Como se combate o imperialismo? Acerca dos acordos PSUV-PPT e PSUV-PCV

No dia 26 de fevereiro, na sede do Comitê Central do Partido Comunista da Venezuela (PCV)[1] no Edifício Cantaclaro, firmou-se o acordo unitário entre o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV)[2] e o PCV, ao mesmo tempo em que a cúpula do galo vermelho [referência ao PCV] proclamou Nicolás Maduro como seu candidato à presidência da república. Dias antes, em 21 de fevereiro, mas desta vez no Teatro Municipal de Caracas, o Pátria para Todos (PPT)[3] fez o mesmo, completando assim os partidos do Grande Polo Patriótico que apoiaram a candidatura do PSUV. Desta maneira, fecham-se as consultas de ambas as cúpulas à sua militância, tanto na Assembleia do PPT como na XIV Conferência dos Comunistas.

Nós da Corrente Marxista do PSUV – Lucha de Classes temos acompanhado e estudado os documentos que serviram de base aos debates de ambas as cúpulas, ao mesmo tempo em que, internamente, convocamos toda a nossa militância a fazer um amplo debate acerca da situação atual e da candidatura presidencial em todos os organismos de base (células), assembleias locais, sindicatos, universidades e espaços de intervenção, tomando como ponto de partida nosso documento “O chavismo precisa de um candidato alternativo?”.[4]

Por meio destes debates, aos quais se soma uma análise marxista de todo o governo do Presidente Maduro, mas sobretudo dos últimos 10 anos, chegamos à conclusão de que a tendência geral do governo e da direção psuvista é a conciliação e o pacto com a burguesia nacional, com o fim de salvaguardar o modelo rentista e permanecer no poder, ainda que ao custo do sofrimento e das penúrias do povo, tendência que, além disso, é produto irreversível da debilidade de um regime que, cada vez mais, apoia-se mais em medidas coercitivas para conter a insatisfação.

Por isso, no dia 9 de fevereiro, enviamos uma carta ao PCV, ao PPT e ao restante das organizações e movimentos sociais que conformam o poder popular com o título “Voltar a Chávez e Renovar a Esperança, por uma Alternativa Revolucionária”, explicando nossa decisão em construir uma alternativa revolucionária com um programa socialista, documento em que, além disso, expomos as contradições do governo e recomendamos todos aqueles que desejem se aprofundar nos argumentos que nos levaram a tomar essa decisão. Essa carta foi acompanhada, também, de uma reunião bilateral entre uma representação da Secretaria Política do PCV e do Comitê Executivo (CE) de nossa corrente, na qual expomos nossa linha política e fizemos o chamado para construir uma alternativa revolucionária.

Uma concepção etapista

Uma das principais razões que ambas as cúpulas dão para o apoio a outra candidatura de Maduro é a defesa da “integridade territorial” frente ao ataque imperialista que “põe em risco a perspectiva de liberação nacional”. A mensagem foi repetida por Maduro quando disse: “Neste momento não se trata de esquerda ou direita. É a grande Venezuela que está em jogo. A Revolução é com todos e todas e aqui não sobra nada”[5]. Esse argumento, núcleo de ambos os acordos, não resiste, entretanto, à mínima análise marxista.

Consideramos que o erro destes partidos concentra-se em uma concepção etapista da revolução, pela qual primeiramente haveria de se resolver a “contradição principal” imperialismo-nação, o que é conseguido com a “unidade das forças patrióticas”, para então avançar na construção socialista.

Nós do Lucha de Clases reconhecemos a real ameaça que representa o imperialismo estadunidense e condenamos todas as ações veladas ou não, realizadas para derrubar governos por todo o mundo, em especial na Venezuela, porém, como temos assinalado, a política do governo, longe de apresentar uma resposta ao imperialismo, é dócil diante das agressões. É possível considerar anti-imperialista um governo que cede soberania com a aprovação da Lei Constitucional de Proteção ao Investimento Estrangeiro? Por que se permite que Todd Robinson, encarregado de negócios estadunidense, conspire abertamente em Caracas com toda a oposição e não seja expulso do país? É, por acaso, anti-imperialista reconhecer uma dívida de US$ 1,032 bilhões com a Gold Reserve? Dívida rejeitada pelo comandante Chávez, que expulsou a mineradora do país e a quem o atual governo abre novamente as portas em uma clara traição ao legado do Comandante.

No mesmo sentido, o pagamento da dívida externa, do qual o governo se orgulha, na realidade significa a entrega da renda petrolífera aos abutres especuladores detentores de títulos, à custa das importações de alimentos e medicamentos. Isso não é uma política anti-imperialista consequente, mas tentativas de se reconciliar com os capitalistas.

Na Venezuela, país de economia dependente cuja burguesia não tem a capacidade de levar por si própria um processo de emancipação e, portanto, é dócil ao imperialismo, todo processo de liberação nacional deve ser conduzido pelo proletariado. Che Guevara explicou isso nos anos 1960 com estas palavras: “Nas atuais condições históricas da América Latina, a burguesia nacional não pode encabeçar a luta antifeudal e anti-imperialista. A experiência demonstra que em nossas nações essa classe, mesmo quando seus interesses são contraditórios aos do imperialismo ianque, foi incapaz de se contrapor a este, paralisada pelo medo da revolução social e assustada pelo clamor das massas exploradas”. Em outro discurso assinala: “As burguesias nativas perderam toda sua capacidade de oposição ao imperialismo – se é que um dia tiveram – e somente formam seu comboio. Não há mais mudanças a se fazer; ou a revolução socialista ou o arremedo de revolução”. Não há, portanto, um setor da direita anti-imperialista. A defesa da pátria contra o imperialismo, se significa algo, não é que não seja “nem de esquerda nem de direita”, mas que só se pode concretizar mediante um programa anticapitalista.

Somente expropriando os setores essenciais da economia e planificando esta por meio do controle democrático e transparente dos trabalhadores é possível fazer frente às agressões, sabotagens e bloqueios imperialistas. Nisso se baseia a teoria da Revolução Permanente de Trotsky.

Um governo realmente anti-imperialista, diante de uma agressão como a atual, deve imediatamente armar aos trabalhadores e tomar medidas contra os especuladores e banqueiros que diminuem a capacidade do povo de travar uma luta de resistência. Ao contrário, o governo insiste em sua política de demissão e judicialização dos trabalhadores combativos, desmoralizando assim aqueles que são o verdadeiro sustentáculo de qualquer processo revolucionário.

O presidente, ao chamar à formação de uma frente ampla em que se encontram em igual nível o patrão e o trabalhador, faz é cair nesta errada concepção de etapas próprias do menchevismo, relegando a luta de classes e subordinando aos trabalhadores à burguesia “patriota” para defender a integridade nacional.

Na realidade, a única maneira efetiva de combater ao imperialismo é tomando medidas de expropriação contra a oligarquia, que é seu agente dentro do país, como explicamos em nossa declaração “Escalada da agressão imperialista contra a Venezuela – responder com medidas revolucionárias”[6]. Não se pode separar as tarefas da luta contra o imperialismo daquelas da luta contra a oligarquia (os capitalistas, banqueiros e latifundiários).

Debilidade do povo ou crise da direção?

Outra das justificativas é que os acordos formam parte de uma estratégia de acumulação de forças. O que, por sua vez, parte de uma concepção segundo a qual o movimento popular é débil, não está suficientemente maduro, está desarticulado ou está alinhado ao PSUV, o que dificulta lançar uma candidatura alternativa.

O que realmente este argumento encobre é a profunda crise de direção, a ausência de um partido revolucionário que consiga se apresentar como uma verdadeira alternativa. É precisamente a proteção do povo que garantiu a vitória dos comuneiros de El Maizal e a dos comunistas nos municípios de Simón Planas, no Estado de Lara, e de Libertador, em Monagas, e é precisamente sua direção que os chamou à calma, é a proteção do povo que não permitiu que o processo fosse perdido, que resgatou Chávez em 2002, que venceu a greve petroleira e que votou contra a violência da ultradireita (as guarimbas[7]) e pelo aprofundamento socialista da Revolução Bolivariana que nunca aconteceu.

Como marxistas devemos assinalar que, em momentos críticos, as massas são capazes até de empurrar suas lideranças reformistas e burocráticas como se fez durante o período de Chávez em que houve ocupações de empresas. Em momentos de distensão, porém, em que as massas não vêm satisfeitas suas necessidades e ainda são golpeadas, estas procuram uma liderança a se agarrar em sua luta defensiva.

Consideramos que se o que é buscado de verdade é acumular forças, em vez de firmar um pacto que o PSUV está incapacitado de cumprir (pois se já quisessem, teriam ao menos liberado Elio Palacios), o que se deveria fazer é demarcar, confrontar as tendências oportunistas, reformistas e entreguistas e disputar a hegemonia do movimento para o PSUV, oferecendo ao povo uma alternativa revolucionária, com um programa socialista para sair da crise. Ao contrário, chega-se a acordos que são, na realidade, cartas de boas intenções, pois não contemplam uma só medida revolucionária, como seria a nacionalização do comércio exterior ou do sistema bancário e no caso, por exemplo, do reajuste salarial ou da aprovação de uma lei de conselhos socialistas de trabalhadores, não são dados os termos nem os prazos.

Em seu discurso, Oscar Figuera, secretário-geral do PCV, destacava que “nem toda a estratégia podia ser colocada ao alcance do inimigo”, o que faz supor que as negociações incluíram medidas que não estão presentes no acordo. O problema aqui não é tanto o inimigo, mas os militantes revolucionários que se perguntam se as boas palavras contidas no acordo (apesar de seu caráter limitado) serão colocadas em prática ou não. O que nós militantes revolucionários observamos da política e das ações da liderança do PSUV no último período e o que queremos saber é se vão reconhecer os camaradas que ganharam as eleições em Simón Planas, em Lara, e em Libertador, em Monagas. Se os sindicalistas presos serão libertados e suas acusações retiradas. Essas coisas não podem ser negociadas “à parte”, mas acordadas abertamente e explicadas com a militância trabalhadora e revolucionária. Do contrário, a direção do PCV está nos pedindo que confiemos nas boas palavras da direção do PSUV, que, como sabemos, não passa da mera retórica esquerdista. Como se costuma dizer “obras são amores e não boas razões”.

O acordo, apresentado como um avanço, como um passo à frente, é na realidade um retrocesso no caminho seguido acertadamente de construção de uma alternativa revolucionária. E mais, poucos dias depois de assinado o acordo e as boas palavras que contém já estão sendo violados. O acordo, por exemplo, fala de “fortalecer o salário e restaurá-lo como componente principal e majoritário da renda das e dos trabalhadores” e os camaradas do PCV insistiram, corretamente, em se opor ao fato de que o auxílio-alimentação representa uma porcentagem maior da renda, enquanto se desvaloriza o salário em si. No último aumento anunciado pelo presidente Maduro, contudo, viola-se esse acordo, pois o salário aumentou 58%, enquanto o auxílio-alimentação aumentou 67%. O salário diminui percentualmente de 31% para 30% do total.

O acordo fala de “fortalecer e resguardar os direitos trabalhistas” e promete “identificar e canalizar a restituição dos direitos violados de trabalhadores e trabalhadoras nos casos já solicitados ou que possam ser feitos em entidades de trabalho públicas e privadas”. Na realidade, o que vemos é o contrário. Os dirigentes sindicais do Laticínio Los Andes que foram detidos por protestar seguem tendo contra eles as acusações. O dirigente  sindical do setor de energia elétrica, Elio Palacios, detido pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) por denunciar a grave situação do setor e a responsabilidade da gerência, segue preso. A esses casos se soma agora a sentença da Inspetoria do Trabalho de Miranda, de 1º de março, autorizando a demissão de Denny Brazón, secretário de organização do Sindicato Bolivariano dos Trabalhadores da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) (SINBTRACON), em um claro caso de represálias por sua atividade sindical. A gravidade do caso é que, além disso, o camarada tem imunidade sindical.

Essa é a política real da direção do PSUV e do governo, além de palavras em um pedaço de papel. Se o PCV quer defender a classe trabalhadora e lutar contra o imperialismo, cedo ou tarde essa defesa vai entrar em contradição com a política da direção psuvista.

Em nossa opinião, o mais importante neste momento é esclarecer com que programa podemos realmente combater o imperialismo e organizar sobre essa base uma alternativa revolucionária. Fazemos um chamado aos camaradas do PCV e da Juventude Comunista da Venezuela (JCV) a refletir sobre essa questão.

De nossa parte, com nossas forças limitadas, seguiremos agitando acerca da necessidade de construir uma alternativa revolucionária que se baseie firmemente em um programa anticapitalista, o único que pode combater o imperialismo de maneira eficaz.

Para isso temos colocado à disposição do chavismo revolucionário e socialista nossa organização, para que por meio das ideias do marxismo possamos ir a passos firmes formando uma direção que não seja freio das lutas, mas que as acompanhe e desenvolva até suas últimas consequências: a destruição do Estado burguês.

Para combater o imperialismo é necessário um programa revolucionário anticapitalista!

Una-se à Corrente Marxista, instrumento de luta da classe trabalhadora!

Artigo da Corriente Marxista del PSUV – Lucha de Clases, sessão venezuelana da Corrente Marxista Internacional, sob o título “¿Cómo se combate al imperialismo? A propósito de los acuerdos PSUV-PPT y PSUV-PCV”, publicado em 14 de março de 2018. 

Tradução de Nathan Belcavello

[1] PCV, fundado em 1931, atualmente o partido mais antigo da Venezuela, membro do Grande Polo Patriótico, agrupamento político de sustentação da Revolução Bolivariana (Nota do Tradutor – N.T.).

[2] Partido Socialista Unido de Venezuela, fundado em 2007 por Hugo Chávez, como tentativa de unificar os grupos políticos de sustentação da Revolução Bolivariana sob uma mesma sigla partidária, onde intervêm os camaradas da sessão venezuelana da Corrente Marxista Internacional (N.T.).

[3] Patria Para Todos, partido fundado em 1997, membro do Grande Polo Patriótico, mas com uma atuação intermitente de apoio e contrária ao governo de Chávez (N.T.).

[4] Documento em sua versão em espanhol ¿Requiere el chavismo un candidato alternativo? <https://www.marxist.com/requiere-el-chavismo-un-candidato-alternativo.htm> (N.T.).

[5] Venezuela está en juego, no se trata de izquierda o derecha <http://www.psuv.org.ve/temas/noticias/coyuntura-pueblo-venezolanos-ideologia-politica/#.WrTqnujwaUk> (N.T.).

[6] Declaração em sua versão em espanhol Escalada de la agresión imperialista contra Venezuela – responder con medidas revolucionarias <https://www.marxist.com/escalada-de-la-agresion-imperialista-contra-venezuela-responder-con-medidas-revolucionarias.htm> (N.T.).

[7] Tumultos promovidos pela oposição nas cidades da Venezuela durante, principalmente, as eleições regionais e para a formação da Assembleia Nacional Constituinte em 2017 (N.T.).