Imagem: Ricardo Stuckert

COP-27: Lula desagrada “mercado”, mas mantém submissão à ONU

Em meio a um contexto global de crise econômica e degradação climática, Lula foi convidado, como presidente eleito, para discursar na Conferência Sobre As Mudanças Climáticas das Nações Unidas (“COP-27”). Mais que isso: disse que era uma alegria participar do evento “patrocinado pela ONU”, uma instituição que, para ele, “todos aprendemos a respeitar”.

Não só a plateia ficou impressionada positivamente com suas falas no evento, mas também tradicionais jornais do imperialismo. O The New York Times, por exemplo, disse que o discurso de Lula foi “exuberante” e “eletrizante”[1]. Em outra atividade, onde não leu o que iria falar, se colocou oposto à especulação no mercado financeiro e disse ser contra a ideia de responsabilidade fiscal e de teto de gastos, afirmação que fez a bolsa a cair e o dólar a subir.

Os “analistas de mercado”, então, foram aos montes, convidados pelos grandes veículos de comunicação burgueses, criticar Lula e defender a agenda de “reformas”, que têm como central a redução do Estado e a “flexibilização” das relações trabalhistas. Tudo para garantir a administração a níveis “saudáveis” da dívida pública (o que não quer dizer pagá-la) e aumentar o lucro das empresas brasileiras ao custo da degradação dos direitos e salários. A crise mundial faz com que os governos de “esquerda”, principalmente os com base sindical, sejam particularmente incômodos aos capitalistas. Tirando essa parte, gostaram do que Lula disse.

As questões que levantaremos aqui são: por que o tal “mercado” persegue certas afirmações de Lula ao mesmo tempo que aprova outras? E, a ONU seria capaz de contribuir para impedir as mudanças climáticas, ou seja, um trabalhador deveria estar e feliz com a participação de Lula e com o seu “respeito” à entidade?

A ONU, organizadora da COP-27, nasceu após a segunda guerra mundial, como proposta dos EUA, supostamente como um organismo multilateral voltado à mediação de conflitos, especialmente entre os países influenciados pela União Soviética e aqueles influenciados pelos imperialismos estadunidense – já dominante – e britânico.

Seu documento de fundação – a Carta das Nações Unidas –, no entanto, apesar de defender a liberdade de maneira ampla, os direitos humanos, a paz e o diálogo, é pura dissimulação: nem mesmo internamente os EUA asseguraram-nos, perseguindo nas décadas seguintes da fundação milhares de jovens e trabalhadores acusados de serem “comunistas” e exterminando fisicamente dezenas de lideranças do Partido Pantera Negra. Sem falar na sua política externa de extermínio, como vemos na gestão do massacre da Indonésia e na guerra do Vietnã.

Hugo Chavez foi preciso quando, em 2016, ao subir no palanque da assembleia geral da entidade, referiu-se ao ex-presidente dos EUA George Bush dizendo que ele havia deixado um “cheiro de enxofre”[2] no ar. Os EUA, liderança incontestável da ONU, desde sempre a utiliza como agência de espionagem, agressão militar e golpes de estado contra seus inimigos externos.

Alguns casos: as tropas da ONU já sequestraram o presidente do Congo – Lumumba, simpático à URSS – e o entregaram para amigos do imperialismo para torturá-lo e matá-lo; foram utilizadas na Guerra da Coreia contra os comunistas; e, dentre outros casos, como vimos recentemente no Haiti sob comando do governo Lula e do General Augusto Heleno (hoje um bolsonarista convicto). Após as “ações de paz” da ONU-Brasil no Haiti, o Congo passou a viver uma guerra civil interminável entre gangues sanguinárias. Como acreditar que a ONU irá agora trabalhar para cuidar do meio ambiente? Contar com ela como principal meio internacional é como fazer um pacto com o demônio esperando que ele criará o paraíso para as almas que o seguirem para o inferno. Lula e os líderes burgueses fizeram esse pacto.

Em resumo, Lula apresentou-se na Conferência como um estadista burguês e hábil intermediador de conflitos, não como um líder operário/sindical. Um trabalhador com pouca consciência de classe sabe que a responsabilidade pelas mudanças climáticas está longe de ser das massas trabalhadoras, que em sua maioria estão tentando garantir a subsistência na maior parte do dia. Quando Lula propõe uma “liderança global” para barrar a escalada do aquecimento, ignora que há sempre dois tipos de lideranças na sociedade de classes: a dos trabalhadores e a dos capitalistas. Quando parecer que há apenas uma possível, certamente se está falando da burguesa. Precisamos de uma liderança global dos trabalhadores organizados que possa, de fato, concentrar esforços para intervir racionalmente no rumo do desenvolvimento das forças produtivas.

Eleito dentro de uma Frente Ampla com a promessa de realizar a “união nacional” (leia-se união de classes antagônicas e das diferentes frações da burguesia em torno de um programa burguês “desenvolvimentista”), Lula apresentou propostas que só poderiam redundar em promessas de governo e em cobranças aos que chamou de “países ricos”. Em tom de crítica, disse que as metas ambientais precisam ser cumpridas e que os “países pobres” deveriam ser ajudados pelos “ricos”.

Bem, não sabemos se a ajuda virá para o Brasil, mas temos a certeza de que os países imperialistas estão dispostos a ajudar com armas as nações em guerra que defenderem os interesses da sua burguesia. Por exemplo, quando Lula se vangloriou por sua vitória eleitoral ter ajudado a descongelar 540 milhões de dólares – quase 3 bilhões de reais[3] – destinados ao Fundo da Amazônia, que é uma espécie de “chapéu” que o governo brasileiro passa por governos de todo o mundo, vindos da Alemanha e Noruega, a Alemanha já tinha enviado mais de 2 bilhões de euros em ajuda militar para a Ucrânia[4] e a Noruega por volta de 500 bilhões de dólares – entre ajuda militar e “humanitária” [5]. Só os EUA enviaram mais de 19 bilhões de dólares em ajuda militar contra a Rússia! Talvez devamos entrar em alguma guerra ao interesse deles para termos mais recursos. Será que o “chapéu” de Zelensky é maior?

Se a ONU agiu ao longo da sua história contra a ideia de entidade multilateral para evitar conflitos beligerantes, no campo da “paz” ela serve como sucursal de propaganda para convencer as classes médias e a vanguarda do movimento dos trabalhadores de que a burguesia e os Estados nacionais podem sim implementar mudanças que impeçam a destruição da espécie humana pelo modo de produção capitalista; seja por guerras nucleares ou catástrofes climáticas.

Mas, não podem. O “mercado”, que na época imperialista é tudo menos livre-mercado, e seu caráter predatório está na base da destruição climática. As tentativas recentes de fundos ESG[6] e de participação estatal na chamada “transição energética” mostram a verdadeira face do capitalismo. Enquanto a construção de indústrias energéticas com novas matrizes foi lentíssima nos últimos anos, assistimos à uma recente expansão ultra veloz da indústria bélica com base em algumas canetadas de governantes e acordos entre capitalistas.

O “deus mercado” é insaciável e não se incomoda se para se saciar precisar derramar sangue, devem saber todos os trabalhadores. Quanto mais sacrifícios ele exige de seus fiéis seguidores nos governos em forma de ministérios, cargos, acordos, orçamentos, armas, discursos afáveis etc., mais exigente ele se torna. Lula, um súdito mal visto por ele, por ser oriundo do movimento dos trabalhadores e ter um pé nele, terá sempre sua desconfiança.

As reclamações de Lula na ONU sobre as possibilidades futuras da “liderança global”, apesar de inócuas, criam ilusões de que a ONU é capaz de contribuir para barrar a degradação climática. Como falamos antes, a ONU é parte do problema. Apenas uma organização internacional dos trabalhadores, sem a participação de patrões e seus governos, poderá apontar para uma nova governança capaz de aplicar soluções já disponíveis para reverter, o mais rápido possível, o atual cenário de degradação climática.

E tenhamos certeza de que o “deus mercado” continuará tentando, de forma cada vez mais ousada, substituir a cadeira presidencial por um altar voltado à adoração do capital. Em seus rituais diários, esse deus exigirá dos habitantes do palácio e dos ministérios, para que sejam autorizados a governar, o perverso sacrifício de milhares de trabalhadores.


[1] Expectations Run High as an Exuberant Lula Speaks at Climate Summit – The New York Times (nytimes.com)

[2] G1 – Veja as frases mais famosas e polêmicas de Hugo Chávez – notícias em Mundo (globo.com)

[3] Lula acerta reativação de Fundo Amazônia com governo norueguês (poder360.com.br)

[4] LIVE — Germany boosts military aid budget to €2 billion – DW – 04/15/2022

[5] Norway Boosts Ukraine Aid With Additional $150M Pledge (thedefensepost.com); Norway Boosts Ukraine Aid With Additional $150M Pledge (thedefensepost.com)

[6] Greenwashing and sustainable investment: why capitalism can’t solve the climate crisis | Environment | World (marxist.com)