Foto: Jornalistas Livres

Caso Paulo Galo: iconoclastia, táticas de luta e justiça burguesa

Na definição marxista o Estado burguês exerce seu poder político por meio de uma rede de instituições cujo objetivo é dominar a classe trabalhadora para garantir o poder econômico e político da burguesia. É uma engrenagem finamente calibrada para sufocar toda e qualquer reação do proletariado. Nessa conformação, o Exército e a Polícia são os aparelhos repressores do Estado Burguês, e o judiciário, o cassetete togado.

Há muito corroído pelos efeitos da superexploração, do crescimento dos níveis de desemprego, dos ataques aos direitos dos trabalhadores e da consequente miséria desenfreada, o Estado utiliza cada vez mais suas forças repressivas para tentar manter as massas sob controle.

No último dia 24 de julho manifestantes foram às ruas em vários estados contra o governo Bolsonaro a partir da sabotagem na vacinação contra a Covid-19, da precarização das condições de vida da classe trabalhadora e de novos ataques com privatizações e contrarreformas. A reivindicação geral entre os que tem ido às ruas nos últimos meses é a necessidade de pôr abaixo esse governo agora.

Em São Paulo, a principal manifestação aconteceu na Avenida Paulista. No mesmo dia, um grupo incendiou a estátua do bandeirante Borba Gato na avenida Santo Amaro, na Zona Sul da capital paulista. O grupo Revolução Periférica publicou nota assumindo a autoria do incêndio. Paulo Galo, líder do movimento de Entregadores Antifascistas, assumiu o ato e, antes de ser detido com a sua companheira, declarou:

 “Para aqueles que dizem que a gente precisa ir por meios democráticos, o objetivo do ato foi abrir o debate. Agora, as pessoas decidem se elas querem uma estátua de 13 metros de altura de um genocida e abusador de mulheres”.

Não é incomum na história da humanidade que os monumentos erigidos para enaltecer a memória de “vultos históricos” opressores sejam alvo da ira popular em processos revolucionários.

Nas recentes mobilizações internacionais contra o racismo, desencadeadas a partir do assassinato de George Floyd pela polícia nos EUA, vimos ações contra a estátua do padre Antônio Vieira em Lisboa (Portugal), a de Cristóvão Colombo em Boston (EUA) e a do traficante de escravos Edward Colston em Bristol (Inglaterra). Em Santiago (Chile), em 2019, manifestantes colocaram abaixo as estátuas dos conquistadores espanhóis Pedro de Valdívia e Diego Portales além de outros monumentos que remetiam à violência do processo de colonização.

É compreensível a ira contra ícones históricos da repressão e opressão da classe dominante. Ao mesmo tempo, é importante enfatizar, nossa luta é maior do que contra símbolos, é pela derrubada de todo este sistema que perpetua a exploração ao redor do mundo. A vitória da luta contra o capitalismo só é possível com as massas em movimento, utilizando, em cada combate, os métodos e as táticas para fortalecer e ampliar esta luta.

Determinadas ações, quando praticadas por indivíduos ou pequenos grupos, mesmo que com boas intenções e demonstrando uma coragem pessoal, não são as táticas corretas para ampliar o movimento, ao contrário, podem enfraquecê-lo e, inclusive, serem usadas como pretexto para a burguesia criminalizá-lo. É o caso, por exemplo, de indivíduos que em uma manifestação agem por conta própria atacando bancos e comércios.

O caso do incêndio no monumento de Borba Gato levou à prisão de Paulo Galo, um líder que tem se destacado no movimento de entregadores de aplicativos, uma categoria profundamente explorada e que tem realizado importantes mobilizações em meio à pandemia. Após 14 dias preso, ele foi finalmente libertado em 10 de agosto.

Este é mais um caso de criminalização de uma liderança de um movimento social. Paulo Galo é réu primário e confessou que participou do incêndio como um ato político. O próprio STJ (Superior Tribunal de Justiça) revogou sua prisão temporária. A juíza de primeira instância, Gabriela Bertoli, para mantê-lo encarcerado, manobrou e decretou então sua prisão preventiva no dia 6 de agosto. A situação era tão absurda, tão desmoralizante para o próprio Judiciário, que o Tribunal de Justiça de SP interveio no caso e determinou a soltura de Galo e demais acusados.

Esta juíza evidenciou o papel do Judiciário de legitimação política do Estado burguês contra as lutas dos trabalhadores. O judiciário expressa seu papel a serviço de uma classe (a burguesia) contra a outra (proletariado), o que contraria a ilusão na máxima de que todos são iguais perante a lei. Não se trata do problema de uma juíza que cometeu abusos, a instituição de conjunto tem um propósito e inúmeros são os casos que exemplificam isso pelo país, como o caso da juíza Inês Zarpelon, que condenou Natan Vieira da Paz “em razão de sua raça”; ou o caso emblemático de Rafael Braga, preso por estar em um protesto em junho de 2013 com uma garrafa de Pinho Sol; ou as ações da Lava Jato.

É interessante a atualidade da descrição acerca do poder judiciário feita em 1918 no artigo de Stutchka publicado no jornal Pravda, de Petrogrado, intitulado: “Tribunal Velho e Novo”, onde se pode ler:

Na realidade, o Tribunal constituía, depois do exército permanente e da polícia burocrática, a mais sólida defesa do sistema burguês-fundiário. Sob o ângulo de uma pretensa defesa do Direito e da justiça, o Poder Judiciário, dito independente do Estado Burguês, representava, entretanto, o mais sólido órgão do sistema capitalista e dos interesses das classes possuidoras. Não apenas porque os tribunais eram agentes diretos do Estado e do poder estatal, instrumentos de assujeitamento das classes oprimidas, mas também porque eles, por sua situação social, pertenciam à classe dos opressores. Eles entendiam o Direito e a justiça, bem como a liberdade e a igualdade, tal como os declaravam os interesses da sua classe.”

 O sistema capitalista tem nos ensinado diariamente e muito duramente que é impossível gozar de igualdade política sem que se tenha igualdade econômica. Nesse caso, os ouvidos da juíza Gabriela Bertoli são moucos para os que pediram a liberdade de Galo. Em última instância, ela própria é representante de uma instituição que tem classe e cor, e que tem a função de manter a estabilidade e perpetuação da dominação e dos privilégios, enquanto abafam as lutas e rapinam os direitos do proletariado.

Denunciamos a manobra jurídica da juíza Gabriela Bertoli para perseguir a liderança de um movimento social e defendemos que o combate pelas reivindicações da juventude e da classe trabalhadora se dá de forma coletiva, debatendo e agindo de acordo com a posição da maioria do movimento.

A vingança de nossa classe à exploração e sofrimento se dará com a derrubada desse sistema odiado que agoniza. Por mais que se odeie o papel desempenhado pelos bandeirantes ou pela própria classe dominante ao longo de nossa história, para colocá-los na lata do lixo da história é preciso utilizar os métodos operários de combate. A luta contra Bolsonaro, a burguesia e o seu sistema só pode ser vitoriosa com a luta de classes, a organização da classe operária e a luta de massas.

Referências

EMIL ASTURIG VON MÜNCHEN. O poder judiciário no estado burguês e a perspectiva dos tribunais da revolução de outubro. In: http://www.scientific-socialism.de/PECAPIntrod.htm

PETER STUTCHKA. O Problema do Direito de Classe e da Justiça de Classe. Concepção e Organização, Compilação e Tradução Emil Asturig von München, Outubro de 2006. in: http://www.institutosunderman.de/publicacaoI.html

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/08/06/borba-gato-galo-preso-stj.htm

https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2020/07/derrubar-estatuas-e-uma-tradicao-que-remonta-a-independencia-dos-estados-unidos