O jornalista mineiro Lucas Morais expõe os limites da Confecom em carta dirigida a um delegado da Conferência.
Caro companheiro Heitor Reis,
Como você bem sabe, atuo na Esquerda Marxista, organização independente (da burguesia, patrões e partidos políticos) e autônoma (auto-financiada pelos militantes e simpatizantes) que intervém no PT, CUT, UNE, UBES, sindicatos, parlamentos, ocupação de fábricas e terra, lutas por moradia e reforma agrária, tendo recentemente participado do Processo de Eleições Diretas do Partido dos Trabalhadores e conquistamos ao menos 3.500 votos junto aos petistas com nossa tese Virar à esquerda! Reatar com o socialismo!.
Nossa linha de atuação política se constitui em conjunto aos trabalhadores, com o objetivo de contribuir na luta política destes, organizando e orientando a classe trabalhadora para que esta crie consciência de classe em si e para si, isto é, tome consciência da necessidade da revolução socialista, da tomada do poder político para que esta classe se organize e, neste processo, passe a organizar também a sociedade. Tal construção somente será possível através da construção e consolidação da democracia revolucionária, isto é, mandatos revogáveis, instauração da democracia em todos os níveis de sociabilidade, fundamentalmente nos locais de trabalho.
E, não tão óbvio para muitos “comunistas”, essa tomada do poder não pode vir desacompanhada da tomada do poder dos grandes meios de produção, movimento pautado pela instauração do controle democrático e socialista dos trabalhadores sobre os meios de produção de riquezas.
Nesse sentido, nós marxistas constatamos a existência da luta de classes e defendemos a luta pela expropriação dos grandes meios de comunicação que, no caso do Brasil, estão concentrados nas mãos de cerca de 7 famílias, configurando um poder oligarca, mas não visto pela sociedade dessa forma, em função da hegemonia ideológica da burguesia.
Essa luta assume uma centralidade fundamental para o processo revolucionário, na garantia da difusão da verdade, das questões objetivas relevantes e condizentes aos interesses históricos da classe trabalhadora internacional e aos anseios populares.
Entretanto, primeiramente irei, mesmo que superficialmente, analisar rapidamente a Conferência de Comunicação à luz da luta das classes capitalistas e proletárias (ou assalariados, como preferir), que é o chão concreto em que se dá e instaura a luta pela democratização da comunicação:
A CONFECOM foi convocada pelo Presidente Lula graças à força que o movimento pela democratização alcançou ao longo desses anos e à pressão emanada de diversas organizações sociais, junto à necessidade vista pelo Partido dos Trabalhadores de regulamentar este campo político e econômico estratégico, como aconteceu recentemente na Argentina ou na Venezuela, Equador e Bolívia.
Entretanto, logo aqui há um problema fundamental, não colocado por ninguém do movimento pela democratização da comunicação: Nenhuma conquista democrática será levada a cabo pelos meios políticos da burguesia (ou, das classes dominantes, como preferir). Neste sentido, Karl Marx, Friedrich Engels, Vladmir Lenin e Leon Trotsky, proeminentes dirigentes do movimento operário internacional, já alertavam que a burguesia era incapaz de realizar as tarefas democráticas em uma série de países (como ocorreu na Rússia revolucionária ou na transição longa alemã do feudalismo ao capitalismo), e que, portanto, as tarefas democráticas recaem totalmente sobre os ombros da classe trabalhadora, único ente social capaz de realizar uma luta neste sentido e de superar o atual quadro de dominação do capital. E em nossa colonizada e neocolonizada América Latina ocorre o mesmo entrave à democratização da comunicação.
O problema fundamental aqui é o seguinte: se a luta pela democratização da comunicação é travada no terreno estatal, isto é, no terreno judiciário que o funda e fundamenta suas ações (como vimos bizarramente no caso de Cesare Battisti), estamos justamente no terreno dos inimigos da verdadeira democracia, daquela democracia em que a representação emane de delegações por locais de trabalho e comunidades, que tenha em sua constituição a possibilidade de revogar mandatos de delegados e a representação proporcional de acordo com cada localidade ou região: a democracia socialista.
O Estado burguês e seus governos não têm interesses políticos em uma democracia real ou na socialização de seu Estado. Pelo contrário, utilizam dessa pseudodemocracia, a então chamada “democracia burguesa” (que, na realidade, nada mais é que a ditadura dos interesses da classe burguesa) e pró-capital, para atender aos interesses dos capitalistas.
Neste sentido estrutural, Friedrich Engels disse que “O executivo do Estado moderno não é mais do que um comitê para administrar os negócios coletivos de toda a classe burguesa”. E mesmo com um Governo “do PT”, o aparato estatal e sua burocracia continuam em sua estrutura e forma burguesas. Isso significa que o próprio PT, ao adotar como prioridade um projeto político que coloca como centro de sua luta o gerenciamento do Estado burguês, torna-se refém de suas demandas estruturalmente intrínsecas. Portanto, a Confecom está sendo realizada em um espaço que estruturalmente é hostil aos interesses populares. E, nesse sentido, a única força social capaz de travar a luta pela democratização ou socialização da comunicação é a força do trabalho, isso é, da classe trabalhadora. E, além disso, a luta não deve ser pela “democratização da comunicação” no sentido como comumente é compreendido: a propriedade capitalista da cadeia produtiva da comunicação se mantém nas mãos do capital oligarca, financeiro e monopolista, enquanto se cria uma dúzia de canais pautados em medidas de políticas afirmativas ou em uma miséria de canais públicos sem incentivo financeiro, estrutura adequada e liberdade de expressão, tornando-se canais estéreis, institucionais, sem público relevante.
Essa força à qual me refiro, a força do trabalho, da classe trabalhadora em sua totalidade concreta, deve ser traduzida em esforço de organização dos trabalhadores em seus locais de trabalho e espaços políticos como sindicatos, centrais e partidos, mobilização planificada e unidade no interior das lutas construídas nas ruas, o que, de fato, não é de interesse à atual direção petista e nem dos dirigentes dos partidos stalinistas e socialdemocratas, nem muito menos das centrais sindicais com direções atreladas ao governo, que estão mais preocupadas em arcar com pequenas lutas e entrar em acordos com os capitalistas, favorecendo a manutenção destas mesmas direções burocráticas e que cumprem o papel de segurar a pressão das bases e iludir a classe trabalhadora.
Quando o movimento pela democratização da comunicação passa ao terreno da jurisdição burguesa, ele se desarma e se encontra submetido a uma legalidade que é totalmente hostil aos interesses da classe dos trabalhadores e aos anseios democráticos e socialistas populares. Afinal de contas, quem legisla são os partidos do capital e quem executa é o Estado burguês, como vimos acima na citação de Friedrich Engels. Portanto, a Confecom não é o terreno próprio da democratização da comunicação, e sim o terreno onde será ensaiada a sua derrota.
Somente a classe trabalhadora pode instituir a democratização da comunicação via mobilização e imposição de sua política. Não há outra força social capaz de contrapor à dominação burguesa para levar adiante tal luta. E é justamente essa força social que a ideologia burguesa permanentemente precisa atacar e dominar.
Antônio Gramsci, líder do Partido Comunista Italiano e uma das maiores figuras do século XX, prematuramente morto pelo fascismo italiano de Mussolini, dizia que, no período de crise dos partidos do capital, os meios de comunicação e a universalização da educação burguesa cumpririam o papel de alinhamento e consenso ideológico em torno dos interesses da burguesia e dos representantes do capitalismo. E isso hoje é ainda mais verdadeiro, após a criação da TV e do desenvolvimento do cinema. Novelas doutrinárias à moral apodrecida da burguesia, como as da Rede Globo, filmes hollywoodianos que educam desde cedo nossas crianças ao consumo e ao “mundo das mercadorias” – questão sempre muito criticada por Karl Marx, que é a questão do fetichismo.
Enfim, hoje a ideologia burguesa tem como seu epicentro e alinhador ideológico os grandes meios de comunicação de massa. Somente isso explica a difusão de valores reacionários e conservadores por parte de meios de comunicação abertamente anticomunistas como a revista Veja, jornais como o Jornal Nacional (“Nacional deles”, como diz o jornalista Laerte Braga), ou “Estadão”, enfim, todos eles cumprindo o papel de criminalização de movimentos sociais, tendo como exemplo mais evidente e frequente os ataques ideológicos e políticos que sofre o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST. Esse aparato constrói de forma eficaz o consenso em torno da ideologia burguesa e pró-capital, isto é, o consenso político da classe burguesa, que submete toda a realidade social à sua legalidade e a seus interesses de classe.
“Democratização da comunicação” ou “Expropriação dos monopólios da comunicação”? Essa é uma luta única que, caso não seja articulada de forma organizada e com unidade nessa direção, não temos razões concretas para ter qualquer tipo de convicção ou esperanças de que este movimento vá realmente lograr conquistas significativas, pois está totalmente submetido às regras do jogo de seus inimigos e ao terreno das oligarquias. É pior que jogar final de campeonato de futebol fora de casa, com o adversário com o estádio lotado e juiz comprado.
O esforço que as entidades que estão na luta pela democratização da comunicação deveriam ter é em ir de sindicato em sindicato, associação de trabalhadores, igrejas, associações de bairro, convenções partidárias dos trabalhadores etc., em um esforço conjunto de mobilização dos trabalhadores, para orientá-los para esta luta. E nisto a omissão da CUT em encampar esta luta é um absurdo.
A Central Única dos Trabalhadores, incontestavelmente a maior e principal central sindical do país, poderia em menos de um ano promover essas discussões junto às bases, apoiando-se nas direções sindicais e na mobilização unitária dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho. A CUT pode e deve convocá-los a discutir e organizar uma ampla luta pela apropriação dos grandes meios de comunicação.
Afinal de contas é a classe trabalhadora quem mais sai perdendo com os oligopólios, vide os tempos de nascimento da Globo na ditadura, quando se ocultava a existência e a difusão de informações e notícias sobre as mobilizações revolucionárias dos operários no ABC paulista, de onde surgiu toda a trajetória das principais organizações dos trabalhadores no Brasil.
Analisando a realidade, podemos constatar que o movimento pela democratização da comunicação não está sendo tocado pela classe trabalhadora, mas em sua maior composição são dirigentes pequeno-burgueses, das classes médias e liberais, que irão à Brasília em dezembro disputar visibilidade político-partidária e provavelmente não lograrão alcançar uma unidade mínima para tocar uma política de frente única dos movimentos sociais nesta conferência.
O problema da representação
E aqui começa a tragédia. Mesmo se em um ponto político o campo da sociedade organizada obtiver unidade, terá como condição de aprovação pela conferência o apoio total do governo, que representa 20% da representação de delegações, e mais um voto dos representantes dos capitalistas, que possuem 40% da representação, igualmente à sociedade organizada. Isso é uma derrota em si.
A sociedade organizada só levando em consideração a CUT já teria um peso representativo de milhões de trabalhadores brasileiros e, sozinha, ocuparia, caso o ambiente fosse realmente democrático (no sentido de “o poder emana do povo”), no mínimo, 70% da representação. Afinal de contas, as representações capitalistas não representam nem 5 mil pessoas, talvez 15 mil se você somar com os empregados interessados na manutenção dos postos trabalho nestas emissoras – ainda assim não passaria de 0,5% da sociedade brasileira. Por isso mesmo, a tendência é que a Confecom vai acabar fortalecendo ainda mais os oligopólios, dando legitimidade à dominação destes na aceitação de uma desproporcionalidade absurda e na aprovação apenas de medidas consensuais entre a tríade governo – patrões – sociedade civil.
“Ora, a mídia é tão democrática que estamos fazendo a Confecom”, dirá o governo e os empresários. Mas caso é que, se o que estivesse em jogo fosse a expropriação e a socialização dos meios de produção de comunicação (da Globo, RedeTV, Record, operadoras telefônicas, jornais etc), a coisa mudaria totalmente de figura, e o acirramento ideológico estaria trinta mil vezes mais agudo.
A Veja estaria estampando uma campanha de mobilização em defesa da mal chamada liberdade de imprensa, pois de fato é liberdade de empresa e libertinagem de imprensa. O que ocorre é que, com a realização da Confecom, nem mesmo a propriedade privada e monopolizada dos grandes meios de comunicação está em xeque. E a “alternativa” que a legalidade burguesa poderá oferecer será, no máximo, alguns paliativos palatáveis às oligarquias, como criação de alguns canais públicos, legalização de algumas rádios comunitárias (aqui mesmo há um empecilho gigante que é a monopolização das frequências de rádio e a criminalização do movimento pela rádio livre, que é taxada pelos capitalistas como rádios piratas) e garantia de algumas pequenas e não-incômodas políticas públicas por parte do Estado, direcionadas à comunicação pública. Isso não é uma conquista, mas uma derrota, tendo em vista os objetivos concretos que esse movimento tem.
O Partido dos Trabalhadores tem 1.350.000 filiados. Não são 1.350.000 vendidos, mas existem setores corruptos e oportunistas, que se assenhoraram das direções partidárias, que estão vendendo o partido para a direita oligárquica. Querem e precisam (para se manter no governo) de se aliar incondicionalmente com a burguesia para governar.
E há outra questão aí. A classe trabalhadora possui profundas ilusões com relação ao Governo Lula e ao próprio Presidente Lula. Não adianta ficarmos falando por aí a fora que o PT traiu, que Lula traiu, e que o Governo é dos patrões. Para isto há um punhado de seitas e partidos que fazem este trabalho muito bem. Neste momento temos de explicar pacientemente à classe trabalhadora que enquanto o PT estiver aliado aos partidos burgueses pró-capital (PMDB, PR, PDT, etc), que enquanto o Lula não romper com a burguesia e governar com e para aqueles que o elegeram (a classe trabalhadora), não haverá saída para os anseios populares, como a questão da reforma agrária, da educação, da saúde, da cultura, entre outros que podem ser garantidos de forma gratuita, irrestrita e de qualidade para tod@s.
Os deveres dos lutadores são muitos, e os motivos para sonhar com uma sociedade libertária e emancipada são maiores ainda. Precisamos nos organizar e estar junto aos trabalhadores, afinal de contas a “emancipação da classe trabalhadora será obra da própria classe trabalhadora”, como constatou Karl Marx.
Nós todos, que estamos na batalha pela transformação social, devemos ter consciência de que a condição da emancipação humana é a emancipação dos trabalhadores da dominação do capital e do imperialismo. E a construção disso é a maior tarefa que a humanidade pode se colocar atualmente, isto exige ousadia de nós revolucionários. Ousemos sempre lutar.
Saudações comunas,
Lucas Morais