“Revolução Política ou Restauração Capitalista”
Freio relativo ao desenvolvimento das forças produtivas
Sem dúvidas, a nacionalização dos principais meios de produção e o planejamento econômico, conquistas da revolução de outubro, foram a mola propulsora fundamental para o desenvolvimento das forças produtivas na URSS. Em poucas décadas, a sociedade saltou do arado de tração animal no campo para a exploração do espaço sideral, por exemplo. Assim, é indiscutível a superioridade do sistema baseado na propriedade social dos meios de produção em relação ao da propriedade privada, ou seja, a superioridade do socialismo em relação ao capitalismo.
Porém, tanto a industrialização do país, quanto a coletivização do campo ocorreram sob um método burocrático de gestão. Ao invés de um planejamento democrático da produção, baseado na organização e na força criadora dos trabalhadores, os planos quinquenais eram estabelecidos pelos altos escalões e ditados aos trabalhadores. Isso ocasionou enormes desperdícios, desorganizações, despotismo, má qualidade dos produtos e, principalmente, uma baixa produtividade do trabalho se comparada aos países capitalistas mais avançados.
Enfim, sob as bases de uma infraestrutura socialista, o país progredia e as condições de vida da população também, porém, ao mesmo tempo, a casta burocrática dirigente se apropriava de porções cada vez maiores da riqueza gerada. Não que a burocracia formasse uma nova classe social, afinal, sua fonte de vantagens e privilégios repousava sobre a propriedade social dos meios de produção, mas no sentido de parasitá-la. A burocracia era uma deformação monstruosa do regime socialista e um freio relativo ao desenvolvimento das forças produtivas. Trotsky percebeu com isso a falta de correspondência cada vez maior entre a infraestrutura econômica e social e a superestrutura política e jurídica e chegou a uma conclusão brilhante.
Revolução política ou restauração capitalista
As contradições entre a produção socialista e o poder político totalitário ou entre o desenvolvimento das forças produtivas e o freio representado pela apropriação da riqueza por uma camarilha dirigente, iriam se acumular a um ponto tal que: ou os trabalhadores se livrariam desse enorme peso burocrático sobre seus ombros e retomariam os destinos do país, recuperando os sovietes e estabelecendo uma planificação democrática da produção; ou a burocracia, ansiosa por poder transmitir suas benesses aos seus descendentes, levaria o país de volta ao capitalismo. Dito de outra forma, a disjuntiva não era mais “socialismo ou barbárie”, mas “revolução política ou restauração capitalista”.
Os trabalhadores deveriam empreender uma nova revolução na URSS não para alterar o sistema (e sim para preservá-lo), mas para alterar de cima a baixo o regime político e restabelecer a democracia dos sovietes e um governo com mandato revogável, capaz de representar genuinamente a vontade dos delegados eleitos em cada assembleia de fábrica, bairro e local de estudo e seus órgãos regionais e nacionais.
Trotsky morreu antes que pudesse verificar esse prognóstico, mas os fatos históricos confirmam sobremaneira a justeza de suas ideias, basta analisar os acontecimentos revolucionários que estouraram nos elos mais frágeis da cadeia estalinista que se formou pós-Segunda Guerra Mundial, como na Polônia, Hungria e na Tchecoslováquia, ou a barbárie da restauração capitalista na antiga Iugoslávia, afogada em sangue por inúmeras guerras de divisão em linhas nacionais, ou mesmo na Rússia e na China, com seus regimes despóticos atuais em meio a uma brutal exploração dos trabalhadores.
Há também uma previsão de Trotsky que se confirmou – a restauração capitalista, a destruição da URSS será uma catástrofe que até hoje não se tinha visto para o proletariado. Isso se comprovou quando, a partir da queda do muro de Berlim e o fim da URSS, os antigos Partidos Comunistas foram destruídos e a socialdemocracia acabou enquanto uma “Internacional” e seus antigos partidos se integraram de uma forma cada vez maior no aparato burguês de seus respectivos países. E tudo isso sem que uma nova Internacional fosse construída. Ou seja, o proletariado se viu sem nenhuma representação política a nível mundial (ainda que reformista). Politicamente, houve uma regressão a um nível anterior à construção da I Internacional.
Por fim, são por essas questões (e outros pontos que não puderam ser abortados nesse artigo) que essa obra de Trotsky, “A “Revolução Traída”, merece estar na prateleira de todo revolucionário, e os ensinamentos que ela traz, além de enriquecer o marxismo teoricamente, são imprescindíveis para explicar aos trabalhadores a diferença entre o verdadeiro socialismo e a caricatura horrorosa que o estalinismo pintou em cores sombrias.