Falei sobre o Wikileaks no primeiro texto e como Assange pensou a criação do Wikileaks pois ele e os cypherpunks acreditam que a criptografia seria uma capacidade física do universo em favor dos indivíduos, pois para quebrar a criptografia é mais difícil e caro que criar um texto criptografado, ou seja, indecifrável.
Em termos de uso da criptografia na comunicação, podemos recorrer a dois episódios registrados: um na Segunda Guerra e outro na Revolução Russa. O episódio da Segunda Guerra é bastante divulgado em filmes e livros por conta da história de Alan Turing, um matemático perseguido por ser gay na Inglaterra. O filme “O Jogo da Imitação” conta a sua história.
A criptografia durante a guerra mundial imperialista
A tecnologia mais moderna de comunicação durante a Segunda Guerra era o rádio, que pode ser facilmente interceptado, bastando ter antenas para captar as ondas. Os imperialistas alemães, então, desenvolveram um equipamento chamado Enigma, que tornava as comunicações de rádio indecifráveis, o que era vital para seus ataques rápidos.
Para tirar esse fator surpresa, a Inglaterra coletou de suas academias e empresas computadores e especialistas em matemática e algoritmos, como Alan Turing, que, utilizando todos os recursos que a Inglaterra já dispunha na sua produção, conseguiu quebrar a criptografia criada pelo Enigma e tornou as comunicações via rádio dos alemães compreensíveis. O trabalho e a estrutura que o Estado e empresas da Inglaterra investiram foi para ter algoritmos de cálculos e equipamentos mais poderosos que o Enigma.
Devemos então verificar concretamente a história da Enigma e de sua máquina rival construída pela Inglaterra sem nenhuma ilusão de se tratar de um processo puramente tecnológico, ou seja, devemos nos orientar pela visão da luta de classes. A tecnologia por si só não tornou um lado mais forte que outro na guerra, pois a tecnologia já estava à disposição, como todas as outras armas usadas, pelo resultado do equipamento técnico e científico utilizado pelas forças produtivas do trabalho que os capitalistas já dispunham para produzir outras mercadorias.
O bolchevismo de Victor Serge versus os criptogramas
Victor Serge escreveu um livro sobre os estudos que fez dos arquivos da Okhrana, a polícia secreta do czar. Ele expõe como a Okhrana se infiltrava, coletava informação e prendia militantes dos partidos diversos que trabalhavam para derrubar o capitalismo russo.
A Okhrana, em delegacias secretas, coletava cartas que os revolucionários trocavam entre si e as copiava para depois encaminhar aos investigadores, cópias que eram analisadas pela polícia. Os revolucionários na época usavam uma forma preliminar de criptografia, chamada Criptograma. Victor Serge explica que os investigadores sempre tinham sucesso em decifrar os criptogramas.
“Mas e se os revolucionários utilizassem códigos em suas cartas? Então a Okhrana encarregava um investigador genial para decifrar a mensagem. Constato que jamais falhou. Este especialista excepcional, denominado Zibin, havia conquistado uma tal reputação de infalibilidade que durante a revolução de março… preservaram-no. Passou ao serviço do novo governo, que o empregou, me parece, na contra-espionagem. Os mais diversos códigos, conforme parece, podem ser decifrados. Se são empregadas combinações geométricas ou aritméticas, o cálculo de possibilidades pode oferecer alguns indícios. Basta um ponto de partida – a menor chave – para decifrar uma mensagem.”
Victor Serge – O que todo revolucionário deveria saber sobre a repressão
Nessa época, em que ainda não existiam métodos de criptografia computadorizados e as cartas eram em grande maioria interceptadas, bem como os jornais mesmo antes de serem publicados, também eram conhecidas informações sobre os encontros e diversos infiltrados trabalhavam para a Okhrana, que decifrava tudo e informava aos braços da repressão czarista.
Victor Serge explica por que mesmo com essa capacidade da repressão de copiar todas as correspondências, decifrar e saber tudo o que os revolucionários faziam, não pôde ser evitado que tivessem sucesso em seu objetivo. Para Serge, não pode ser evitada a derrubada do capitalismo se efetuada pelo método do bolchevismo, do trabalho revolucionário de profissionais especializados em acabar com o capitalismo conectados com as massas de proletários durante a sua luta diária pela sobrevivência.
O bolchevismo como arma revolucionária
Leon Trotsky explica em um capítulo da sua obra sobre a Revolução Russa que quem dirigiu a derrubada do czar foi o bolchevismo.
“Em cada fábrica, em cada corporação, em cada companhia militar, em cada taberna, nos hospitais da tropa, a cada aquartelamento, e mesmo nos campos despovoados, progredia um trabalho molecular da ideia revolucionária. Em todo lado existia comentadores dos acontecimentos, principalmente operários, junto de quem informavam-mo-nos e que esperavam a palavra necessária. A questão posta acima: quem conduziu a Revolução de Fevereiro? Podemos por consequência responder com clareza desejada: operários conscientes e endurecidos que, sobretudo, tinham sido formados na escola do partido de Lenin. Mas devemos acrescentar que esta direção, se ela foi suficiente para segurar a vitória da insurreição, não esteve em posição de colocar, desde o início, a liderança da revolução entre as mãos da vanguarda proletária.”
Leon Trotsky – A História da Revolução Russa
Não podemos esquecer que foram as mulheres trabalhadoras, revoltadas com a situação de fome e armadas com a experiência prática de anos de participação massiva em manifestações, muitas delas organizadas e dirigidas pelos bolcheviques, que em fevereiro de 1917 explodiram em indignação e causaram a queda do Czar. Em outubro os sovietes armados e organizados por Leon Trotsky puderam então derrubar o capitalismo via revolução permanente do proletariado.
Nada que a Okhrana fizesse poderia ter evitado esses desdobramentos de 1917, pois os bolcheviques estavam armados com algo muito mais poderoso: o proletariado e a sua ciência, as teorias e o método resultante de revolucionários que estão devotados à tarefa de derrubada do capitalismo.
Levy Sant’Anna, no Telegram https://t.me/l30nt, é militante da Esquerda Marxista, trabalhador de tecnologia, e membro dos Infoproletários.