Foto: Malavolta Jr.

Criminalização em tempos de pandemia: intimidação ao camarada Roque em Bauru 

Nesta semana chegaremos ao trágico número de 100 mil mortes oficiais por Covid-19 no Brasil, sem considerar as evidentes subnotificações. O corte de classe nessas mortes também é bem nítido, com pesquisas revelando que o vírus não é nada democrático como tentavam dizer: é a classe trabalhadora e o povo mais pobre que está pagando pela crise do capitalismo, aprofundada com a pandemia. As condições de vida, seja ao analisar a moradia e o saneamento, seja a dinâmica de emprego, dependência de transporte público e da saúde pública, destruída pelas políticas econômicas da burguesia, atestam o “dois pesos e duas medidas”.

Os governos Bolsonaro e Dória possuem enorme responsabilidade no tamanho da crise que vivemos pela negligência com que conduziram o país até agora. Não adotaram medidas efetivas e coordenadas para prevalecer a defesa da vida em detrimento do lucro. O que vimos, foi a prevalência da pressão dos grandes setores financeiros e empresariais, junto com comerciantes e prestadores de serviços que, desamparados, impuseram a volta “à normalidade, custe o que custar”. 

O custo está sendo a tragédia que vivemos no Brasil. Pagamos muito caro pelas posturas de nossos governantes. A pressão também recai aos prefeitos, que sucumbem e ditam aberturas de comércios e serviços não essenciais, jogando a população para as garras do vírus e o desfecho é o completo descontrole da pandemia nas cidades. Temos visto aglomerações em ruas, comércios e serviços, ônibus lotados, hospitais lotados, para não falar da falta de UTIs. Os governantes “lavam as mãos” e dizem que “é o novo normal”. Que normal é esse, com mais de 1 mil mortes por dia?

As medidas de isolamento social e as disputas pela sobrevivência

Vale dizer que na contramão de todas as medidas sanitárias dispostas pela própria OMS, o governo Bolsonaro impulsionou atos públicos, sendo que seus apoiadores fizeram carreatas e manifestações sem máscaras e demais medidas sanitárias básicas. Chegaram ao absurdo de fazer “buzinaços” em frente a hospitais, deslegitimando qualquer ação de isolamento social. A situação vinha se acumulando, expressando ampla divisão social no país, com nível de tensão entre o presidente e os governadores, entre o presidente e o Congresso Nacional, e entre o presidente e o Poder Judiciário, beirando uma implosão social a partir da política assassina defendida por Bolsonaro, caracterizada por muitos como genocida ou fascista.

Ao mesmo tempo, se não bastasse à classe trabalhadora e à juventude estarem morrendo por fome (desemprego, miséria, retiradas de direitos etc.) ou pelo coronavírus, tragicamente aumentaram nesta pandemia a violência policial e o assassinato da população mais pobre, com evidente corte racial, expressando o racismo estrutural e a lógica de encarceramento em massa e seletividade da política criminal. Isso se expressou ainda mais forte em São Paulo, Recife e Rio de Janeiro, em consonância com o movimento “Black Lives Matter” nos EUA, fortalecido com o assassinato de George Floyd, visto por todo o mundo em vídeo sufocante. A consigna “I can´t breathe” (eu não consigo respirar), expôs as vísceras da relação do que Steve Biko nos ensinou: “racismo e capitalismo são faces da mesma moeda”. Há um processo de ebulição social em todo o mundo questionando a ordem burguesa vigente, pois ela sufoca, esmaga e não deixa respirar. 

Para enfrentar tais desmandos dos governantes, combatendo expressamente Bolsonaro e seus apoiadores, vários movimentos que lutam pelas liberdades democráticas e defendem as medidas de isolamento social, para garantir o direito à quarentena, formas de renda e políticas públicas para combater a política deliberada do governo Bolsonaro, decidiram ir às ruas, como situação limite, justamente para reivindicar o direito de ficar em casa e reforçar a necessidade de cumprir o isolamento social, inclusive com a “palavra de ordem”: “se não tem lockdown, tem que ter greve geral”. Junto com isso, pôde se ver um combate direto ao governo Bolsonaro, seu autoritarismo e sua política assassina, assim como aos bolsonaristas de extrema direita. Em diferentes atos a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” esteve colocada, apesar da mídia e de pretensas lideranças do movimento buscarem conter a luta à abstrata “defesa da democracia”, tentando dar o significado de defesa das instituições do Estado burguês.

Vários destes movimentos se autoproclamam como “antifascistas”, com impulso inicial de torcidas organizadas e vimos bem como agiram em grandes centros urbanos, especialmente em São Paulo, em atos no Largo do Batata e na Avenida Paulista. Movimentos espontâneos, impulsionados pelas redes sociais, com inúmeros apoiadores, personalidades, figuras públicas, artistas, partidos políticos, centrais sindicais, sindicatos, movimentos sociais etc. Tais movimentos denunciavam os desmandos dos governos e o desrespeito com as vidas. Houve respeito às medidas sanitárias, com usos de máscaras, circulação de álcool em gel, sem contato físico e respeitando distanciamento mínimo. 

Foto: Malavolta Jr.

Ato público em Bauru

Assim como em várias cidades, esses atos de resistência contra o governo Bolsonaro e a repressão policial, em Bauru, no dia 7 de junho de 2020, um domingo, foi realizada uma manifestação, como destacou a reportagem da imprensa local:

Cerca de 100 pessoas realizaram um ato na tarde deste domingo (7), em Bauru, para protestar contra o racismo e defender a democracia brasileira. A manifestação, composta majoritariamente por jovens, também acolheu outras pautas, como o feminismo, a defesa do SUS e os direitos das pessoas LGBTQI+.

O ato foi organizado pela Frente Antirracista e Antifascista Bauru e contou com apoio de diversos grupos, como o coletivo Juntas, Esquerda Marxista, Movimento Negro Socialista e Não Empata Meu Rolê. A concentração começou por volta das 13h, em frente à Câmara Municipal, onde os manifestantes utilizaram um megafone para discutir especialmente a necessidade de combater o racismo e defender os direitos democráticos.

O grupo também protestou contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Atos semelhantes ocorreram neste domingo em várias cidades do País, como Brasília, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Em Bauru, os manifestantes, quase todos vestidos de preto, empunharam cartazes e seguiram em passeata pela avenida Rodrigues Alves entoando palavras de ordem. Depois, passaram por ruas da região central e pela avenida Nações Unidas. Todo o trajeto foi acompanhado por viaturas da Polícia Militar.

Vários atos similares ainda ocorreram em outras cidades, a pressão contra Bolsonaro seguiu, os conflitos entre as instituições continuaram, os números da tragédia da crise sanitária seguiram aumentando, assim como as mortes promovidas pela Polícia Militar. Vale dizer que também se seguiram com maior ou menor força atos em defesa do governo Bolsonaro. 

A população possui o direito de questionar tais desmandos, as políticas que são realizadas e as opções feitas entre os que gerenciam os negócios da burguesia. Os preceitos basilares das liberdades democráticas se expressam nas redes sociais, mas também nas mobilizações de ruas, com o respeito necessário às medidas sanitárias. Entretanto, assim não entendeu a Polícia Militar do Estado de São Paulo, quando do ato público realizado em Bauru, que acabou por realizar um boletim de ocorrência (nº 8290/2020), discorrendo que:

Consta do B.O. que integrante do Movimento denominado Manifestação dos Antifas, organizado pela frente Antifascista de Bauru cujo objetivo final é a união do movimento de esquerda para a total destruição do movimento de direita, tendo liderança o ex-vereador Roque José Ferreira, passaram a caminhar pelas vias principais desta cidade promovendo manifestações com gritos de guerra: “fora Bolsonaro, fora Dória…” dentre outras manifestações. A Polícia Militar acompanhou toda a movimentação desde o seu início até o seu final elaborando o presente registro. Consigne-se aqui que o movimento viola medidas sanitárias decretadas pelo governo estadual a respeito do isolamento das pessoas e da proibição de aglomeração com objetivo de coibir a transmissão do coronavírus, caracterizando o delito de infração de medida sanitárias”.

Como podemos ver, o policial militar afirma que tais fatos caracterizam “infração de medida sanitária preventiva”, previsto no artigo 268 do Código Penal. Vejamos.

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Ora, tal fato social tem que ser analisado concretamente para compreender elementos objetivos que o caracterizem, para justificar eventual ação penal, sendo necessário apontar nexo causal e efetiva propagação de doença, como diz. Além disso, é indispensável que haja um autor, alguém identificado para tanto, bem como a comprovação do dolo (intenção).

Primeiramente, cumpre asseverar que a manifestação realizada não “infringiu” determinação do poder público, vez que a orientação do “poder público” tem sido de que “está tudo normal” e que “devemos salvar a economia”, que se trata de uma “gripezinha”, como o presidente Bolsonaro tem impulsionado e participado de atos públicos, sendo ele a maior autoridade formalmente do que representa “poder público”. É ele quem desrespeita determinações da OMS e Fiocruz. O poder público no Brasil está cometendo o crime, e, por isso, sendo denunciado não somente no STF, como, internacionalmente, nas Cortes internacionais de Direitos Humanos.

Apontar, portanto, que houve crime na manifestação de Bauru é um descalabro. 

Pior é quererem, então, imputar a um dos participantes, o camarada Roque Ferreira, tal conduta criminosa, como se fosse responsável de um ato público com mais de 100 pessoas, em que participou usando máscaras e portando álcool em gel, além de manter a distância mínima exigida. O que vemos é um claro intuito de criminalizar o movimento social, em prática descarada de dois pesos e duas medidas, que se expressa na imputação criminal ao camarada Roque, reconhecido como figura pública de tantas lutas, como militante da Esquerda Marxista, do Movimento Negro Socialista, presidente do PSOL em Bauru, membro do Conselho de Direitos Humanos e ex-vereador da cidade, reconhecido por sua combatividade e coerência, com uma vida dedicada à luta contra a barbárie da sociedade capitalista, em defesa dos mais pobres, da classe trabalhadora e da juventude, inclusive denunciando atos abusos policiais.

Em depoimento realizado no último dia 5 de agosto, Roque Ferreira explicou que:

“O ato tinha uma ligação com a violência policial por conta da morte de um negro nos EUA. Que houve manifestação em todo o mundo, como divulgado pela imprensa. Que por ser membro do Conselho de Direitos Humanos acompanhou a manifestação nas ruas de Bauru. Que não é líder de nenhum movimento. Que acredita não haver líder no movimento antifascista. Que adotou todas as medidas sanitárias, como uso de máscara e álcool em gel, bem como percebeu que todas as pessoas ali também se preocuparam com tais medidas. Que em relação aos gritos de guerra como Fora Bolsonaro e Fora Dória representam a liberdade de expressão do pensamento, como também têm ocorrido em outros estados. Que acha estranho ter sido identificado e convocado para depoimento, dentro de um ato público com mais de 150 pessoas”.

Assim, é inadmissível a manutenção do presente inquérito criminal por não haver qualquer prática criminal, que exige dolo e autoria, vínculos objetivos e causais para a materialidade delitiva. É um claro caso de criminalização dos movimentos sociais, como forma de tentar deslegitimar, intimidar, ameaçar, constranger todos que estão lutando pelo Fora Bolsonaro e sua política assassina. 

A contradição é ainda mais evidente, demonstrando o sempre seletivo “dois pesos e duas medidas” do Estado burguês, vez que houve vários atos públicos de bolsonaristas e empresários nas semanas anteriores, bem como também houve outros atos assim após as manifestações do dia 7 de junho. E, pelo que se sabe, não há nenhum boletim de ocorrência nesse sentido.

É a prática da repressão do Estado, utilizando seus aparatos repressivos para manutenção da ordem vigente, profundamente desigual, potencializada pela pandemia do coronavírus. A classe trabalhadora e a juventude, o povo negro e pobre da periferia, estão gritando bem alto que não conseguem mais respirar e que vão colocar abaixo essa barbárie, pois não podem mais continuar pagando a conta dos mais ricos, continuar convivendo com tanta injustiça, exploração e opressão. Querem criminalizar o camarada Roque Ferreira, mas estamos todos juntos: “podem matar uma, duas ou três rosas, mas nunca deterão a primavera”. 

Adotaremos todas as medidas políticas e jurídicas contra mais esse ato abusivo do Estado! Junte-se à campanha de solidariedade que impulsionaremos.

Fora Bolsonaro, por um governo socialista dos trabalhadores, sem patrões nem generais. Fora Dória e seus lacaios. Pelo fim da política militar! Parem de nos matar!

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