Em Santa Catarina, o bombeiro militar Carlos Moisés (PSL), conhecido como Comandante Moisés, foi eleito governador sob sigla e pauta bolsonaristas. Mesmo com esses pré-requisitos, o governador não caiu nas graças de Bolsonaro, tornando-se persona non grata do presidente — assim como dezenas de outros mandatários estaduais — por figurar entre os “combatentes” da pandemia. Nas palavras do próprio Bolsonaro: “Esse Carlos Moisés, pelo amor de Deus. Se elegeu em meu nome. Mais um que se elegeu no meu nome. Passou a ser dono do estado, é outro país”. Mas qual é a real medida do combate do governador de Santa Catarina à crise sanitária?
A verdade é que a aparente obstinação do governador em tomar as medidas necessárias para conter o avanço da Covid-19 não condiz com a política que defende os lucros da iniciativa privada, e não se sustentou por muito tempo, retraindo após o escândalo da compra de respiradores de uma empresa de fachada. Para amenizar possíveis perdas políticas, Moisés delegou aos municípios a decisão de reabrir serviços não essenciais e retomar o transporte público.
A compra fraudulenta de 200 respiradores vindos da China por R$ 33 milhões — ou seja, R$ 165 mil pagos por cada equipamento — expôs o governo Moisés nacionalmente, visto que um equipamento desses pode ser encontrado por R$ 40 mil no mercado. Não bastasse a gravidade desse fato em si, o modelo escolhido não cumpre a finalidade para a qual se destina (equipar novos leitos de UTI), podendo somente ser utilizado em ambulâncias. Diante desse festival de absurdos, a crise política se juntou à sanitária, rendendo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga esse assalto aos cofres públicos em plena luz do dia. Para piorar, o governador foi flagrado em uma festa junina, na cidade de Gaspar (SC), sem máscara, o que lhe proporcionou uma representação na Procuradoria Geral da República (PGR), encaminhada por um correligionário do PSL.
Em meio ao fogo amigo e a essa sucessão de escândalos políticos, Moisés flerta com prefeitos e empresários, cedendo à pressão dos setores produtivos que têm ditado as regras de afrouxamento da quarentena. Blumenau, por exemplo, foi uma das primeiras cidades catarinenses a instituir o retorno à normalidade, com a reabertura de shoppings e do comércio de rua, o que provocou um desastre. Ao aderir unilateralmente ao plano de retomada das atividades econômicas em atendimento às necessidades dos patrões, o prefeito Mário Hildebrandt (PODEMOS) colocou milhares de trabalhadores em risco e deseducou o restante da população, estimulando o deslocamento e aglomerações desnecessárias, o que fatalmente se converteu no aumento do contágio.
Em Florianópolis a situação se repete em relação à abertura de serviços não essenciais. Seguindo a toada do governo Bolsonaro, o prefeito Gean Loureiro (DEM) aprovou uma resolução que atinge todos os servidores do município, suspendendo até 31 de dezembro de 2020 o pagamento de diversos direitos, como o adicional de férias, a progressão funcional, gratificações, adicional por tempo de serviço e horas extras (exceto para os trabalhadores da linha de frente durante a pandemia). Essas ações demonstram um alinhamento total com o projeto de Paulo Guedes, que aproveita o momento para depauperar ainda mais os direitos dos trabalhadores e acabar com o funcionalismo público.
Em Joinville, após uma reunião com o governador, o prefeito Udo Döhler (PMDB) defendeu a chamada “imunidade de rebanho” com a seguinte declaração: “É essencial que o vírus alcance a população como um todo para que ela adquira anticorpos”. Nessa mesma reunião o prefeito defendeu com afinco o retorno do transporte público e do atendimento escolar às crianças da educação infantil, para que seus responsáveis possam voltar a trabalhar. É a contramão total da defesa da vida e do combate científico à crise sanitária.
Em todos os casos citados acima há uma opção clara pelo sacrifício da classe trabalhadora em benefício da continuidade dos negócios. Outro exemplo disso foi o corte de refeições para funcionários do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, em Joinville, atingindo quase 1.000 servidores que trabalham em turnos de 12 horas. Na lógica desses governantes, é preciso fazer economia às custas da retirada de direitos e garantir que a máquina gire, mesmo que isso signifique moer a carne de quem a produziu.
Com base nesse entendimento, as atividades do transporte público em Joinville foram retomadas no dia 8 de junho e a superlotação vivenciada pela população nos horários de pico demonstram que o discurso de retorno com segurança não passou de engodo. Mais uma vez os interesses dos detentores do monopólio do transporte da cidade, que pratica a passagem mais cara do país, se sobrepõem ao direito à quarentena da classe trabalhadora. E a retomada do transporte avança por todo o estado catarinense, agora em Blumenau, Florianópolis, Concórdia, Joaçaba e muitas outras cidades.
Mesmo que inúmeros trabalhadores não tenham tido a opção de parar e ficar em isolamento por um só dia, deve-se considerar que a suspensão do transporte público contribuiu para que outros milhares não se deslocassem pelas cidades, ajudando a controlar a curva de contágio. Embora hoje os leitos reservados para pacientes com Covid-19 no estado estejam parcialmente ocupados, isso pode mudar muito rapidamente nas próximas semanas. Os números apontam que 88% das cidades catarinenses têm pacientes infectados pelo coronavírus, e que os leitos da rede pública estão com uma ocupação que passa dos 60%. Ao todo são 19.244 casos confirmados no estado, dos quais 263 vieram a óbito.
Embora o isolamento social contribua para evitar a transmissão da Covid-19, esta medida não é suficiente, pois o isolamento sem a testagem da população não permite que políticas adequadas sejam aplicadas. Da mesma forma, se os positivados nas parcas testagens não receberam uma orientação acertada, a população continuará igualmente em risco. Em Itajaí, por exemplo, mais da metade das pessoas que tiveram resultados positivos estavam assintomáticas. Em todo o estado trabalhadores da saúde estão sendo diagnosticados massivamente, mas em muitos casos não há uma política de desinfecção das unidades onde essas pessoas trabalham nem a garantia da janela imunológica de sete dias para as outras pessoas que tiveram contato com os infectados.
Os governantes de Santa Catarina, com suas ações, contribuem para colocar gasolina no fogo da luta de classes. Apesar de as direções serem traidoras, com o desemprego e a informalidade crescentes, com os serviços públicos sucateados, com as direções sindicais desmoralizadas e todo tipo de opressão do Estado, não tardará para que os trabalhadores e a juventude tomem as ruas exigindo a mudança necessária. E, nesse momento, a mudança só virá com o Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!