Imagem: Intercept Brasil

Da bolha reacionária à sala de aula: a invasão do Brasil Paralelo na Educação

O Rasputin brasileiro, Olavo de Carvalho (1947-2022), popularizou entre os setores mais reacionários da sociedade o espantalho do “marxismo cultural”. Essa “transmutação” do fantasma dos comunistas, que teriam substituído a luta revolucionária pela “doutrinação” educacional no interior das instituições do Estado, seria a responsável pela “destruição dos valores ocidentais e cristãos”. Uma reação à direita da degeneração cultural promovida não pelo marxismo, mas pelo capitalismo em sua fase de crise existencial.

Essa torpe e iletrada agenda, que expressa desde o catolicismo mais ignóbil à Teologia do Domínio, de caráter protestante, fomenta um grupo que, agora, por meio do Novo Ensino Médio e outras possibilidades de privatização da Educação, invade salas de aula com seus conteúdos negacionistas e anticientíficos, a Brasil Paralelo. Produtora de materiais supostamente educacionais, a Brasil Paralelo realiza filmes, documentários e séries com o mote: seu professor mentiu para você!

Fundada em 2016, no auge da Lei da Mordaça que combatia estudantes e trabalhadores em Educação, a Brasil Paralelo declarou inicialmente um capital de R$29 mil, que, em seis anos, passou para R$2,5 milhões, com um lucro de R$7 milhões em 2022 (Intercept Brasil, 2024). Apesar de se autodeclarar independentes, a Brasil Paralelo teve, por exemplo, como um de seus financiadores e conselheiros, o bilionário Jorge Gerdau, proprietário de uma das maiores siderúrgicas do mundo (Intercept Brasil, 2024).

Bem-sucedidos, os três marqueteiros, Lucas Ferrugem de Souza, Henrique Leopoldo Damasceno Viana e Filipe Schossler Valerim, criadores desta plataforma propagadora de mentiras históricas, com um investimento de mais de R$ 25 milhões em anúncios, entre 2020 e 2024, foram hábeis para impor o que diziam combater: a “doutrinação ideológica” nas salas de aula.

Em 2024, seus programas estão infiltrados em 284 escolas e ONGs pelo país, contaminando 23 mil pessoas, constituindo um mundo paralelo às verdades científicas, sendo a maioria em escolas de bairros proletários e em vulnerabilidade social de diversas cidades (Tatiana Dias e Paulo Motoryn, 2024). Essa invasão ocorre com o chamado “Projeto Mecenas” da produtora, onde seus apoiadores pagam um valor superior a R$1.000 para “melhorar a educação e a cultura” no Brasil. Esse financiamento oferece “bolsas” para as instituições parceiras que exibem seus materiais reacionários.

Segundo o Intercept Brasil, seriam 400 mil assinantes e 6 mil membros Mecenas do Brasil Paralelo. São desde pessoas da pequena-burguesia, especialmente do sul do país, a CEO de bancos, como Cristina Junqueira da Nubank, deputados, como Marcel van Hattem, e economistas, como Hélio Beltrão, que pagam pela cruzada contra o “progressismo”, a “cultura Woke” e todos os derivados do suposto “marxismo cultural”.

Segundo a própria coordenadora do projeto, o Brasil Paralelo ataca crianças de 6 a 7 anos com seus disparates, uma verdadeira doutrinação maternal. Isto acontece tanto em parcerias com instituições que a própria produtora procura, alinhadas às suas ideias nefastas, quanto à indicações dos seus Mecenas.

Supostamente imparcial, a Brasil Paralelo dispõe desde “cursos” sobre o capitalismo e “harmonia conjugal”, negações à crise climática, propagandas contra o direito ao aborto e contestação à Lei Maria da Penha e à violência doméstica. Produzem também outros revisionismos históricos, como a defesa do golpe militar de 1964, a suposta inexistência da Inquisição católica e da negação dos feitos de Galileu Galilei… Destinado ao público infantil, estes que a coordenadora do projeto tem como alvo desde os 6 anos, a produtora ainda possui uma série chamada “Pindorama”, que reproduz a historiografia colonialista já superada sobre as relações entre Brasil e Portugal. Ou seja, uma gama de mentiras e deturpações do acúmulo de conhecimentos e acontecimentos da história humana.

Neste contexto, destacam-se também os grupos que promovem a ilegalidade do homeschooling, a Escola Domiciliar, que, mesmo com sua proibição federal, são grandes divulgadores dos conteúdos Brasil Paralelo. Um dos principais é a instituição Resgate da Educação Clássica no Ensino Básico e Superior (RECEBS), de Natal-RN. Caracterizados pela oposição à necessidade humana de socialização escolar e pelo controle absoluto dos pais ao que crianças e adolescentes aprendem, estes elementos atrasados da sociedade tem a produtora ícone e são, concomitantemente, seus mecenas no empreendimento à longo prazo de dominação educacional.

Mas, ainda que a defesa do homeschooling siga viva nestas fileiras conservadoras, o foco da produtora passa a ser este novo momento de invasão física de instituições educacionais. E isso se faz possível devido ao devastador Novo Ensino Médio (NEM), sancionado pelo governo Lula em 2024.

Apesar de mudanças aprovadas na Lei nº 14.945/2024, em julho deste ano, ao NEM, como a proibição da Educação à Distância (EaD) e a ampliação para 3.000 horas ao longo dos três anos, sendo 2.400 horas presenciais para a Formação Geral Básica, a porta da Escola fica entreaberta – senão escancarada – para as invasões da Brasil Paralelo no cotidiano escolar. Isto tanto pelas brechas dos Itinerários Formativos e do próprio “ensino mediado por tecnologias”, que pode operar excepcionalmente em regiões mais afastadas dos centros urbanos, quanto, principalmente, por meio de dribles discursivos-jurídicos para a efetiva privatização autorizada pelo NEM, com as Organizações Sociais (OSs) ou outras Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Para além do NEM, o ensino fundamental público, majoritariamente administrado por prefeituras, também podem ser alvos dos negacionismos e doutrinações reacionárias da Brasil Paralelo, também via OSs, que passam a se efetivar no país. Em Joinville, por exemplo, no fim do mês de novembro, a prefeitura de Adriano Silva (NOVO), anunciou o acordo que cede um Centro de Educação Infantil municipal ao ABCD da Educação, uma instituição “sem fins lucrativos”, que passará a gerir o CEI Manoel Antônio da Rosa, no bairro Comasa, uma das maiores localidades da cidade.

Além do ataque ao direito à educação pública, gratuita e para todos, com gestão e interesses públicos, o NEM e as diversas formas de privatizações em todas as redes de ensino, promovidas pelo Estado burguês, abrem o caminho para a destruição das grades curriculares já deficitárias da educação brasileira.

Assim, a Brasil Paralelo se apresenta, com o aumento de seus mecenas, como uma alternativa vil do que há de mais reacionário na burguesia. Com planos audaciosos e com o discurso de “mudar a educação para mudar o país”, busca alçar voos ainda mais perigosos contra a classe trabalhadora e sua juventude.

Aviltados pelo sistema capitalista das necessidades básicas e materiais que a própria burguesia prometeu, como a universalização do ensino e a ciência, nossa classe é alvo de mais uma incursão do obscurantismo e das ideias alheias aos seus interesses.

Contra isto, os comunistas defendem a total liberdade de ensino e produção de conhecimentos, alicerçados na ciência e no acúmulo produzido pela humanidade. Em oposição ao que julgam estes reacionários, nós, comunistas, combatemos a educação panfletária, pois sabemos, a partir do marxismo, que a luta contra o capitalismo não se faz meramente no terreno das ideias, nem pode ser superado com uma “doutrinação ideológica”.

A derrubada do capitalismo e dos elementos mais degradados dessa sociedade, como a Brasil Paralelo, só é possível com organização real e consciente da classe trabalhadora e sua juventude. Nas ruas e nas lutas, consequentemente guiadas por uma direção formada no marxismo.

Portanto, este nosso combate passa longe de uma infiltração cultural marxista que, supostamente, seria capaz de corroer a sociedade burguesa “por dentro”, como a lenda de figuras como Olavo de Carvalho. Queremos, ao contrário, que nossa juventude e todos os trabalhadores aprendam o que a própria burguesia desenvolveu de mais potente para a humanidade.

Queremos todo o conhecimento necessário não só para alimentar o espírito, mas para destruir a sociedade que divide a humanidade em classes e nos superexplora de todas as formas possíveis engendradas pelo capital.