O Labour Party, Partido Trabalhista inglês, entra em uma nova fase de sua história. Em 4 de abril, Keir Starmer, posicionado à direita da sigla, foi eleito o novo líder do partido derrotando Amanda Milling, que era apoiada por Jeremy Corbyn. A pouco mais de uma semana da vitória, Starmer já demonstra a intenção de apoiar Boris Johnson em um movimento de unidade nacional contra a pandemia da Covid-19. Sem ser perguntado por ninguém, ele disse que seria “difícil dizer não” se a oferta de um governo de unidade fosse posta seriamente neste momento de emergência nacional. O establishment foi rápido em acolher o novo líder e o Financial Times chegou a elogiar o retorno de uma “oposição aceitável”.
Unidade nacional?
No fechamento desta matéria, em 14 de abril, o Reino Unido já tinha cerca de 94 mil casos confirmados da doença e mais de 12 mil mortos. Assim como em todo o mundo, essa crise ressalta as contradições de um sistema que já estava à beira do precipício e evidencia o esforço dos capitalistas para explorar até a última gota a classe trabalhadora.
Boris Johnson inicialmente defendeu a tese de isolamento vertical e de “imunização do rebanho” – que significa permitir que a população se contamine para desenvolver anticorpos. O rápido aumento na taxa de mortalidade, no entanto, obrigou o primeiro-ministro a decretar o isolamento social, já que ele mesmo foi contaminado pelo coronavírus.
O pensamento do establishment era claro: o capitalismo britânico poderia sobreviver levando o vírus “com a barriga”. Evitando o isolamento, a burguesia do Reino Unido poderia sair da crise em melhores condições que países como França, Itália e Alemanha. Em resumo, eles apostaram com a vida de milhões de trabalhadores.
A burguesia inglesa está dividida entre os que defendem o isolamento – pensando nos impactos econômicos e na explosão social que tamanha tragédia poderia gerar – e pessoas como Luke Johnson, presidente da Risk Capital Partners, que afirmou ao Sunday Times que “o isolamento está ajudando a corroer a ética de trabalho de toda uma geração”. Com isso ele quis dizer que os trabalhadores podem começar a ter ideias acima de sua posição, questionar o sistema capitalista de escravidão assalariada e começar a exigir melhores condições.Os interesses da classe operária e da burguesia, não apenas no Reino Unido, mas em todo o mundo, são totalmente antagônicos e neste momento distanciam-se ainda mais, tornando-se uma luta de vida ou morte. Como então pode haver uma unidade nacional?
Como chegamos a isto?
Jeremy Corbyn renunciou à liderança do Partido Trabalhista após perder as eleições em dezembro de 2019 para Boris Johnson. Essa saída pôs fim a cinco anos de uma guinada do partido à esquerda, período em que foram abertas as portas para milhares de jovens e deu-se vazão às ideias socialistas da base.
Corbyn e as lideranças do Momentum (movimento de base que o apoiava) tiveram responsabilidade central tanto na derrota eleitoral do final do ano passado quanto na recente disputa partidária. Seguidas concessões foram feitas à ala direita do Partido Trabalhista. Entre elas apoiar um novo referendo sobre o Brexit contra a vontade da maioria do povo, que em 2016 optou por sair da União Europeia. Além disso, Corbyn perdeu seguidas oportunidades de colocar para fora do partido a ala que ainda apoiava o antigo primeiro-ministro Tony Blair, conhecidamente de direita.
A lição disso é que a principal força da esquerda reside na sua participação ativa no movimento de massas e na defesa intransigente das ideias socialistas. Se a direção não estiver preparada para mobilizar sua base e derrotar a direita, a direita não terá escrúpulos em usar seu controle da burocracia e do Estado para pisar na esquerda.
Isso ficou ainda mais evidente na última semana, quando vazou um relatório interno com mais de 800 páginas contendo e-mails, conversas de WhatsApp e documentos que demonstram a sabotagem aberta da ala direita do Partido Trabalhista contra Corbyn. Remanescentes da era Blair ainda mantidos na burocracia do partido trabalharam abertamente pela derrota eleitoral, desviaram recursos e ajudaram em uma campanha difamatória em que o partido foi acusado de antissemitismo por defender a Palestina.
Corbyn e os dirigentes do Momentum vacilaram e tentaram manter a conciliação com a ala direita. Foi isso que levou aos resultados atuais. Desmoralizada pela derrota nas eleições de 2019 e pela renúncia de seu líder, 56% dos filiados do partido deram seu apoio a Starmer, que prometia paz, camaradagem e unidade.
Ficar e lutar
A luta de classes se intensifica acompanhando o aprofundamento da crise do capitalismo. Como não poderia deixar de ser, esse processo se reflete no interior do principal partido de oposição da quinta maior potência econômica do planeta. O Partido Trabalhista tem uma história de mais de um século e continua influenciando o movimento operário de todo o mundo. Nos últimos cinco anos ele voltou a inspirar milhões de jovens e trabalhadores. É isso que explica as lutas encarniçadas em seu interior.
No entanto, não há como apagar os últimos anos, em que o Labour Party renasceu para a luta contra o capital e renovou sua base. O vazamento do relatório de sabotagens poucos dias após a vitória de Starmer já causa um grande alvoroço. Além disso, é inevitável que o novo líder trabalhista precise enfrentar em algum momento a escolha entre apoiar um governo conservador e a austeridade que os patrões exigem ou organizar a luta e mobilizar o movimento trabalhista em torno de políticas socialistas genuínas. Nesse momento, as ilusões se mostrarão claramente como ilusões.
A esquerda deve, portanto, permanecer no partido e lutar. É preciso criar um movimento de massa capaz de aplicar uma força muito maior. Isso só pode ser feito mobilizando os jovens e trabalhadores em torno de uma alternativa socialista clara à atual falência e barbárie do capitalismo. Essa é a tarefa dos marxistas.