Todas as condições estão reunidas para a Presidenta Dilma dizer um sonoro NÃO à bancada ruralista. Diante da intensa campanha “Veta Dilma”, diversos setores que compõe esta frente parlamentar estão hoje cabisbaixos e recuados.
A tramitação do projeto de lei no congresso foi de mal a Piau. Esta semana, até o dia 25/05, a Presidenta decidirá sobre uma polêmica que já contou com manifestações das mais diversas: movimentos sociais, ruralistas, juristas, artistas e até mesmo a modelo Gisele Bündchen que postou uma foto na internet com um cartaz com a mensagem “Veta tudo, Dilma!”. A imprensa anuncia que Dilma está intensificando sua agenda de reuniões sobre o tema, por isso ainda cabe um apelo para que ela ouça mais um pouco um importante segmento da sociedade que tem muito a dizer sobre esta lei e está sendo jogada para escanteio: a comunidade científica.
Governo continua ignorando os cientistas
Dia 17/05 foi enviada ao gabinete presidencial uma carta da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). É lamentável que justamente agora que o Brasil atingiu a 13ª posição na produção científica mundial, aumentou a quantidade de universidades federais e o número de pesquisadores, o governo simplesmente ignora a reflexão e posicionamento dos seus cientistas. Essas organizações, que desde o final de 2010 vêm apresentando uma série de pesquisas ao governo e ao Congresso para ajudar a balizar a reforma da lei, chegaram a produzir uma proposta própria de Reforma do Código Florestal, mas queixam-se que suas sugestões não obtêm atenção do Congresso e do Governo.
A carta esmiúça os perigos de vários itens que se encontram no projeto aprovado pelo Congresso, lembra os riscos da exclusão de outros itens e sugere vetos a alguns artigos, incisos e parágrafos (1). Ao contrário do que vem sendo solicitado por outras entidades, porém, ela não fala em veto total. Mas o biólogo Carlos Joly, da Unicamp, membro do grupo de trabalho criado pela SBPC e ABC para discutir o assunto, explica:
“A SBPC e ABC entendem que é uma posição filosófica respeitar o trabalho feito pelo Congresso. Não se pede o veto total, mas citamos todos os problemas que estão no texto da Câmara. Uma leitura mais crítica apontaria para a necessidade do veto total”. (2)
Outro intelectual que produziu uma grandiosa obra que deveria servir de subsídio sobre temas atravessados por questões fundiárias e questões ecológicas é o geógrafo Aziz Ab’Sáber, falecido recentemente. Nosso companheiro de viagem Aziz afirma que a diferença entre os interesses dos ruralistas e dos trabalhadores é insolúvel e critica como “irrealistas” os cientistas que difundem a tese de que é possível ter “sustentabilidade” numa agricultura dominada por capitalistas. Vejam abaixo trecho da sua análise sobre os problemas políticos e científicos presentes na atualização desta lei.
“Em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macro biomas – Amazônia Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias, e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas, faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no ‘Código Florestal’ tem que ser conduzido por pessoas competentes e bioeticamente sensíveis. Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a diferentes espaços de tempo futuro, favorecendo de modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais. Cidadãos de classe social privilegiada, que nada entendem de previsão de impactos, não têm qualquer ética com a natureza, nem buscam encontrar modelos tecnico-científicos adequados para a recuperação de áreas degradadas, seja na Amazônia, seja no Brasil Tropical Atlântico, ou alhures. Pessoas para as quais exigir a adoção de atividades agrárias ‘ecologicamente auto-sustentadas’ é uma mania de cientistas irrealistas. (…)” (3)
PT X “base aliada”
É preciso lembrar que o projeto que está nas mãos da Dilma é resultado de um trabalho em conjunto da Câmara e do Senado no qual a bancada ruralista não perdeu nenhuma votação. Seu maior partido, o PMDB, nas palavras do seu líder Henrique Eduardo Alves (RN), no dia da aprovação (25/04) da Câmara afirmou: “Temos 76 deputados presentes hoje. E estaremos juntos nas votações.” E assim foi.
O Governo foi surrado por sua própria “base aliada” numa das votações mais importantes do Congresso Nacional depois da aprovação da constituição em 1988. Mas o PT poderia ter saído de cabeça erguida e ter conseguido acumular ainda mais forças na sociedade para agora vetar todo o projeto se não fosse desarmado desde o início pela política de coalizão com a burguesia.
Expressão desse método equivocado, de buscar se aliar com reacionários contrários aos interesses do povo, foi a declaração da companheira Dep. Benedita (PT-RJ), ao final da derrotada sessão do dia 25/04, lamentando que os ruralistas não quiseram entrar num”grande consenso” com o PT. É difícil compreender que tipo de consenso a direção do PT acredita ser possível construir com partidos representantes do capital. Que consenso ainda se espera com quem é contrário à reforma agrária? Com quem é contrário, até mesmo, ao fim do trabalho escravo? Quando a gente espera um consenso da burguesia a favor dos interesses dos trabalhadores o resultado é esse: ilusão e confusão entre quem são nossos inimigos e nossos aliados.
O recuo da bancada ruralista
Todas as condições estão reunidas para a Presidenta Dilma dizer um sonoro NÃO à bancada ruralista. Diante da intensa campanha “Veta Dilma”, diversos setores que compõe esta frente parlamentar estão hoje cabisbaixos e recuados. E não sustentam mais as mesmas posições de antes. Eles buscam um acordo com o PT porque sabem que Dilma pode vetar todo o projeto. Até mesmo o Dep. Paulo Piau (PMDB-MG), que foi relator do projeto da Câmara, aderiu à campanha para que Dilma vete parte da proposta aprovada com a sua assinatura. Piau disse a reportagem do Estadão ao ser questionado sobre a interpretação do ministro do STJ:
“Essa é uma tese jurídica válida, eu respeito. O texto ficou esdrúxulo porque tive de absorver o parágrafo que exige recuperação de 15 metros de vegetação para rios até 10 metros de largura. O grande problema são esses 15 metros. Eu tive de absorver isso, não pude tirar. (…) Ficou uma situação ridícula, porque existe uma exigência de recuperação para os rios menores. Se a presidente Dilma vetasse, seria o ideal. Do jeito que está, ficou esdrúxulo, ficou uma mesa cambeta”. (4)
Vetar as alterações no Código Florestal e romper com a burguesia
Não faz sentido amanhã os petistas terem de explicar nas ruas, fábricas e escolas porque uma Presidenta com 77% de aprovação precisou se render a um congresso de Demóstenes vendidos a ruralistas e cachoeiras. A mais importante lição desse episódio é que precisamos romper com essa base aliada de direita. Os partidos empresariais estão na contramão da ciência e do socialismo. Sem esquecer também que é urgente realizar a reforma agrária, a alta concentração de terras sob um punhado de proprietários é o principal fundamento do poder político da bancada ruralista.
Até esta sexta (25/05), Dilma precisará honrar seu compromisso de campanha seguindo um dos caminhos sugeridos pelos movimentos sociais: vetar todo o Código Florestal e realizar as alterações na antiga lei por emenda presidencial, por MP. Um amplo apoio da CUT, MST e uma respeitada comunidade científica lhes dão este respaldo.
Niterói, 22 de maio de 2012
Referências:
(1) – Carta da SBPC e ABC a Dilma. 17/05/12. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/site/arquivos/arquivo_332.pdf
(2) – SBPC e ABC pedem vetos a novo Código Florestal. O Estado de São Paulo. 21/05/12.
(3) – AB’SÁBER, Aziz. Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade. 21/07/10. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/site/home/home.php?id=1305
(4) – Piau diz que texto ficou ‘esdrúxulo’ e pede veto de Dilma. O Estado de São Paulo. 28/04/12.
Flávio é Mestrando em Geografia pela UFF e Diretor da associação de pós-graduandos da UFF (APG-UFF)