A privatização da educação pública vem a galope em 2023 com a contrarreforma do Novo Ensino Médio (NEM), tendo o estado de Santa Catarina como modelo.
Educação Empreendedora: a iniciativa privada se beneficiando do dinheiro público
Acordado em 13 de abril, o programa “Educação Empreendedora” entre o governo Jorginho Mello e as instituições educacionais da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) com o Sistema S – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) –, escancaram as portas das escolas estaduais para a iniciativa privada.
O programa utiliza da prerrogativa do Novo Ensino Médio (NEM) dos chamados Itinerários de Formação Técnica e Profissional – Itinerário V, onde o aluno também faz um “curso técnico” durante o Ensino Médio, como apontam os parágrafos do artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a lei 9.394/1996.
Dessa forma, o estudante cumpre as já reduzidas disciplinas do núcleo comum e as eletivas do NEM até determinado período de seu turno e complementa a carga-horária em outra escola, cursando técnicos como o de Logística ministrado pelo Senai, e com possibilidade de realização destes cursos de formação a distância.Tudo isso regulamentado pelo Novo Ensino Médio em uma promiscuidade infame entre o público e o privado.
Com isso, o governo catarinense passa a pagar R$ 120 milhões ao Sistema S pelas ações privatistas. Nem mesmo o equivocado e limitado Fundeb, que deveria destinar verbas exclusivas para as escolas públicas, passa incólume, pois é burlado com esse convênio com seus recursos destinados ao Senai/Senac.
Tal acordo selado entre o governo Jorginho Mello e o Senai/Senac prevê retirar 20 mil estudantes (10 mil ao ano) da educação pública nos próximos dois anos, acompanhado de uma massiva propaganda ideológica da Fiesc, que visa garantir a formação técnica com dinheiro público a seu bel prazer, criando um exército de reserva qualificado e podendo reduzir o custo do trabalho, ou seja, uma enorme engrenagem que visa garantir e aumentar os lucros burgueses na fase crítica do capitalismo.
Na prática, isto amplia o sucateamento da rede pública estadual e exime o Estado de sua obrigação de organizar a educação básica, além do que promove uma promiscuidade visando ações eleitorais, do eterno toma lá e dá cá. A rede estadual de Santa Catarina tem corpo técnico e estrutural que poderia garantir um ensino qualificado, inclusive técnico, mas o governo de SC se recusa a investir no público.
Aos professores, o programa “Educação Empreendedora”, alicerçado pelo NEM, impulsiona o desemprego em massa de uma categoria majoritariamente formada por contratados temporariamente. Professores que, ao fim deste primeiro semestre, já estão tendo seus contratos rompidos, somados por assédios e ameaças das direções com a anuência da gerência de educação e pela propaganda de desqualificação do próprio secretário que, para justificar a privatização, ataca os professores dizendo que na Rede Estadual tudo é ruim, inclusive os professores, como se viu na entrevista de 17 de julho:
“(…) segundo ele [Aristides Cimadon, secretário de Estado da Educação em SC], o ensino é muito ruim. Perguntei em quais pontos o secretário considera ruim, e a resposta foi direta: “em tudo”. Cimadon não poupou nem mesmo os professores ao definir como ruim a qualidade das escolas e dos próprios educadores.”1
Uma maneira maquiavélica de justificar o desvio de dinheiro público para iniciativa privada. Para o futuro, não tão distante, esses ataques destroem também a previdência social dos trabalhadores em educação concursados, pois reduzem a rede e, portanto, eliminam novos concursos e acabam com a previdência solidária. Fica evidente o tamanho do problema em todas as suas vertentes e, como dizemos há anos, isso consiste no fim da escola pública, gratuita e para todos.
Os sindicatos, a Ubes, o Conselho da USP para o NEM e as manobras
Enquanto a insatisfação dos professores e alunos cresce a cada dia, os sindicatos dos professores em todo país têm trabalhado na contramão da revogação utilizando todo o aparato disponível para não organizar a luta. Desorganizam, deixam os professores isolados e negociam qualquer migalha. Da mesma forma, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) é cada dia mais ausente da vida dos jovens secundaristas e as ações de desprezo pelo NEM que vêm das escolas não conseguem ganhar o espaço necessário.
Do outro lado, os intelectuais tentam levar a luta para o campo institucional e manobram com elucubrações “teóricas” infindáveis e que ao fim e ao cabo validam a privatização. Este é o caso do documento divulgado no último dia 6 de julho, data limite da consulta pública promovida pelo governo federal sobre o NEM, pela Universidade de São Paulo (USP), a mais importante do país. Esta proposta, enviada ao Ministério da Educação (MEC), foi elaborada por pesquisadores , por meio do Grupo de Trabalho Ensino Médio e promovida pela pró-reitoria de graduação da universidade.
A Contribuição da USP para uma Política Nacional do Ensino Médio2 não se dispõe a combater de fato o NEM, mas, como o próprio documento afirma, apenas “propor caminhos que superem” o que eles chamam de “fragilidades da Reforma”.
Em alguns trechos do documento lemos análises corretas das consequências práticas do NEM e de problemas levantados por estudantes e trabalhadores da educação, que falam da impossibilidade dos estudantes de escolherem suas disciplinas, problemas de infraestrutura nas escolas e diminuição das matérias de formação básica etc.
Algumas propostas importantes também são levantadas, como a que pede o restabelecimento de uma carga horária de, no mínimo, 2.400 horas, mantendo-se um conjunto de matérias como “Artes, Biologia, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Espanhola, Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia”.
Se é verdade que o documento traz questões pedagógicas importantes, reivindicações históricas dos trabalhadores em educação, é mais verdade ainda que os pontos positivos do documento não anulam o erro brutal, a manutenção da privatização.
É o que podemos observar ao ler o ponto central da proposta ao sugerir “atividades complementares de formação (…) no interior das escolas, em articulação com entidades como institutos federais, escolas técnicas estaduais, rurais, Universidades, SESI, Senai, SESC, Senac, SEST-SENAT e outras”. O projeto defendido pela USP não fala da necessidade de investimento de verbas públicas na escola pública, fala de forma genérica em investimento em educação e comunga com a promiscuidade entre público e privado. Portanto, em uma análise mais profunda, ele comunga com a destruição da escola pública gratuita e para todos. Como exemplo, citamos o caso de SC. O que a Grupo de Trabalho da USP defende é exatamente o que Jorginho Mello do Partido Liberal está fazendo: “garantindo a qualidade” com a parceria com o Sistema S, medida que o governo de Santa Catarina está aplicando e que logo deve se espalhar para todo o Brasil.
Além do que, o documento joga a responsabilidade do NEM para toda a população e entidades organizadas, lidando com o imaginário popular de que a tarefa é de todos. O documento sugere que “Secretarias Estaduais de Educação, sob a coordenação do MEC e em diálogo com as Universidades, conselhos de educação, representações dos profissionais de educação, do(as) estudantes e da sociedade civil organizada” trabalhem em conjunto para a aplicação da reforma.
Baseando-se no modelo dos conselhos tripartites, que unem Estado, iniciativa privada e organizações da classe trabalhadora para, na prática, garantir os interesses da burguesia, a proposta da USP busca uma saída para evitar que a aplicação do NEM possa resultar em mobilização de estudantes, professores e do conjunto da sociedade, que rejeitou completamente a reforma no início do ano. Não comungamos deste engodo. Queremos que o governo revogue o NEM e cesse as privatizações. A tarefa das entidades é de organizar a luta.
O documento diz ainda que “foram realizadas diversas atividades de escuta” com trabalhadores em educação e estudantes, secundaristas e universitários. Isto é no mínimo uma ironia quando se observa qualquer escola secundária pública do país.
Revoga NEM!
Defendemos que todo o dinheiro necessário seja investido na educação pública, sem fundos reguladores que inviabilizam a universalização do ensino, muito menos que sejam entregues às instituições privadas.
Iniciativas que buscam a cooptação das “organizações da sociedade civil, dos movimentos sociais, dos sindicatos e universidades do empresariado”, por meio da “unidade” para “buscar garantir os recursos financeiros necessários” à aplicação do NEM partem de inimigos da educação pública disfarçados de apoiadores.
O dinheiro para garantir educação pública, gratuita e para todos existe, mas é destinado aos banqueiros e ao capital estrangeiro por meio do pagamento da dívida pública, externa e interna, e que consome mais da metade do orçamento federal brasileiro.
Não é recorrendo aos patrões que buscam apenas novas formas de lucrarem que resolveremos o problema, mas exigindo que se rompa com o pagamento da dívida pública e que toda verba necessária seja destinada para que a educação seja pública e universal em todos os níveis.
Chamamos a todos para mobilizar e dar continuidade à luta pelo #RevogaNovoEnsinoMédio! Os programas do governo Jorginho, “Educação Empreendedora” e “Universidade Gratuita”, efetivam a sanha pela privatização do Ensino Médio e Superior, em SC, e a “contribuição” da USP tenta dar um aval político para essas iniciativas. Por isso, precisamos combatê-los mobilizando para a luta a classe trabalhadora e a juventude, reiterando a campanha pela Revogação do NEM com a bandeira contra a privatização do Ensino Médio.
- Lula, revogue o Novo Ensino Médio!
- Pelo fim do pagamento da dívida pública, interna e externa!
- Por educação pública, gratuita e para todos!
1 Cimadon critica a situação da Educação e os professores; Santa Catarina quer vaga no STJ para Blasi; PL quer Patrícia como candidata em Blumenau entre outros destaques. SC em debate, 2023. Disponível em: https://scempauta.com.br/2023/07/17/cimadon-critica-a-situacao-da-educacao-e-os-professores-santa-catarina-quer-vaga-no-stj-para-blasi-pl-quer-patricia-como-candidata-em-blumenau-entre-outros-destaques/. Acesso em: 30 jul. 2023.
2 Contribuição da USP para uma Política Nacional do Ensino Médio. Jornal da USP, 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/wp-content/uploads/2023/07/GR193_doc.pdf. Acesso em: 27 jul. 2023.