Conselho Federal de Medicina ataca o direito ao aborto legal

A atual crise do capitalismo ataca continuamente os direitos conquistados pela luta da classe trabalhadora. O direito em risco desta vez é sobre o corpo das mulheres, trata-se do direito ao aborto, inclusive nas condições já limitadas previstas pela lei vigente. No dia 3 de abril, foi publicado uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) no Diário Oficial com a proibição da assistolia fetal, que é a prática usada para induzir o aborto em gestações após 22 semanas nos casos previstos pela lei: quando a gravidez causa risco à vida da mulher, quando o feto for anencéfalo ou a gravidez for resultante de um estupro. Este procedimento, proibido pela resolução, serve para interromper os batimentos cardíacos do feto ainda dentro do corpo da mãe para impedir que ele saia do útero ainda com sinais vitais e cause mais danos psicológicos à mulher e à equipe médica envolvida.

O relator da resolução, Raphael Câmara Parente, que foi secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro, alega que a realização do aborto nesta idade gestacional seria equivalente a matar bebês quase formados, sugerindo que se realizem partos antecipados nestas situações. Deste modo, eleva-se o que ele entende por direitos de um feto, que sequer se formou completamente, e se nega completamente o direito das mulheres sobre os seus corpos, mesmo em casos em que o aborto é permitido por lei.

Parte dos médicos discutem a suposta viabilidade de fetos após 20 semanas de gestação e se não seriam estes quase preparados para a vida fora do corpo da mãe, como se fosse exatamente esse o marco que definisse o feto como bebê formado.

As consequências dessa medida podem ser vistas em casos recentes:

“Desde a publicação da norma na quarta-feira (3), a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) já foi comunicada de pelo menos quatro casos de mulheres e crianças estupradas, com gestações avançadas, em que os médicos estão temerosos em interromper a gravidez devido ao veto imposto pelo CFM. Um desses casos é de uma menina de 12 anos que está grávida de 27 semanas. Há autorização judicial para o aborto mas, mesmo assim, a equipe médica teme sofrer represálias do CFM.”1

Na cidade de São Paulo, entre os anos de 2019 e 2022, 371 partos de meninas da idade entre 10 e 14 anos foram realizados ao passo que neste mesmo período e faixa etária, apenas oito abortos legais foram realizados, mesmo todas tendo direito por serem situações configuradas, devido à idade, como estupro de vulnerável. São inúmeros os entraves mesmo em situações previstas em lei, tanto devido a decisões completamente ilegais da justiça burguesa, quanto por proibições familiares de diferentes ordens, além do moralismo religioso existente por parte dos médicos e enfermeiros que atuam na área. A resolução do CFM serve para formalizar mais uma proibição às mulheres de terem controle sobre os próprios corpos.

Portanto, as que mais sofrem com essa nova resolução são as mulheres que se encontram em maior situação de vulnerabilidade econômica, social e psicológica, isto é, as mulheres da classe trabalhadora. Ou seja, são justamente aquelas que demoram mais para buscar o seu direito ao aborto já previsto em lei, pois, majoritariamente, são jovens e até mesmo crianças que sofreram abusos dentro de casa por parte de parentes ou amigos da própria família.

Além desses entraves, a utilização de métodos contraceptivos é constantemente dificultada. No início deste ano, a unidade Pompeia do Hospital São Camilo negou-se a colocar um dispositivo intrauterino (DIU) em uma paciente por se considerar uma instituição religiosa que não realizaria nenhum método contraceptivo, nem mesmo vasectomia ou laqueadura. Mesmo sob os marcos legais da democracia burguesa, seria inconstitucional, pois o papel do hospital particular seria de complementar o atendimento do SUS e, em um Estado laico, a negação deste atendimento devido a preceitos religiosos seria evidentemente um ataque aos direitos humanos. Porém, a justiça burguesa entende que uma instituição confessional de saúde pode se negar, mesmo que esteja recebendo verba pública através de um Estado que deveria ser laico.

No âmbito do serviço público de saúde, o cenário não é diferente. Em São Paulo, o Hospital Municipal Vila Nova Cachoeirinha, referência para a realização do aborto legal e o único que o atendia após as 22 semanas de gestação, não atende o serviço desde dezembro de 2023! Para tanto, a Secretaria de Saúde da cidade apresentou duas justificativas oficiais: aumentar o atendimento a outros procedimentos cirúrgicos, em especial endometriose, e “investigar” irregularidades nos procedimentos realizados na unidade, o que claramente poderia acontecer sem precisar suspender o serviço às mulheres que necessitem.

Após a suspensão do atendimento ao aborto legal neste hospital, a Prefeitura trocou o comando da unidade e colocou na direção a ginecologista Marcia Tapigliani, que é filiada ao PL e foi candidata a deputada estadual em 2022 sob a bandeira antiaborto e na suposta defesa da vida.

Judicialmente, a Prefeitura de São Paulo tem hoje uma liminar que permite que o aborto legal na unidade continue suspenso. Diante disso, as mulheres que vão ao Hospital Vila Nova Cachoeirinha são redirecionadas aos outros hospitais de São Paulo que realizam. Entretanto, não possuem a mesma capacidade de atendimento e só realizam o aborto até 22 semanas de gestação, deixando desamparados todos os outros casos.

Se a preocupação da Prefeitura fosse de fato atender as mulheres com endometriose, abriria novos leitos de hospitais e, além disso, tomaria como prioridade a reabertura completa do Hospital Sorocabana. Mas todas as justificativas oficiais não passam de engodos para encobrir que se trata simplesmente de ataques às condições de vida das mulheres trabalhadoras, expondo-as a gestações de risco e a traumas por serem obrigadas a gestar, incumbidas à maternidade contra suas vontades. Por trás de tudo isso, há uma pressão religiosa gigantesca da base de apoio e parlamentares bolsonaristas para atender as demandas da burguesia.

Se os políticos da burguesia fossem realmente defensores da vida das crianças, dariam condições às famílias para pleno desenvolvimento de todas oferecendo moradia, alimentação, saúde, lazer e educação a todas. Ou seja, não regulando e restringindo o aborto, mas oferecendo condições materiais para as famílias que pretendem ter filhos cuidar bem deles.

Portanto, não há coincidência alguma entre estes ataques coordenados às mulheres trabalhadoras que buscam o aborto legal. A nova resolução do CFM foi testada na prática pela Prefeitura de São Paulo antes mesmo de ser colocada em debate ou ter aparecido no Diário Oficial. Isso aconteceu a mando de Ricardo Nunes (MDB), que pretende se reeleger aliando-se ao bolsonarismo a fim de receber apoio de seus candidatos a vereador e parlamentares.

Diante do apodrecimento do sistema capitalista, toda pretensa liberdade prometida pela burguesia em sua fase ascendente se esfacela e se converte na deterioração e ataques diretos e violentos às condições de vida da classe trabalhadora. Dessa maneira, todos os direitos conquistados através da luta e organização dos trabalhadores são ameaçados e constantemente atacados pela burguesia para que se mantenha como classe dominante, explorando de forma cada vez mais bruta a classe trabalhadora.

Na Argentina, o direito ao aborto está sendo novamente posto em xeque pelo governo de Javier Millei, que pretende proibir a interrupção voluntária da gravidez após a 14ª semana de gestação. Este direito havia sido conquistado em 2021 após grandes manifestações da classe trabalhadora e esse ataque é a resposta moralista da base governista para aprovar a “Lei Omnibus”, um megapacote de cortes e privatizações que atacam a fundo os direitos da classe trabalhadora argentina.

Na Argentina, o direito ao aborto está sendo novamente posto em xeque pelo governo de Javier Millei

No estado de São Paulo, o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende privatizar todos os serviços públicos, desde os transportes sobre trilhos, passando pelo leilão do prédio do Hospital do Servidor Público (IAMSPE) e até mesmo a entrega de escolas públicas à administração de empresas privadas. Estes são ataques diretos aos serviços públicos que atendem à classe trabalhadora, colocando-os ainda mais sob os interesses da burguesia para que extraia ainda mais lucro enquanto piora ainda mais as condições de vida de nossa classe.

No Brasil, mesmo em casos previstos em lei, as mulheres encontram incontáveis dificuldades para a realização do aborto. Não raramente, juízes colocam mulheres e até mesmo meninas menores de 15 anos que sofreram abuso e violência sexual em posição de constrangimento e degradação para desencorajá-las a exercer o direito ao aborto

A resposta dos comunistas é a defesa da legalização do aborto e que seja acessível no sistema público de saúde a todas as mulheres que queiram realizar o procedimento, ou seja, não apenas nas exceções que a lei permite, mas também em todos os casos de gestações indesejadas. Além disso, é urgente que tanto mulheres quanto homens tenham acesso livre a diferentes tipos de contraceptivos, desde preservativos até mesmo à vasectomia e à laqueadura.

Esse é um direito que só foi conquistado após fortes mobilizações do conjunto da classe trabalhadora. Maior exemplo foram as conquistas das mulheres na antiga União Soviética (URSS), que legalizou o aborto em 1920 disponibilizando-o gratuitamente através do serviço de saúde pública, além do direito ao divórcio e à licença maternidade remunerada. Mesmo que o direito ao aborto gratuito tenha sido revogado pelo regime stalinista anos depois, este é um exemplo claro de como apenas a luta conjunta da classe trabalhadora pode resultar na sua emancipação, que é apenas através de uma revolução proletária que todas as opressões serão postas abaixo, juntamente com o sistema capitalista exploratório, que se baseia nelas e as fomenta.

A saída revolucionária para essa situação é a luta de homens e mulheres da classe trabalhadora em defesa dos direitos das mulheres de sua classe, visto que as mulheres da burguesia conseguem, por exemplo, acesso ao aborto em clínicas clandestinas onde os preços são altíssimos. Por isso, defendemos as reivindicações transitórias que se apoiam nas lutas cotidianas da classe trabalhadora e as direcionam para a revolução socialista. Enquanto houver capitalismo nossos direitos seguirão sob constantes ataques, não há outra saída senão sua derrubada pelas mãos da classe trabalhadora a fim de se construir uma sociedade livre da exploração humana, para assegurar todos os direitos históricos a todos os trabalhadores.

Para além do direito ao aborto, as mulheres trabalhadoras necessitam de meios materiais para a manutenção de suas vidas. Por isso os comunistas defendem: salário igual por trabalho igual, abaixo assédio nos ambientes de trabalho.

Para as famílias e, em especial, às mães e às mulheres que querem ter filhos, é essencial combater pela socialização do trabalho doméstico, atravésda criação de lavanderias e restaurantes coletivos, a fim de tirar dos ombros da mulher a responsabilidade de manutenção dos ambientes domésticos, tornando-os de responsabilidade da sociedade inteira. Também é essencial a extensão da licença maternidade e paternidade. Além disso, a socialização dos cuidados com as crianças, em especial pela reivindicação do direito à creche a todas as crianças, para seu pleno desenvolvimento e permitir que as mães possam ter uma vida social e estejam inseridas na produção social, tirando-as do claustro da escravidão dentro dos serviços de cuidado e domésticos.

Essas são as demandas mais urgentes às mulheres e às famílias trabalhadoras e para defendê-las é necessário entrar no combate por elas. Se você defende a emancipação da classe trabalhadora e o fim da opressão sobre as mulheres da nossa classe, então organize-se com a Organização Comunista Internacionalista (OCI), o Movimento Mulheres Pelo Socialismo (MPS) e venha construir conosco a Internacional Comunista Revolucionária.

Lutar pelo comunismo, por uma sociedade que liberte a mulher de toda violência e opressão!

Referências:

1 https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/04/veto-a-procedimento-de-aborto-legal-ja-afeta-atendimentos-a-meninas-estupradas.shtml

HELLMANN, Francine. A luta pelo direito ao aborto na Argentina e em todo o mundo. Edição 34 do Jornal Tempo de Revolução.

REY, David. O trabalho doméstico é um trabalho “não remunerado”? Como uma premissa teórica falsa conduz a uma posição reacionária na prática. Revista América Socialista 18.

TROTSKY, León. Programa de Transição. Ed. Sundermann, 2017.

Links acessados:

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/04/norma-do-cfm-inviabilizara-aborto-legal-acima-de-22-semanas-dizem-especialistas.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/04/veto-a-procedimento-de-aborto-legal-ja-afeta-atendimentos-a-meninas-estupradas.shtml

https://www.instagram.com/p/C5oWmtrOVkS/?igsh=NDJoZmhrNzdvMHVq

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/01/24/hospital-particular-de-sp-se-recusa-a-colocar-diu-em-paciente-por-seguir-diretrizes-catolicas-instituicao-pode-negar-entenda.ghtml

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/02/05/prefeitura-de-sp-consegue-liminar-para-manter-suspensao-do-aborto-legal-no-hospital-vila-nova-cachoeirinha.ghtml

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sp-prefeitura-suspeita-de-abortos-ilegais-no-hospital-cachoeirinha-e-nao-retoma-servico

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/05/25/nunes-assina-transferencia-de-terreno-do-hospital-sorocabana-para-a-prefeitura-e-promete-reabertura-em-dois-anos.ghtml

https://www.cartacapital.com.br/politica/apos-suspender-aborto-legal-prefeitura-de-sp-entrega-hospital-de-referencia-a-militante-pro-vida

https://piaui.folha.uol.com.br/a-politica-da-obstrucao-aborto-legal

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/03/mulheres-enfrentam-recusa-medica-e-humilhacoes-para-acessar-aborto-legal-no-brasil.shtml

https://www.metropoles.com/sao-paulo/leilao-privatizar-ensino-sp-novembro