Em 28 de abril, oficialmente o Paquistão registrava 14.079 casos de pessoas infectadas pela Covid-19 e 301 mortes. Assim como em grande parte do mundo, no entanto, esses não são números reais. Além da falta de testes, o governou utilizou kits de testes vencidos, o que faz pairar uma nuvem de dúvida em quaisquer dados. O novo coronavírus assola um Paquistão que já tinha uma economia e um sistema de saúde destruídos, além de um governo de forte repressão e do uso histórico da religião para impedir a organização dos trabalhadores.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o sistema de saúde do país ocupa a 154ª posição no ranking mundial. A proporção de trabalhadores do setor em relação à população é uma das piores do mundo. O Paquistão gasta menos de 2% do seu PIB em assistência médica. Há apenas um médico disponível para cada 1,5 mil pessoas e apenas um leito hospitalar para cada 2 mil pessoas. Todos os anos, cerca de meio milhão de crianças morrem de doenças tratáveis, como malária, pneumonia e disenteria. Ao mesmo tempo, mais de 100 mil mulheres morrem durante o parto. Mais de 45% das crianças estão desnutridas, o que causa problemas em seu crescimento.
Em um país de 220 milhões de habitantes, apenas 22 grandes hospitais estão disponíveis para as massas, enquanto existem 950 hospitais secundários mal mantidos e mal equipados e 6 mil unidades básicas de saúde que fornecem apenas serviços simples e, muitas vezes, somente no papel. Falta pessoal e recursos. Além disso, o governo aproveitou o momento em que os trabalhadores da área estavam ocupados no combate ao vírus e, na primeira semana de março, privatizou diversos hospitais.
Com o coronavírus, há uma piora em todos os aspectos sociais. A inflação no país chega a 25%, os preços de produtos como farinha e açúcar aumentaram em até 7 vezes nas últimas semanas. O desemprego aumenta e muitas pessoas não têm seguro-desemprego ou indenização. Cerca de 85% da população já não tinham acesso à saúde e agora os hospitais só aceitam pacientes com coronavírus. O resultado serão incalculáveis novas mortes em decorrência da miséria e de outras doenças.
Enquanto isso, o Paquistão foi o 11º maior comprador de armas sofisticadas do mundo em 2019 e gasta cerca de 50% de seu orçamento anual em dívidas, além de mais de 25% em defesa. Não bastasse, o governo anunciou incentivos fiscais e subsídios no valor de bilhões de rúpias para os ricos do país.
O uso da religião
Quando a pandemia do coronavírus começou a se espalhar no país, oficialmente no final de fevereiro, o governo foi altamente negligente. Apenas no fim de março foram impostas restrições às orações em mesquitas e, em 18 de abril, elas foram novamente permitidas devido à proximidade do Ramadã, mês sagrado dos muçulmanos, quando aumenta o movimento nas congregações e as contribuições financeiras.
Na Índia e no Paquistão, essa situação está sendo utilizada para culpar os muçulmanos pela difusão do vírus. Os governos dos dois países aproveitam-se da situação para incentivar o aumento da tensão histórica entre eles e para reforçar a divisão dos trabalhadores da região por motivos religiosos. O nacionalismo e a religião são formas antigas e conhecidas de prejudicar a organização da classe trabalhadora, sobretudo em um momento em que a crise econômica e a luta pela vida são a receita pronta para explosões sociais. Essa é também uma forma de aumentar a repressão contra mobilizações, já que o governo paquistanês se utiliza do Talibã e de outros grupos reacionários para violentar a classe operária.
Um pouquinho de história
Para entender os conflitos entre a Índia e o Paquistão é preciso recordar que a Índia se tornou independente da Inglaterra em 1947, devido ao enfraquecimento desse império após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, para ainda preservar territórios sob influência inglesa, a Índia foi artificialmente dividida em Paquistão, de maioria muçulmana, e Índia, de maioria hindu. O Paquistão, por sua vez, era formado por duas partes geograficamente distantes: o Paquistão Ocidental e o Oriental. Até 1956, o Paquistão permaneceu reino da coroa, subordinado à Rainha Elizabeth II.
Essa partição foi um desastroso crime contra a humanidade. Cerca de 15 milhões de pessoas foram deslocadas para o “lado ao qual pertenciam” e houve aproximadamente 1 milhão de mortes por violência ou fome. Ocorreram ainda três guerras, com cerca de 30 mil mortes, nos anos seguintes, motivadas pela disputa de fronteiras e de regiões, como a Caxemira. Em 1971, a parte Oriental do Paquistão tornou-se Bangladesh, como resultado de mais uma guerra. Até hoje, no entanto, ainda há muçulmanos na Índia e hindus no Paquistão e em Bangladesh.
Índia, Paquistão e Bangadesh, juntamente ao Nepal, Butão, Sri Lanka e Maldivas, formam o que é conhecido como o subcontinente indiano, região que concentra um quinto da população mundial.
O trabalho dos marxistas no Paquistão
A seção da Corrente Marxista Internacional (CMI) no Paquistão, Lal Salam (Vermelhos), tem atualmente mais de 500 militantes. Em 12 de abril foi realizada no país a Escola Marxista online, com participação de 275 pessoas, dentre elas contatos da Índia, África do Sul, Malásia, Austrália e Grã-Bretanha. A atividade se desenvolveu em meio a grandes dificuldades, desde a falta de acesso à tecnologia até as pressões familiares e religiosas sobretudo entre as camaradas mulheres. No boletim internacional da CMI de 17 de abril relata-se:
“Em algumas zonas, jovens camaradas, especialmente as mulheres, só podiam escutar a discussão com fones de ouvido, pois suas famílias não querem que elas se envolvam em nenhum tipo de política, sobretudo a política revolucionária. Devido às pressões dos sistemas familiares e ao espaço limitado das casas, não podiam ligar o microfone e as câmeras e tinham que fingir escutar suas aulas.”
O crescimento da seção em meio a tamanhas dificuldades – da repressão à religião, passando pela submissão a que as mulheres são impostas – mostra a força das ideias comunistas. Um das principais atividades que vem sendo desenvolvida pela Lal Salam é junto aos trabalhadores da saúde, por meio da Frente de Trabalhadores Vermelhos (RWF na sigla em inglês), que está em estreita ligação com a Grande Aliança da Saúde em todas as províncias para pressionar o governo a fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs) em meio ao coronavírus.
Em 6 de abril, dezenas de profissionais de saúde – entre eles um camarada da RWF – foram torturados e presos em Quetta enquanto protestavam pelo fornecimento de EPIs. Esses trabalhadores estão atendendo em hospitais públicos sem nenhum equipamento. Muitos já contraíram o coronavírus e há mortes.
Neste vídeo os profissionais presos em 6 de abril são vistos levantando suas demandas. Eles mostraram total determinação em lutar por seus direitos e salvar não apenas a sua, mas também a vida de seus pacientes.
A RWF começou uma campanha também entre outros setores da classe trabalhadora para criar unidade nessa situação catastrófica. Entre as exigências da Frente dos Trabalhadores Vermelhos estão o fornecimento de alimentos básicos para toda a classe trabalhadora, a isenção da conta de eletricidade e de outros serviços, o congelamento de aluguéis em todo o país e a expropriação dos ricos.
São realizadas reuniões e campanhas on-line e um grande número de pessoas está enviando mensagens de vídeo explicando sua situação e exigindo equipamentos básicos de segurança. Já chegaram mensagens de trabalhadores dos setores de eletricidade, telecomunicações, educação, irrigação, operários da fábrica da Colgate, têxteis, mineiros de carvão, trabalhadores da construção, da indústria automobilística, entre outros. Isso enfatiza a necessidade de uma luta unida contra a classe dominante do Paquistão.
Também é preciso fomentar a unidade de classe em toda a região. Uma revolução socialista no Paquistão pode levar à vitória revolucionária em todo o subcontinente indiano, que abriga 40% da pobreza mundial. Isso significaria a salvação de uma quinta parte da raça humana. O impacto disso no cenário mundial seria incalculável.