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Demissão e Layoff nas BigTechs

Desde o começo do ano de 2022, mas mais acentuadamente neste janeiro de 2023, algo que é considerado sazonal neste período acontece em uma quantidade muito maior agora. É a demissão de funcionários nas gigantes da tecnologia, conhecidas em inglês pelo termo “Big Tech“. A manchete do dia 25 de Janeiro no portal tele.síntese diz: “Google, Microsoft, Amazon e Meta dispensaram mais de 50 mil trabalhadores em todo o mundo nos últimos dois meses; déficit de profissionais deve facilitar recolocação no Brasil, mas a salários mais baixos“. Essa é uma manchete bastante precisa sobre o objetivo dessas demissões em grande escala.

Em 2022 as demissões do setor de tecnologia causaram a demissão de 159,1 mil trabalhadores por mais de mil empresas. Neste ano, em menos de um mês, 185 companhias mandaram embora 57,6 mil empregados, o número inclui as dispensas anunciadas por Amazon, Microsoft e Google na semana passada. Esta semana, já uma nova notícia, a IBM vai demitir mais 3,9 mil funcionários.

As demissões assustam os trabalhadores, que ficam apreensivos se serão os próximos, pois sem seus salários têm a sua sobrevivência, e, muitas vezes, de sua família, ameaçada. Tentando buscar as causas, o trabalhador procura as causas dessa situação nas redes sociais, em jornais, livros e em conversas. Busca explicação para as demissões e quer entender se essas podem causar sua própria demissão ou afetar seu dia-a-dia no trabalho, aumentando a intensidade da carga de trabalho.

A sacra lei da oferta e demanda

Essas demissões acontecem logo após o fim das restrições impostas para dirimir a pandemia de Covid-19 na maioria dos países. Desse cenário, origina a especulação de defensores do capitalismo de que as demissões seriam naturais depois de um contexto de que as restrições de circulação caíram e por isso a demanda de serviços das empresas de tecnologia, como computação em nuvem e recursos para reuniões virtuais, caíram. E por esse motivo seria correto demitir já que a demanda pós pandemia de compras online, por exemplo, teria sido menor.

Demanda e oferta surgem sim de uma lei natural do processo de acumulação capitalista, e sim, sempre oscilam, isso é um fato. Mas a lei da oferta e da demanda não é sagrada, e só serve para garantir os lucros.

Um exemplo é que sempre que as mercadorias de todos os tipos são acessíveis aos trabalhadores, sendo elas desejáveis, assim que o trabalhador pode pagar o preço da mercadoria, ele o faz. Sendo assim, a demanda por produtos existe e está constantemente reprimida. Mas quando a mercadoria não tem como ser comprada, às vezes pelo seu preço alto, não existe como essa demanda se realizar. Assim o capitalista deve diminuir a oferta para evitar que as empresas que produzem aquela mercadoria tenham prejuízos por não conseguirem vendê-la.

Vimos que nos últimos anos as empresas chamadas de Big Techs cresceram substancialmente em valor de mercado, ou seja, em capital. Ao passo que a inflação continuou crescendo e pressionando os salários reais do trabalhador para baixo. Marx explica que quando o capital global aumenta, a fatia dos salários, ou seja, o capital variável, também aumenta, mas não da mesma forma:

“Ao aumentar o capital global, também aumenta, na verdade, seu componente variável, ou seja, a força de trabalho nele incorporada, porém em proporção cada vez menor.[…] Essa acumulação e centralização crescentes, por sua vez, convertem-se numa fonte de novas variações na composição do capital ou promovem a diminuição novamente acelerada de seu componente variável em comparação com o componente constante. Por outro lado, essa diminuição relativa de seu componente variável, acelerada pelo crescimento do capital total, e numa proporção maior que o próprio crescimento deste último, aparece, inversamente, como um aumento absoluto da população trabalhadora, aumento que é sempre mais rápido do que o do capital variável ou dos meios que este possui para ocupar aquela. A acumulação capitalista produz constantemente, e na proporção de sua energia e seu volume, uma população trabalhadora adicional relativamente excedente, isto é, excessiva para as necessidades médias de valorização do capital e, portanto, supérflua.” (O Capital – Capítulo 23 – a lei geral de acumulação de capital.)

Na verdade, o que explica essas demissões é o preço do trabalho. Sendo o trabalhador de tecnologia um trabalhador mais caro, ao passo que a acumulação de capital geral aumentou, foi necessário contratar mais trabalhadores para poder continuar a acumulação que as empresas de tecnologia fornecem para toda a cadeia industrial de praticamente toda mercadoria produzida hoje, e também para a venda de mercadorias necessárias para toda indústria. Quando os salários foram subindo por essa demanda crescente de mão de obra especializada, diminuiu a fração que fica como acúmulo de capital para os capitalistas em geral, e isso só pode ser corrigido com uma demissão em massa, de modo a elevar  a procura por emprego e pressionar os salários para baixo.

Por quê realmente os patrões demitem

Quando movimentos das maiores empresas industriais acontecem, vemos que surgem especialistas daquele ramo com respostas prontas para os fatos, geralmente comparando suas pequenas empresas com as maiores empresas do mundo. Logo após Amazon, Google e Microsoft anunciaram demissões, uma enxurrada de marqueteiros pagos por estas mesmas empresa, monetizados por anúncios pagos como no YouTube, na forma de influenciadores digitais que crescem em relevância imposta pelos algoritmos (todos programados com o intuito de obter lucro), surgiram defendendo o movimento demissional que os patrões fizeram. A justificativa é que foi feita uma aposta errada no começo da pandemia, uma contratação exagerada de funcionários durante o tempo da pandemia para suprir as necessidades dos seus clientes, e agora precisariam cortar custos pois suas projeções de receita estavam erradas.

Uma acusação de erro de projeção futura, como se todas essas empresas gigantes da tecnologia não tivessem acesso a uma série de tecnologias de acompanhamento da produção e venda de mercadorias, em um contexto de digitalização quase que total das economias onde operam. Tecnologias essas que permitem um acompanhamento online de todos os dados, e mesmo assim esses executivos cometeram essas projeções erradas

Esse argumento dominante no debate colocado sobre essas demissões serem acertadas ou não joga contra toda a classe capitalista, e lhe impõe o rótulo de que administra erroneamente a produção e distribuição de mercadorias via controle das suas empresas. Ou seja, se estes influenciadores estiverem certos, devemos expropriar o mais rápido possível todas as empresas de tecnologia, pois seus controladores capitalistas são péssimos administradores.

Quando análises como essa, bastante difundida por influenciadores digitais de tecnologia, são feitas, salta aos olhos a falta de profundidade, e como é calculado o custo do trabalhador para os capitalistas maiores. Ou seja, uma média dos salários pagos e a quantidade de trabalhadores. Resumindo, é em essência o salário do trabalhador versus o lucro, versus o trabalho não pago, a mais-valia.

É evidente que os novos desempregados pressionarão para baixo os salários dos trabalhadores empregados e é essa a causa da demissão em massa que acontece hoje no setor e que deve se espalhar por outros setores. Todos esses especialistas e influenciadores digitais que defendem a lei da oferta e da demanda como apartada de um sistema todo voltado a apenas lucrar fariam um serviço muito melhor para a humanidade se lessem o livro onde Marx analisou o capitalismo e o porquê de o capitalismo ser caótico e servir apenas para os interesses dos grandes capitalistas.

Como disse Karl Marx:

“O sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, ao mesmo tempo que, inversamente, esta última exerce, mediante sua concorrência, uma pressão aumentada sobre a primeira, forçando-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital. A condenação de uma parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada em razão do sobretrabalho da outra parte, e vice-versa, torna-se um meio de enriquecimento do capitalista individual, ao mesmo tempo que acelera a produção do exército industrial de reserva num grau correspondente ao progresso da acumulação social.” (O Capital – Capítulo 23 – A lei geral de acumulação de capital)

Em outro ponto do texto, Marx fala dos resultados para os trabalhadores dos ciclos industriais. Trata-se de uma exposição que todo trabalhador de tecnologia vai entender perfeitamente:

“O aumento do salário estimula um aumento mais rápido da população trabalhadora, aumento que prossegue até que o mercado de trabalho esteja supersaturado, ou seja, até que o capital se torne insuficiente em relação à oferta de trabalho. O salário diminui, e então temos o reverso da medalha. A baixa salarial dizima pouco a pouco a população trabalhadora, de modo que, em relação a ela, o capital se torna novamente superabundante, ou, como outros o explicam, a baixa salarial e a correspondente exploração redobrada do trabalhador aceleram, por sua vez, a acumulação, ao mesmo tempo que o salário baixo põe em xeque o crescimento da classe trabalhadora. Reconstitui-se, assim, a relação em que a oferta de trabalho é mais baixa do que a demanda de trabalho, o que provoca o aumento do salário, e assim por diante.” (O Capital – Capítulo 23 – A lei geral de acumulação de capital)

Os mecanismos por debaixo da oferta e demanda de trabalho servem para aumentar os rendimentos dos capitalistas ao passo que faz com que a oferta de trabalho seja independente da oferta de trabalhadores, pois faz os ocupados trabalharem mais, além de manter os salários em patamares que garantam a contínua valorização do capital.

Marx coloca que essa desvalorização do salário só pode ser barrada de uma forma organizada, uma cooperação entre empregados e desempregados. E que a defesa da lei da oferta e da demanda é apenas demagogia.

“a pressão dos desocupados obriga os ocupados a pôr mais trabalho em movimento, fazendo com que, até certo ponto, a oferta de trabalho seja independente da oferta de trabalhadores. O movimento da lei da demanda e oferta de trabalho completa, sobre essa base, o despotismo do capital. Tão logo os trabalhadores desvendam, portanto, o mistério de como é possível que, na mesma medida em que trabalham mais, produzem mais riqueza alheia, de como a força produtiva de seu trabalho pode aumentar ao mesmo tempo que sua função como meio de valorização do capital se torna cada vez mais precária para eles; tão logo descobrem que o grau de intensidade da concorrência entre eles mesmos depende inteiramente da pressão exercida pela superpopulação relativa; tão logo, portanto, procuram organizar, mediante sindicatos etc., uma cooperação planificada entre empregados e os desempregados com o objetivo de eliminar ou amenizar as consequências ruinosas que aquela lei natural da produção capitalista acarreta para sua classe, o capital e seu sicofanta, o economista político, clamam contra a violação da ‘eterna’ e, por assim dizer, ‘sagrada’ lei da oferta e demanda. Toda solidariedade entre os ocupados e os desocupados perturba, com efeito, a ação ‘livre’ daquela lei. Por outro lado, assim que, nas colônias, por exemplo, surgem circunstâncias adversas que impedem a criação do exército industrial de reserva e, com ele, a dependência absoluta da classe trabalhadora em relação à classe capitalista, o capital, juntamente com seu Sancho Pança dos lugares-comuns, rebela-se contra a lei ‘sagrada’ da oferta e demanda e tenta dominá-la por meios coercitivos.” (O Capital – Capítulo 23 – a lei geral de acumulação de capital.)

Google prova que Karl Marx estava certo!

Toda a validade do que está escrito sobre os salários e os trabalhadores desempregados pode ser verificado confrontando a realidade que passa à frente dos nossos olhos todos os dias.

Se Karl Marx estivesse ultrapassado, como apregoam os defensores do capitalismo, não aconteceria o que de fato aconteceu, ou seja, a realidade está concretamente o tempo todo mostrando a validade de O Capital e de todo o estudo empreendido por Marx para entender o capitalismo.

Os trabalhadores de tecnologia ficaram sabendo de um documento vazado, emitido pelos acionistas da empresa Alphabet, a empresa controladora do Google, recomendando que os trabalhadores fossem demitidos para que os salários fossem rebaixados, garantindo assim sua acumulação de mais-valia. Exatamente como Marx explicou há mais de 100 anos atrás.

A tarefa dos trabalhadores conscientes

Nós precisamos repetir o que a classe trabalhadora já fez no passado e deu certo, entender os métodos mais exitosos e aplicá-los hoje. Percebe-se que categorias mais combativas que no passado utilizaram métodos de luta como a greve, mobilização de massas, que o resultado foi terem mais direitos como diminuição da carga horária. Fala-se por exemplo dos bancários e do que conquistaram durante as grandes greves dos anos 1970 e 1980. Gostaria de incluir outras experiências que os trabalhadores de tecnologia talvez não conheçam profundamente para esse debate, como o Movimento das Fábricas Ocupadas, por meio do qual os trabalhadores ocuparam fábricas em diversos países para garantir os seus empregos. Há uma seção especial deste site onde pode-se conhecer mais sobre essa experiência.

Os métodos que trouxeram mais avanço na luta entre salários e capital, entre sobrevivência dos trabalhadores e lucro foram os que, baseados na teoria mais sólida, prepararam e executaram um método de organização e luta via sindicatos e organizações revolucionárias em conjunto com um partido revolucionário. Em especial um tipo de partido que planeja e executa o fim permanente da extração da mais-valia, extração que acontece em detrimento da vida de milhões de pessoas. Esse tipo de organização se propõe a expropriar toda a classe burguesa para que os trabalhadores possam controlar toda a tecnologia e a economia. Propõe que a classe produtora possa programar um futuro onde o nosso dia-a-dia não seja mais a necessidade de se preocupar com a sobrevivência e sim com o que de mais avançado poderemos fazer para melhorar a nós mesmos e aumentar a nossa liberdade de maneira concreta.

Por isso convocamos os trabalhadores de tecnologia para se organizarem na Esquerda Marxista, e também no Infoproletários, para, com a teoria e os métodos revolucionários, acabarmos com esse sistema de desespero que é o capitalismo.

Levy Sant’Anna, no Telegram https://t.me/l30nt, na Twitch https://twitch.tv/infomarxista é militante da Esquerda Marxista, trabalhador de tecnologia, e secretário geral do Infoproletários: https://github.com/infoproletarios/

Referências:

https://www.telesintese.com.br/qual-e-o-futuro-dos-demitidos-das-big-techs/

https://www.poder360.com.br/tecnologia/ibm-anuncia-demissao-de-3-900-funcionarios/

https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/cap23/05.htm#i0504