Imagem: Ricardo Stuckert, PR

COP30: um baile de máscaras à beira do precipício

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, ou COP30, reuniu entre os dias 10 e 21 de novembro lideranças de países e grandes empresas para confirmar todas as expectativas sobre seu real caráter: uma mesa de negociações para o capitalismo mundial em que a “sustentabilidade” é apenas mais uma mercadoria na prateleira.

Neste balanço, tratamos do real significado dos principais eixos de discussão do evento e seus desdobramentos para a luta de classes no Brasil e no mundo.

Belém, a cidade escolhida pelo Brasil para sediar a COP30, é um microcosmo dos problemas que a própria conferência supostamente deveria enfrentar. Com 1,3 milhão de pessoas e localizada no encontro entre a Amazônia e o Atlântico, a cidade tem 41% da sua população sem acesso à coleta de esgoto (no estado do Pará são 91%).

Embora seja a capital, Belém não possui o maior PIB do estado. Esse posto fica com Parauapebas, localizada na Serra dos Carajás, uma das maiores reservas minerais do mundo e onde a Vale mantém extensa atividade. A menos de 50 km fica Serra Pelada, famosa pelo gigantesco garimpo a céu aberto de onde 100 mil homens chegaram a extrair com as próprias mãos 14 toneladas de ouro em 1983.

Das 37 obras anunciadas para a COP30, apenas 21 foram totalmente entregues e outras três foram retiradas do grupo previsto para o evento e por isso deixaram de ser contabilizadas. O investimento total soma R$ 11 bi entre verbas do Governo Federal e do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES).

Boa parte das entregas foi feita a toque de caixa poucos dias antes do início da COP30. As condições de trabalho nas obras e os baixos salários levaram a uma greve dos operários da construção civil que durou nove dias em setembro e mobilizou cerca de 5 mil trabalhadores.

É nessa Amazônia, encruzilhada entre a abundância, a escassez e a ganância, que os líderes de todo o mundo vão debater mais uma vez o que fazer para conter o desastre ambiental iminente.

Das 37 obras anunciadas para a COP30, apenas 21 foram totalmente entregues e outras três foram retiradas do grupo previsto para o evento e por isso deixaram de ser contabilizadas / Imagem: Agência Pará

Em seu discurso de abertura, Lula deu uma prévia do jogo de cena que estaria por vir. Chegou a afirmar que “a COP30 será a COP da verdade” e que “uma transição justa precisa contribuir para reduzir as assimetrias entre o Norte e o Sul Global”. Nem parece o mesmo Lula que comemorou a autorização para pesquisa de petróleo na foz do Rio Amazonas, o que pode abrir a região para a exploração das multinacionais que têm por praxe levar os lucros e deixar os estragos.

Lula defende que o dinheiro dos royalties de petróleo pode ajudar o país a acelerar sua transição energética, um completo contrassenso que vê na entrega das riquezas minerais de uma nação para o imperialismo uma oportunidade de melhorar as condições de vida dessa mesma nação. 

A experiência do pré-sal e outras áreas de exploração deixou bem claro que, sob o capitalismo, mesmo o dinheiro do petróleo é insuficiente para resolver quaisquer dos problemas da classe trabalhadora. O Rio de Janeiro, por exemplo, é responsável por 88% da produção nacional de petróleo. No entanto, é um estado falido.

Em entrevista ao podcast Entrando no Clima, do Eco, a CEO da COP30, Ana Toni, afirmou que o avanço da exploração do petróleo na foz do Rio Amazonas às vésperas do evento é um exercício de sinceridade por parte do governo Lula e está dentro da estratégia de realizar a “COP da verdade”.

Já o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, afirmou em entrevista ao podcast A Hora, do UOL, que se fosse resumir o evento em uma palavra, seria economia. A posição do diplomata deixa claro que as potências mundiais não têm qualquer disposição de abrir mão de seus interesses econômicos para garantir o combate às mudanças climáticas ou a transição energética. Para além do palavreado bonito, o capitalismo quer saber como e quanto pode lucrar com a agenda ambiental e a “sustentabilidade”.

Antes mesmo do início da conferência, no dia 7 de novembro, o Brasil anunciou uma “Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono”. A iniciativa prevê um mecanismo em que empresas que gerem emissões de carbono acima de um teto pré-determinado precisarão adquirir “créditos de carbono” para compensar suas emissões.

Os tais “créditos de carbono” são comprados em um mercado especulativo em que proprietários de áreas de floresta vendem títulos correspondentes à capacidade que as árvores na sua propriedade teriam de absorver o carbono proveniente principalmente da queima de combustíveis fósseis. Trata-se de mais um mecanismo especulativo sem qualquer base científica séria e que já demonstrou ser um prato cheio para fraudes de todos os tipos. 

Enfrentando a maior crise da sua história ao mesmo tempo em que enfrenta uma crise climática sem precedentes, a burguesia vê nos tais créditos de carbono um novo mercado de especulação financeira

Em uma delas, a empresa Sigma Lithium teria comercializado no mercado internacional 30 mil toneladas de lítio “zero carbono”, ou seja, com emissões compensadas pela compra de créditos de carbono. Acontece que a origem desses créditos de carbono, um projeto na cidade de Lábrea, Amazonas, faz parte de uma fraude de R$ 180 milhões que envolve geração de créditos de carbono em áreas griladas, fraudes no manejo de madeira, gado fantasma e desmatamento ilegal na Amazônia. Ironicamente, o principal investigado nesse esquema participou da COP28, realizada em 2023 nos Emirados Árabes Unidos.

No Manifesto Comunista, Marx e Engels explicam que, para sobreviver às crises, a burguesia precisa conquistar novos mercados e explorar ainda mais profundamente os mercados já existentes. Enfrentando a maior crise da sua história ao mesmo tempo em que enfrenta uma crise climática sem precedentes, a burguesia vê nos tais créditos de carbono um novo mercado de especulação financeira onde megacorporações podem comercializar parte de seu capital ao mesmo tempo que aplicam uma fina demão de verniz verde sobre seus negócios.

Na mesma sexta-feira, 7 de novembro, foi lançada na Cúpula dos Líderes o “Compromisso de Belém pelos Combustíveis Sustentáveis”, ou Belém 4X. A meta do acordo é quadruplicar até 2035 o uso global de combustíveis “sustentáveis”, o que inclui os chamados biocombustíveis.

Esse é um mercado de grande interesse para a burguesia brasileira, que há muitos anos vende o etanol e o biodiesel como alternativa para o mercado global. O processo produtivo desse setor, no entanto, é conhecido pela violação contumaz das mais fundamentais leis trabalhistas, principalmente no cultivo da cana-de-açúcar, e pelo aumento da fronteira agrícola sobre áreas verdes.

A Raízen, uma das maiores produtoras de etanol do mundo, comprava cana-de-açúcar de uma fazenda onde 32 trabalhadores foram resgatados do trabalho escravo em 2023. A DGD, líder norte-americana na produção de biodiesel, importava sebo bovino oriundo de gado criado ilegalmente na Amazônia.

Além disso, com a característica latifundiária da produção agrícola brasileira, é provável que o aumento da demanda por etanol e biodiesel coloque ainda mais pressão nas chamadas fronteiras agrícolas, principalmente na Amazônia e no Cerrado. Essa expansão, além do desmatamento e destruição de ecossistemas inteiros, é também a principal responsável pela violência no campo, com assassinatos, expulsões e roubos das terras pertencentes a camponeses e povos tradicionais que vivem nessas regiões.

Outro anúncio da Cúpula dos Líderes foi o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). Financiado tanto por países quanto por investidores privados, o fundo prevê a emissão de US$ 100 bi em títulos a serem vendidos no mercado internacional, principalmente renda fixa de “economias emergentes”. O rendimento desses títulos seria usado para pagar dividendos primeiramente aos investidores privados (cerca de 5%), depois aos países patrocinadores (cerca de 4,5%) e o que sobrasse seria pago aos 74 países que possuem florestas tropicais úmida e conseguissem manter uma taxa de desmatamento de até 0,5% ao ano.

A ideia por trás do TFFF é dar corpo à afirmação de que “a floresta em pé vale mais do que é derrubada”. Trata-se de submeter o financiamento do combate ao desmatamento à lógica do mercado e da especulação financeira internacional, ou seja, contratar a raposa para tomar conta do galinheiro.

O que poderá garantir concretamente que o dinheiro pago pelo fundo seja utilizado em setores como o madeireiro, a mineração, o agronegócio e os próprios combustíveis fósseis? Se o mundo viver uma nova crise financeira global como a iniciada em 2008 nos EUA, sobrará alguma coisa do fundo para de fato financiar o combate ao desmatamento?

A Alemanha e o Reino Unido, dois dos principais doadores à outra iniciativa, o Fundo Amazônia, não anunciaram qualquer aporte no TFFF devido ao alto risco do investimento. Especula-se que essa tenha sido a razão pela qual a China também não anunciou um aporte.

Mesmo para economistas burgueses como Max Alexander Matthey, da Climate Impact Auctions, e Aidan Hollis, do Departamento de Economia da Universidade de Calgary:

“O que está sendo vendido como uma grande inovação é, em sua essência, uma aposta alavancada na dívida de mercados emergentes e de risco. Os riscos dessa ‘estratégia’ são transferidos dos investidores privados para o público.”

O consenso científico é que o mundo precisa cortar cerca de 60% das emissões de gases de efeito estufa para conseguir conter o aumento do clima em 1,5°C. No entanto, quase metade dos países envolvidos ainda não enviou suas novas metas de redução para 2035. Com os números atuais, a redução nos próximos dez anos alcançaria somente 4%.

O descaso com metas e soluções reais não é novidade, mas segue a regra dos Acordos de Paris e do Protocolo de Kyoto. Para além das belas palavras, os representantes da burguesia internacional nada têm para oferecer à humanidade mesmo diante do risco cada vez mais próximo de que o atual ritmo das mudanças climáticas seja irreversível.

O presidente Lula falou sobre um “mapa do caminho” para garantir que os países consigam de fato se afastar do uso de combustíveis fósseis. Esse é um conceito que tem sido muito falado, mas que esconde outro problema: o capitalismo não tem e não pode oferecer este caminho porque o capitalismo é um beco sem saída.

Para que as metas de emissões fossem cumpridas, seria necessário financiamento massivo para substituição das matrizes de todos os países, aplicação de ciência e técnica em escala gigantesca para encontrar novas soluções economicamente viáveis e menos poluentes, desenvolvimento de forças produtivas e produção de riqueza em níveis inéditos garantir que as mudanças estruturais necessárias sejam cumpridas sem produzir uma nova crise e democracia real para que todas essas medidas possam ser de fato implementadas e fiscalizadas pela população. Ou seja, é necessário o socialismo.

Na impossibilidade de oferecer qualquer uma dessas soluções, as potências capitalistas tergiversam e andam em círculos fazendo doações pontuais a iniciativas como o Fundo Amazônia e produzindo reuniões e documentos sem fim em vez de fazer o que realmente precisa ser feito.

Na verdade, sob o capitalismo, mesmo a produção de energia a partir de fontes renováveis como hidrelétricas, painéis solares e turbinas eólicas apresenta problemas como o deslocamento de populações inteiras, poluição sonora e visual, além da própria origem suja de alguns dos insumos para produzir esses equipamentos.

Como comunistas, nós nos solidarizamos com os manifestantes, inclusive contra a truculência da segurança do evento e os relatos de perseguição e vigilância. No entanto, é preciso abandonar quaisquer ilusões nesse ou qualquer outro evento organizado pela burguesia / Imagem: Bruno Peres, Agência Brasil

No segundo dia da conferência, um grupo de manifestantes tentou invadir a Blue Zone, área onde são realizadas as principais negociações. Na mesma tarde, cerca de 3 mil pessoas participaram da Marcha Global Saúde e Clima.

Três dias depois, o movimento inígena Ipereg Ayu e representantes do povo Munduruku bloquearam o principal acesso à Blue Zone. O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara (PSOL), e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), receberam os manifestantes e fizeram uma nova série das habituais promessas.

Como comunistas, nós nos solidarizamos com os manifestantes, inclusive contra a truculência da segurança do evento e os relatos de perseguição e vigilância. No entanto, é preciso abandonar quaisquer ilusões nesse ou qualquer outro evento organizado pela burguesia.

Somente a luta de classes organizada, com trabalhadores, povos indígenas, camponeses, ribeirinhos e demais grupos oprimidos lado a lado, com independência política e um programa revolucionário.

As soluções para enfrentar os impactos das mudanças climáticas existem e entre elas estão construir uma política de desmatamento zero, reduzir os gases do efeito estufa e realizar um planejamento urbano eficiente. No entanto, isso esbarra no bolso de grandes empresários e nos governos que servem aos seus interesses.

Não podemos esperar que esses mesmos empresários e governos ofereçam qualquer solução para os problemas que eles mesmos criaram e aos quais não interessa resolver.

De nossa parte, a palavra de ordem continua sendo “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”. A corrida contra o relógio no combate às mudanças climáticas é a corrida para os trabalhadores assumirem o controle das grandes empresas e do Estado, com um planejamento democrático à luz da ciência e do interesse público.