O Relatório de Desenvolvimento Humano divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no dia 9 de dezembro de 2019 mostra que o Brasil tem a 2ª maior concentração de renda do mundo. A desigualdade, principal foco do relatório intitulado “Além da renda, além das médias, além do hoje: desigualdades no desenvolvimento humano no século 21”, é o resultado de uma tendência natural do capitalismo. Quando a condição da maioria, dos trabalhadores, é extremamente precarizada, o lucro da parcela mais rica da burguesia só cresce.
Obviamente, como órgão da burguesia que é, a ONU alimenta um falso discurso de que a desigualdade pode ser superada. Logo no início do relatório, ao explicar a metodologia, escrevem que as estatísticas ajudam a embasar ações acadêmicas e governamentais para diminuir a desigualdade. Mentira. Desde a Revolução Francesa, Igualité é a promessa falsa da burguesia para esse modelo de sociedade, que só pode ser atingida com sua própria extinção enquanto classe.
A pesquisa, além de apresentar dados isolados dos países, analisa-os em três blocos: países africanos; Brasil, Rússia, Índia e China (o BRIC, ou países “em desenvolvimento”, como o imperialismo gosta de alimentar a ilusão) e EUA e Europa (países “desenvolvidos”).
Como mostra o gráfico abaixo, o aumento da desigualdade é a tendência em todos os grupos:
Em seu texto “O marxismo e nossa época”, Trotsky já versava sobre a continuidade dessa tendência constatada por Marx:
“Os capitalistas e seus defensores procuram por todos os meios ocultar tanto aos olhos do povo como aos do cobrador de impostos o alcance real da concentração da riqueza. Contra toda evidência, a imprensa burguesa ainda tenta manter a ilusão de uma distribuição ‘democrática’ do investimento do capital. The New York Times, para refutar os marxistas, assinala que há de três a cinco milhões de patrões individuais. É verdade que as companhias por ações representam uma concentração de capital maior que os três a cinco milhões de patrões individuais, embora os Estados Unidos contem com ‘meio milhões de corporações’. Esta forma de jogar com as cifras tem por objetivo não esclarecer, mas ocultar a realidade das coisas.”
(…) Apresentamos as estatísticas dos Estados Unidos porque são mais exatas e mais surpreendentes. O processo de concentração é de caráter essencialmente internacional. Ao longo das diversas etapas do capitalismo, ao longo das fases dos ciclos de conexão, ao longo de todos os regimes políticos, ao longo dos períodos de paz como dos períodos de conflitos armados, o processo de concentração de todas as grandes fortunas num número de mãos cada vez menor seguiu adiante e prosseguirá sem termo.”
O problema é o sistema
Embora a vida dos trabalhadores durante a crise do capitalismo já esteja insuportável em todos os cantos do mundo, nos países explorados a desigualdade se aprofunda mais. O aumento da desigualdade na Europa, por exemplo, foi mais moderado do que em outras regiões.
Já o nível de desigualdade na África Subsaariana, no Brasil e no Oriente Médio ficou extremamente alto, com a participação dos 10% mais ricos em torno de 55 a 60% da renda total do país.
A Rússia, que na década de 1990 ainda trazia resquícios da igualdade atingida pela planificação da economia após a Revolução de 1917, teve uma ascensão extrema da concentração de renda com o restabelecimento do capitalismo.
Embora as pesquisas domiciliares mostrem que os 10% mais ricos receberam pouco mais de 40% da renda total do Brasil em 2015, quando todas as formas de renda são consideradas – e não apenas as informadas nas pesquisas – as estimativas sugerem que os 10% realmente receberam mais de 55% do total de renda.
A divisão da renda de 2010 a 2017 no Brasil é a seguinte: os 40% mais pobres ficam com 10.6%; os 10% mais ricos com 41.9% – desses, os 1% mais ricos detém 28.3%, quase um terço da renda de todo país!
O Brasil também caiu uma posição no Índice de Desenvolvimento Humano em relação à última pesquisa de 2017 (de 78 para 79). E, embora o tempo esperado de escolaridade seja de 15,4 anos, a média real é de apenas 7,8 anos (a metade!).
“Propomos que as políticas de combate à desigualdade devem ir além da renda, focalizando também em intervenções ao longo da vida, em esferas como saúde e educação, e começando antes mesmo do nascimento”, declarou a representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil, Katyna Argueta.
Apesar do discurso bonito, sabemos que a dinâmica da sociedade capitalista, em sua fase imperialista, após atingir o ápice do desenvolvimento das forças produtivas, só pode oferecer retrocesso para o conjunto da humanidade.
Mesmo quando os índices apresentam algum tipo de melhora em saúde, expectativa de vida, cuidados desde antes do nascimento, isso está restrito a uma parcela cada vez menor da população, que exclui os 40% mais pobres em detrimento de rendas cada vez maiores para os 1%.
Desigualdade no governo Bolsonaro
Diante dessa situação, o que podemos esperar do governo Bolsonaro? No primeiro ano de governo, vimos cortes na educação pública, a aprovação da Reforma da Previdência e leilões de empresas públicas. Não podemos esperar nada de diferente em 2020.
Logo no início do ano o secretário especial de cultura, Roberto Alvim, faz apologia ao nazismo e é substituído. Os trabalhadores da Casa da Moeda e da Petrobrás, ameaçados pela privatização, reagem com greve. Nos estados e munícipios, desce a aplicação da Reforma da Previdência, que encontra resistência dos servidores públicos. Em 14 de fevereiro, morreu de sarampo, no Rio de Janeiro, o primeiro bebê depois de 20 anos e de a doença ter sido considerada erradicada.
As ações de Bolsonaro, seguindo a cartilha do imperialismo, só irão piorar as condições de vidas dos jovens e trabalhadores que sofrem com os já ruins serviços públicos, repressão e assassinatos pela polícia nas favelas e bairros operários, aumento do custo de vida (carne, combustíveis, preço do transporte) e a ameaça constante do desemprego ou de trabalho precarizado. Ou seja, a revolta dos trabalhadores está sendo gestada pelas ações desse governo, combinadas à crise do sistema.
Mas as direções do movimento ainda estão à direita de suas bases e funcionam como um arrefecedor do ânimo para o combate. Nesse 20 de fevereiro, por exemplo, a Federação Única dos Petroleiros traiu vinte mil trabalhadores ao pôr fim à greve nacional da categoria e negociar a demissão dos trabalhadores da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (FAFEN-PR).
Ainda podemos vencer
No Líbano, quinto país com maior concentração de renda, após anos de precarização, com um governo corrupto que cortava serviços sociais e aumentava impostos, o anúncio da tributação sobre as chamadas de WhatsApp foi o estopim para explodir a luta entre as classes. As massas libanesas derrubaram, no fim de 2019, o primeiro ministro Saad al-Hariri após duas semanas consecutivas de protestos. O país continua instável com grandes manifestações ruas acontecendo.
Não vai demorar muito para os trabalhadores brasileiros, assim como os chilenos, argentinos e libaneses, para ficar em somente três exemplos dos vários que estão em movimento no mundo hoje, não aguentem mais a exploração e saiam às ruas para lutar contra o governo e o sistema, passando por cima das direções conciliadoras.
É por isso que surgem nesse momento acenos do retorno do AI-5 e leis “anticrime”. A única alternativa para os governos burgueses é aumentar a repressão. Mas mesmo essa alternativa possui seus limites: vimos em vários países, e mesmo no Brasil em 2013, a repressão servindo para aumentar ainda mais a fúria das massas.
A principal tarefa dos marxistas é olhar para a realidade com olhos de certeza sobre a perspectiva revolucionária que se avizinha e construir a Esquerda Marxista, forjando os dirigentes necessários para a vitória.