Em março deste ano, foram revelados mais de 100 estupros ocorridos na Universidade de São Paulo em dez anos! Mesmo com a presença da polícia na USP, ocorreram violências de toda ordem. Porém, os métodos utilizados nas atividades que ocorreram para lutar contra essas práticas estão dividindo o movimento. Como podemos realmente combater a violência contra a mulher?
No dia 24 de agosto, centenas de mulheres se reuniram em frente à Reitoria da Universidade de São Paulo (USP) e saíram em passeata pelas ruas da Cidade Universitária contra práticas de violência às mulheres no campus e as propostas de Zago, reitor da instituição, para solucionar o problema.
Essa manifestação foi deliberada em plenária convocada pelo Coletivo Feminista da Escola de Artes e Comunicações (ECA) da USP, após mais uma estudante ter sido estuprada no campus e uma página na web que fazia apologia ao estupro o direcionar particularmente, em um post, às mulheres da Universidade de São Paulo.
Para solucionar o problema da insegurança e do machismo, a Reitoria propôs o aumento do quadro policial na universidade e seu fortalecimento e o convênio da USP com o programa “He For She”. Contudo, essas medidas não resolvem o problema.
Das propostas da Reitoria
O “He for She” é um programa da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem o objetivo de equiparar homens e mulheres socialmente, conscientizando os homens da luta das mulheres.
Para os marxistas, é o ser social que determina a consciência dos indivíduos. Por isso, apelar aos homens que se conscientizem da luta das mulheres e abandonem o machismo sem questionar as condições sociais que o alimenta, é absolutamente ingênuo. O combate ao machismo não é meramente ideológico, uma campanha de conscientização, mas uma luta que deve incluir reivindicações concretas para garantir os direitos das mulheres
Além disso, a ONU é um dos órgãos que servem de instrumento para que o Imperialismo promova a barbárie em países sob uma falsa bandeira de pacificação, sendo o Haiti, um destes países afetados.
No Haiti já há 10 anos existe uma ocupação militar (MINUSTAH) sob a justificativa de ser uma “missão de paz”, mas que, na verdade, serve a que a população seja reprimida, de diversos modos, sendo o estupro uma prática já há muito denunciada pelos haitianos e pelos noticiários (mais sobre a MINUSTAH: https://www.marxismo.org.br/content/haiti-1994-2014-10-anos-de-ditadura-militar-da-onu).
O capitalismo engendra contradições que sustentam a desigualdade entre homens e mulheres, desde sua formação e questionar esse sistema que alimenta o machismo e tantos outros preconceitos, decerto, não é de interesse da ONU. É evidente que os imperialistas não estão preocupados com a segurança das mulheres, muito menos com a promoção da igualdade social.
O programa “He for She” é uma das máscaras do imperialismo que tenta convencer a classe trabalhadora e a juventude de que cumprem algum papel frutífero nas mediações internacionais, mas na verdade fazem vista grossa e promovem guerras/ocupações em diversos países, logrando o interesse dos capitalistas.
A outra proposta da Reitoria é a de fortalecer o policiamento na universidade, como forma de combate às violências.
Em março deste ano, foram revelados em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigava a violação de direitos humanos nas universidades paulistas, mais de 100 estupros ocorridos na Universidade de São Paulo em dez anos! Nestes anos em que a polícia esteve presente na USP, ocorreram estupros, assaltos e violências de toda ordem. Onde está a segurança? Desde que a polícia militar está no campus, nada mudou. A presença da corporação dentro da universidade não tem servido a outra coisa que não reprimir os estudantes em momentos de efervescência política. Na sociedade, o papel que a polícia cumpre não tem sido outro, basta revermos o ocorrido com DG, Claudia, Eduardo, Amarildo e tantos outros nas periferias.
O reitor tem se utilizado de forma oportunista dos diversos casos de violência ocorridos na universidade, inclusive aqueles contra as mulheres, para justificar o convênio com a PM que não resolverá o problema da insegurança, pelo contrário, a intensificará, na medida em que ter mais policiamento em lugar nenhum no mundo representa segurança, pelo contrário, significa mais repressão.
Das propostas do movimento
As reivindicações imediatas que resolvem os problemas relacionados não só a insegurança das mulheres na universidade, mas sua permanência nela (como estudante ou trabalhadora) é a melhoria da iluminação pública na USP, a oferta de mais ônibus circulares e o retorno das linhas que foram cortadas, a abertura de vagas nas creches para as crianças das mães estudantes e trabalhadoras junto ao fim do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDv), o fim do convênio da USP com a polícia militar e a responsabilização dos estupradores.
Essas são algumas das reivindicações do movimento e que são avançadas politicamente porque pautam soluções imediatas que atenuariam os casos de violência contra as mulheres na universidade. A tarefa agora é massificar o movimento e incorpora-lo às pautas do movimento estudantil.
Das tarefas
Contudo, em direção oposta aquilo que é necessário para fortalecer o movimento, o resultado das votações acirradas sobre a participação ou não dos homens no ato na 1ª plenária (26 contra, 25 a favor) e na 2ª plenária (30 contra, 27 a favor) foi o de realizar um ato exclusivamente composto por mulheres, o que é bastante prejudicial ao movimento.
Os marxistas não concordam com essa posição porque compreendem que o machismo não é inerente aos homens e que a história da humanidade não é a de confronto entre homens e mulheres, mas a de luta entre as classes sociais.
O machismo é resultado de uma construção anterior ao próprio capitalismo e que por ele ainda é sustentado. Sendo a classe burguesa a classe dominante no sistema capitalista, o machismo se configura como componente da ideologia dessa classe e se expressa materialmente nas diversas desigualdades entre homens e mulheres na sociedade (do serviço doméstico reservado às mulheres às condições precárias ou má remuneração delas no mercado de trabalho).
Sendo assim, os homens não são machistas por natureza, porque não há um fator biológico determinante. O machismo e suas expressões são construídos e sustentados socialmente, pelo próprio capitalismo.
Além disso, os defensores de tais métodos consideram que somente grupos diretamente afetados por determinadas opressões possam falar e agir em prol de suas próprias reivindicações. Essa posição tomada nas duas plenárias exclui da luta aqueles companheiros que têm acordo com as pautas reivindicadas e afasta aquelas mulheres que, embora tenham acordo com as reivindicações rejeitam a decisão de segregar os homens, e assim o movimento fica dividido e, portanto, prejudicado.
Para os marxistas, o motor da história é a luta entre as classes sociais- entre os explorados e os exploradores. Portanto, não é a luta das mulheres em unidade contra o machismo que o colocará abaixo, mas a organização da classe trabalhadora contra os capitalistas. Às mulheres trabalhadoras não interessa se unir com as mulheres que lhe exploram. Vide a experiência das mulheres na Revolução Francesa descrita por Alan Woods (https://www.marxismo.org.br/content/marxismo-versus-feminismo-luta-de-classes-e-emancipacao-da-mulher).
A conquista da igualdade social das mulheres hoje se equivale à conquista da igualdade humana e esta só é possível conquistar com a união em luta de homens e mulheres contra a classe burguesa e pelo socialismo.
Quando homens e mulheres lutam contra o capitalismo, assim o devem fazer independente de sua língua, cor, nacionalidade, religião e gênero. Todo o esforço é para unir e não dividir.
Como diz Alan Woods:
“Esta é a única maneira de alcançar a libertação genuína, não só das mulheres, mas das mulheres e também dos homens. Na verdade, uma coisa não é possível sem a outra. Lutamos para a libertação, não deste ou daquele grupo, mas da própria humanidade. Isso não significa de modo algum que as mulheres devem abandonar a luta por melhorias imediatas. Pelo contrário. Sem a luta diária por avanços sob o capitalismo, a revolução socialista seria impossível. Mas, por um lado, é necessário entender que, sob o capitalismo, qualquer avanço terá sempre um caráter parcial, distorcido e instável, e será constantemente ameaçado pela crise do sistema e pela deterioração geral da situação, e pela decadência social, moral e cultural. Por outro lado, é necessário vincular firmemente a luta contra a opressão das mulheres com a luta da classe trabalhadora contra o capitalismo. Esse é o único caminho possível para a vitória.”