“Canta primavera”: internacionalismo e revolução em “Tanto Mar” de Chico Buarque

“Sei que há léguas a nos separar 
Tanto mar, tanto mar”

No Brasil da década de 1970, enquanto o fado tropical tocava a violenta ditadura brasileira marcada pelos “anos de chumbo”, de Portugal vinha o cheirinho de alecrim da Revolução dos Cravos de 1974, responsável por derrubar o fascismo lusitano. Cheirinho este sentido na canção “Tanto Mar”, composta por Chico Buarque em duas versões, a primeira de 1975 e a segunda de 1978, que, assim como a revolução do 25 de abril, ecoou pelas ondas de rádio dos trabalhadores e da juventude. 

Em “Fado Tropical” (1973), apresentada na obra “Calabar ou o Elogio da Traição”, podemos ver o enlace das conjunturas dos dois países. Em um primeiro momento, a canção serviu como denúncia de um Brasil que vivia sob a ditadura, fato negado pelo próprio regime, e, depois de 25 de abril de 1974, “afirmar que o Brasil seria ‘um imenso Portugal’ ganhava um novo significado: era o mesmo que dizer que uma revolução poderia varrer os militares e a burguesia do poder1.

Mas, em “Tanto Mar”, Chico Buarque versou sem meias palavras sua esperança pela queda do regime que durava quase 50 anos, também capaz de impulsionar as lutas no Brasil.

Lênin nos ensinou que “as revoluções são festas dos oprimidos e dos explorados”, pois, “em nenhum outro momento, as massas populares encontram-se em condições de avançarem tão ativamente enquanto criadores de uma nova ordem social como no tempo da revolução”2. Então Buarque nos cantou que:

“Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim”

A canção já se arma da crítica com o próprio título, manipulando a fantasia da história oficial portuguesa que é o Mar e a Saudade de um passado glorioso dos exploradores, as Grandes Navegações. Para os mais atentos ao Fado, gênero típico deste país, estes são os temas mais poetizados pelos compositores lusitanos, com a curiosidade e a esperança do além-mar.

Contudo, apesar de remeter à saudade, Buarque está falando do presente e do futuro, da transformação social. Mesmo que murchassem deliberadamente o cravo, esta flor do sul europeu, que simbolizou a revolução devido a uma florista presentear os soldados revolucionários, não teriam suas sementes destruídas. Elas estariam “n’algum canto de jardim” prontas para serem experiências para o Brasil e o mundo inteiro.

Esse exemplo da revolução portuguesa de 1974 é um abre alas de tudo que os trabalhadores e a juventude podem realizar. É uma expressão da nossa capacidade de derrubar nossos inimigos de classe, pondo fim às explorações e opressões do homem pelo homem. Como pediu Buarque: o cantar da primavera, inundando de cravos vermelhos um novo mundo a florescer.

Recomendamos o vídeo abaixo onde você poderá ouvir a canção e a explicação de Chico Buarque sobre as duas versões de Tanto Mar:

Notas:

1 Confira a análise e a explicação histórica de de Fado Tropical em: “Fado Tropical e o Golpe Militar de 1° de abril de 1964”.

2 LÊNIN, V. I. Duas Táticas da Social-Democracia na Revolução, 1905.