradições fundamentais do capitalismo.

Também deve ficar claro que a única forma de se implementar realmente a reforma UBI, de forma significativa, é se os capitalistas se sentirem ameaçados, ou seja, se o próprio sistema capitalista estivesse em risco. A história tem mostrado que, quando a luta de classes atingir tal nível de intensidade, as elites dominantes estarão preparadas para oferecer reformas a partir de cima para impedir a revolução a partir de baixo.

No entanto, mesmo neste caso, nossa demanda não seria pela UBI, mas pela revolução socialista. Nessa situação, por que apoiaríamos uma reforma de última hora para salvar o capitalismo, quando poderíamos propor uma posição para a derrubada do capitalismo?

Isso aponta para um dos principais problemas com as demandas reformistas como a UBI. A demanda está enraizada no reformismo clássico: por meio de suas políticas e programas, o que os reformistas estão realmente dizendo é que o modo de produção capitalista é bom, a propriedade privada dos meios de produção é sacrossanta e deve ser preservada, e que é apenas o modo de distribuição capitalista que está distorcido e precisa ser corrigido, ou seja, só precisamos diminuir um pouco a desigualdade para evitar o caos da revolução.

Todas essas propostas e reformas, que equivalem basicamente a taxar os ricos para pagar pelos serviços sociais (ou pela UBI), apenas encobrem as contradições do capitalismo e nada fazem para resolver o problema fundamental.

Os proponentes reformistas da UBI não colocam a questão a partir de uma perspectiva de classe. Eles ignoram a análise de quem realmente possui e controla a riqueza na sociedade e ignoram a questão de como esse controle da riqueza foi obtido em primeiro lugar.

O CRB beneficia os trabalhadores, mas foi implementado sob o capitalismo por um partido capitalista que dirige um governo capitalista. Isso significa que o CRB foi finalmente implementado no interesse da classe capitalista. Seria o mesmo com a UBI. A UBI implementada sob o capitalismo serviria, em última instância, aos interesses da classe dominante.

Se uma renda básica universal fosse introduzida, ela estaria submetida às mesmas pressões que os outros serviços sociais estão sofrendo. Isso viria sob a pressão da austeridade. A UBI é uma tentativa de salvar o capitalismo de suas próprias contradições, mas, em última análise, preserva o trabalho de baixa remuneração no setor privado, fazendo com que o Estado absorva o desemprego e fazendo com que a classe trabalhadora pague pelos custos por meio de impostos.

Uma renda básica universal seria na verdade um subsídio salarial para os patrões, que deveriam estar pagando salários mais altos e proporcionando benefícios. É por isso que devemos lutar em termos de reformas. Com base nisso, pode-se ver a UBI se tornando um obstáculo às lutas por salários decentes, melhores condições de trabalho, aumentos do salário-mínimo etc.

Devemos lutar por grandes melhorias nos benefícios para desempregados, pobres e deficientes, mas, ao invés de lutar pela UBI, devemos lutar por salários dignos e pela expansão dos serviços públicos como saúde, habitação, creche, educação etc. Lutar pela ampliação dos serviços sociais faz parte da luta de classes e, nesse sentido, é parte integrante da luta pela transformação socialista da sociedade.

Baseando-se na ideia de complementos salariais a partir das receitas fiscais, a UBI consiste essencialmente em apoiar o status quo. Isso significa aceitar baixos salários e trabalho precário. Programas sociais e serviços públicos têm sido atacados e destruídos por décadas, e os reformistas chegaram à conclusão de que devemos compensar isso com uma renda básica universal ao invés de lutar contra a austeridade, ao invés de lutar por mais serviços sociais, ao invés de lutar pela transformação socialista da sociedade.

A UBI deixa os patrões fora dos golpes da luta de classes e, a esse respeito, na verdade, racionaliza e sinaliza aquiescência à austeridade. A UBI significa aceitar o domínio de classe da burguesia. Significa aceitar austeridade, baixos salários, empregos precários. Significa fundamentalmente aceitar o status quo do capitalismo em uma tentativa de encobrir as contradições do sistema com um parco pagamento em dinheiro.

Nós, socialistas, não podemos nos vender tão barato aceitando a UBI como parte de nosso programa. A ênfase para os socialistas não deve ser redistribuir a riqueza que já foi criada na sociedade por meio de vários esquemas de tributação e serviço social. Os reformistas se concentram na distribuição sob o capitalismo, mas os socialistas devem se concentrar na própria produção, porque esta é a raiz das contradições que surgem na sociedade. Devemos enfatizar o controle coletivo e democrático sobre os meios pelos quais a riqueza é criada, ou seja, os meios de produção, onde o valor e a riqueza são criados.

Nesse sentido, a desigualdade inerente à sociedade burguesa é um sintoma, o próprio capitalismo é que é a doença. A crítica socialista ao capitalismo não é dirigida principalmente aos sintomas da doença, mas à própria doença subjacente, ou seja, às leis do capitalismo, à propriedade privada dos meios de produção e ao Estado-nação, à contradição entre concorrência e monopólio, à produção para o lucro, todos os quais impedem o desenvolvimento das forças produtivas.

Problemas e Soluções

A UBI e o reformismo em geral não oferecem solução para essas contradições fundamentais. Quais são alguns dos grandes problemas que os proponentes da UBI afirmam que o programa resolverá?

Houve uma carta interessante que um grupo de 100 CEOs escreveu a Doug Ford depois que ele cancelou o programa UBI do governo de Wynne. Eles estavam lhe pedindo para trazer de volta o programa da UBI. Eles listaram uma série de razões para implementar a UBI, que os reformistas geralmente também mencionam. Estas são as próprias contradições do capitalismo que impulsionam a crise orgânica do sistema. Isso inclui Inteligência Artificial (IA) e perdas de empregos devido à automação, empregos precários e de baixa renda, globalização, monopolização de certas indústrias como a Amazon no setor de varejo.

Um grupo de cem empresários escreveu a Doug Ford, pedindo-lhe que trouxesse de volta o programa UBI do governo de Wynne, que os reformistas também defendem Foto: Bruce Reeve
Isso pressiona os salários para baixo, o que suprime a demanda. A demanda reprimida reduz o crescimento econômico. Há uma ala da burguesia capaz de ver o problema aqui: se há massas de desempregados devido à automação e à globalização e o restante da classe trabalhadora está trabalhando em empregos precários de baixa renda e quase sem condições de sobreviver, quem vai comprar todas as mercadorias que estão sendo produzidas? Os capitalistas estão preocupados: se ninguém está trabalhando ou se todos são pobres, o mercado será severamente limitado. Como a economia pode crescer nessas condições?

Do ponto de vista dos socialistas, como uma pequena renda básica mensal resolve esses problemas? O capitalismo está criando as próprias condições que o estão corroendo de dentro para fora. Está cavando sua própria sepultura e criando seus próprios coveiros. O desemprego está aumentando devido à automação e agora à pandemia. Isso, combinado com baixos salários e empregos precários, leva a uma queda na demanda. A queda da demanda leva ao colapso do investimento, e o colapso do investimento leva ao aumento do desemprego e assim por diante.

Esse círculo vicioso é a crise clássica de superprodução, que há muito deveria acontecer. O próprio sistema capitalista está se desfazendo sob o peso de suas próprias contradições, e nenhum remendo nas políticas econômicas do lado da oferta ou da demanda será capaz de superar a crise.

Como a UBI se propõe a resolver essas contradições? Não se propõe a resolvê-las de forma alguma. Como uma renda básica universal escassa resolve a questão da automação, ou do emprego precário, ou dos baixos salários? Como isso resolve o problema do desemprego e da redução da demanda?

Na verdade, a UBI equivale a subsidiar os patrões pagando os salários que eles deveriam estar pagando de qualquer maneira, e isso apenas encorajará a redução dos salários ainda mais a fim de recuperar as taxas de lucro em desaceleração. Mas, novamente, isso só devora a demanda, o que aumenta a superprodução e reduz ainda mais a taxa de lucro.

A grande ironia com relação à UBI é que aqueles que a propõem reconhecem abertamente todas as contradições gritantes do capitalismo. No entanto, eles acabam virando o problema de ponta-cabeça e sugerindo todo tipo de reforma, tudo menos a própria solução. Eles podem admitir as falhas do capitalismo, mas se recusam a ver que o próprio capitalismo é o problema.

Em vez de pedir uma UBI, os socialistas deveriam usar esta questão para expor as irracionalidades, absurdos e contradições do capitalismo. Nossa demanda não deve ser por uma UBI, onde o controle econômico permanece nas mãos dos capitalistas, e onde o dinheiro continua a fluir para os bolsos dos capitalistas parasitas. Nossa demanda deve ser pela nacionalização das alavancas-chave da economia e pelo controle dos trabalhadores, pela democracia dos trabalhadores.

Em vez de exigir uma renda básica universal para os demitidos pela automação, deveríamos pedir que o trabalho disponível seja compartilhado, com jornada de trabalho reduzida para todos. Em vez de UBI, deveríamos pedir uma escala móvel de salários e horas de trabalho.

No entanto, isso só é possível com base no socialismo, um sistema econômico baseado nas necessidades, não nos lucros. Os liberais e reformistas levantam o slogan de uma renda básica universal para resolver os problemas fundamentais do capitalismo: pobreza, desigualdade, desemprego, automação e trabalho precário. Mas eles não se propõem a fazer nada sobre a raiz do problema, ou seja, o próprio capitalismo, a propriedade privada dos meios de produção e a produção com fins lucrativos. A UBI não diz nada sobre esses problemas.

Como socialistas, devemos propor um programa socialista e lutar por uma sociedade onde o lema “de cada um de acordo com sua capacidade; para cada um de acordo com sua necessidade ”pode realmente ser alcançado.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.CA EM 18/12/2020