Como se não bastasse a falta e a precariedade de empregos e serviços públicos, como educação, saúde e saneamento básico, os trabalhadores, em particular os jovens e negros, sofrem em meio ao fogo cruzado.
O Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da PM do RJ é identificado pela população como o responsável por promover as mais ferozes e cruéis invasões nas favelas, com a desculpa de combater o tráfico. Para tanto, utilizam-se de armamento de guerra e até um blindado conhecido caveirão.
O veículo possui uma grade na frente para arrasar bloqueios – forte o suficiente para empurrar um carro com facilidade – uma torre de tiro em cima que gira 360 graus e fileiras de posições de tiro em cada lado do caminhão, com capacidade para 12 policiais armados com rifles belgas FAL de calibre 7,62, capazes de penetrar vários tipos de alvos.
Um menino de 11 anos foi atingido e teve o topo da cabeça arrancado. “Eu quero justiça. Isso não pode ficar assim. Meu filho não era traficante, era uma criança, um sonhador”, disse a mãe Renata Ribeiro Reis, de 30 anos, durante o enterro, seguido por 300 moradores da comunidade do Caju.
“Vou pegar sua alma”
As duas camadas de blindagem resistem a armas de alta potência e a explosivos. Os pneus são revestidos com uma substância glutinosa que impede que sejam furados. As quatro portas travam automaticamente e não podem ser abertas pelo lado de fora. Nas laterais se vê o emblema: uma caveira fincada por uma espada e duas pistolas cruzadas atrás. Embora pese cerca de 8 toneladas, o caveirão pode alcançar velocidades de até 120km/h. Até o momento, as autoridades do Rio compraram 10 caveirões, por R$135 mil cada.
Quando passa, uma voz sinistra envia mensagens por um auto-falante, tais como: “senhores moradores, estamos aqui para defender a comunidade. Por favor, não saiam. É perigoso”. “Crianças, saiam da rua, vai haver tiroteio”. “Se você deve, eu vou pegar a sua alma”.
O comandante do BOPE, Venâncio Moura, afirma que o caveirão é parte da política de segurança pública do RJ. “Agiremos como na guerra convencional, onde o tanque vai na frente e a infantaria cerca o inimigo pelos lados”. Já o tenente-coronel Aristeu Leonardo Tavares, chefe do setor de Relações Públicas da PM busca justificar a truculência: “o blindado visa trazer maior segurança para os policiais militares. Quem está assustado está devendo”.
Porém, a população sabe que não é bem assim. “Não tem como eles, de dentro do carro, identificar quem é do bem. A própria cultura deles acha que quem mora na favela deve e é cúmplice”, avalia Edilson Santos Ernesto, diretor da Lona Cultural e compositor do funk “Sai caveirão”.
“Lutar é preciso”
Desde março, entidades de direitos humanos organizam uma coleta de assinaturas contra o uso do caveirão, reúnem relatos e denunciam a violência policial. O documento da Anistia Internacional, por exemplo, resume a situação que todos conhecem. “A disputa por pontos de drogas fez com que os traficantes se organizassem em facções rivais controlando e impondo leis próprias às comunidades pobres. A reação do governo do estado foi de iniciar uma série de incursões cada vez mais agressivas, com operações policiais em grande escala contra as favelas”.
Como se não bastasse a falta e a precariedade de empregos e serviços públicos, como educação, saúde e saneamento básico, os trabalhadores, em particular os jovens e negros, sofrem em meio ao fogo cruzado.
Por isso, a luta não pára. No dia 12 de outubro, moradores do Complexo da Maré protestaram contra o assassinato policial de cinco crianças em menos de um mês e no dia 24 de outubro, cerca de 500 moradores do Complexo do Alemão se reuniram num ato público.
Flávio Almeida, estudante e militante da JR, apóia a luta, porém, não acredita que a polícia possa ser saneada. “É uma ilusão achar que a luta contra a violência e o tráfico é uma luta separada do combate para sepultar o regime da propriedade privada dos meios de produção. Capitalismo sem tráfico ou acabar com o tráfico sem acabar com o capitalismo? Só mesmo quando o Cristo Redentor cruzar os braços”. Afinal, “o imperialismo se vale do tráfico para acumular capital”.
O Movimento Negro Socialista tem a mesma posição e organiza atividades para a semana do dia 20 de novembro – data que marca a morte do líder quilombola da época colonial, Zumbi dos Palmares – contra o racismo e o capitalismo como faces da mesma moeda.
Trecho do funk “Sai Caveirão”
O caveirão é um carro blindado
Cheio de cana, fuzil pra todo lado
Ele chega na favela e vai logo atirando
Pessoas inocentes ele vai alvejando
O governo tem que dar segurança
Mas vem o caveirão trazendo insegurança
Isso não pode acontecer
Quem mora na favela tem o direito de viver
Quem vive na favela não agüenta mais sofrer