O conflito dentro do Partido Trabalhista avança na Inglaterra, podendo levar a uma ruptura com resultados que mudem toda a situação.
13 de julho de 2016
Estamos vivendo um período de mudanças bruscas e súbitas. O resultado do referendo britânico da União Europeia foi mais uma dessas mudanças bruscas e súbitas. Em uma virada ainda mais dramática dos acontecimentos, ontem o Comitê Executivo Nacional do Partido Trabalhista votou, por uma maioria de 18 a 14, a permissão a Jeremy Corbyn de defender sua posição como líder do trabalhismo sem ter que solicitar sua nomeação por parte dos parlamentares trabalhistas.
Este foi um duro golpe na direita do Trabalhismo que estava manobrando para manter Corbyn fora da papeleta de votação. Foi recebido com euforia pelas fileiras do Partido Trabalhista e dos sindicatos. Agora o caminho está aberto para uma feroz batalha entre esquerda de direita que determinará o futuro do Partido Trabalhista.
Desde que Jeremy Corbyn foi eleito em setembro do ano passado por uma extensa maioria de 60% dos membros do partido, a facção de direita Blairista, que controla o grupo parlamentar do Partido Trabalhista, se engajou em uma campanha contínua para derrubá-lo, em desafio à vontade democrática do Partido. Esta gang de carreiristas considera-se acima do Partido. Eles consideram o conjunto dos membros do partido com aristocrático desdém. Convenceram-se de que são a própria lei e que podem tratar o Partido Trabalhista como se este fosse sua propriedade privada.
A vitória de Corbyn foi garantida por uma enorme afluência de novos membros ao Partido. Os parlamentares de direita e a camarilha burocrática, que controlam o aparato do Partido, ficaram horrorizados com este desdobramento. Longe de dar as boas-vindas ao crescimento da filiação partidária, consideram este crescimento como uma ameaça ao seu poder e privilégios. Desejam excluir os membros das tomadas de decisão e fazer valer seu direito absoluto de controlar o Partido de cima para baixo.
Seus constantes apelos à “democracia” são totalmente hipócritas, uma vez que violaram os princípios mais elementares da democracia a cada passo que deram. A descarada manobra de tratar de manter Corbyn fora do boletim de voto, enquanto proclamam ruidosamente o seu desejo de removê-lo no interesse da “democracia” e da “responsabilidade”, revelou-os como vigaristas totalmente antidemocráticos, trapaceiros e intrigantes. Agora, estes vigaristas terão que se defender diante de todos os membros do Partido, que devem chamá-los à responsabilidade por seus atos vergonhosos.
Como o golpe foi organizado
A conspiração para remover Jeremy Corbyn foi nada mais nada menos que um golpe. O pretexto para isto (golpes sempre devem ter um pretexto) foi que o líder Trabalhista não defendeu o campo da Permanência com entusiasmo suficiente na campanha do referendo. Naturalmente, os Blairistas de direita defendiam a União Europeia com o máximo de entusiasmo. Tão entusiasmados estavam na defesa deste clube de homens ricos, de banqueiros e capitalistas, que era impossível detectar a menor diferença entre eles e Cameron e os Conservadores.
Isto não é de todo surpreendente, uma vez que a direita Trabalhista é essencialmente igual à ala de Cameron no Partido Conservador. Em sua maioria, são originários da mesma classe, têm os mesmos interesses, pertencem aos mesmos clubes, e todos sem exceção têm as mesmas ideias, no caso, a defesa do sistema capitalista acima de tudo (chamam a isto de defesa do “interesse nacional”). Essa completa identidade com a ala de Cameron no Partido Conservador foi acentuada com os acontecimentos recentes. Não é segredo para ninguém que os Blairistas estão em conivência ativa com os Conservadores, a fim de preparar uma cisão no Partido Trabalhista no caso de fracassarem em remover Corbyn.
Imediatamente após o resultado do referendo ser anunciado, os Blairistas lançaram uma ofensiva total contra o líder Trabalhista. Dois dias depois do referendo, o ministro-sombra de Assuntos Externos, Hillary Benn, disse a Mr. Corbyn que não tinha fé em sua liderança; Mr. Corbyn o demitiu. Este foi o sinal para uma vaga de renúncias do ministério-sombra. Em 28 de junho, uma moção de desconfiança no líder Trabalhista foi apoiada por 172 dos 230 parlamentares do partido.
Não havia nada de espontâneo em tudo isto. O caso todo foi claramente coreografado e planejado com bastante antecedência – bem antes do referendo. Desde setembro do ano passado, esta gang estava atacando constantemente Corbyn, insultando-o, sabotando seu trabalho e fazendo de tudo ao seu alcance para miná-lo. Eles se rebaixaram ao mais rasteiro tipo de infâmias e calúnias, que eram repetidas milhares de vezes pela imprensa marrom e pelas prostitutas a soldo dos meios de comunicação.
Estas amáveis e respeitáveis damas e cavalheiros se comportaram como desordeiros e bandidos comuns. As reuniões do grupo parlamentar do Partido Trabalhista terminavam em tais tumultos que faziam, em comparação, a conduta dos torcedores ingleses de futebol na França parecer categoricamente amável e gentil. A intenção deste vandalismo político era perfeitamente clara: colocar Jeremy Corbyn sob pressão tão intolerável que ele seria obrigado a renunciar.
Enquanto alardeavam ruidosamente sua intenção de “ficar contra Corbyn”, esses covardes constantemente adiavam o anúncio de uma candidatura. Angela Eagle anunciou várias vezes que ela iria fazer um anúncio, somente para anunciar que não anunciariam nada “até amanhã”. O amanhã veio e se foi, mas nenhum anúncio foi feito.
Descontente com os uivos e ladridos vindo das bancadas trabalhistas, o líder do Partido Conservador, o primeiro-ministro David Cameron, tendo anunciado sua renúncia, exigiu na Casa dos Comuns que o líder trabalhista devia seguir seu exemplo. Temos, aqui, um perfeito exemplo da frente única que existe entre a direita Blairista do Partido Trabalhista e os Conservadores em bancadas opostas.
A razão é perfeitamente clara. Os renegados trabalhistas esperavam desgastar o líder do Partido até o ponto de ele jogar a toalha. Ele foi colocado sob a pressão mais intolerável para renunciar. Era o plano deles. Mas o tiro saiu pela culatra. Corbyn resistiu a todas as pressões e se recusou a renunciar.
Entra Tom Watson
Desde o início era óbvio que Tom Watson tinha se colocado do lado de Corbyn para puxar o punhal no momento apropriado. Naquele momento, escrevi:
Apesar de sua aparência modesta e inexpressiva, nosso Tom é um homem com grandes ambições. Dada a ruptura no grupo parlamentar do Partido Trabalhista, não poderia ele fazer o papel de mediador razoável e moderado? Com esta finalidade, não poderia ele se utilizar de seus excelentes contatos com os líderes sindicais? Além disso, na plenitude do tempo, não poderia ele aspirar para si mesmo calçar os sapatos de um líder trabalhista defunto, e até mesmo, com a vontade de Deus e do grupo parlamentar do Partido Trabalhista, não poderia ele aspirar ocupar o mais alto posto na terra?
Finalmente, agora, o momento do honesto Tom chegou. Apressou-se em regressar dos campos enlameados de Glastonbury, onde desfrutava de um concerto de rock, aos até mesmo mais enlameados campos de Westminster, onde esperava desfrutar de uma experiência ainda mais edificante em termos espirituais, embora não necessariamente mais limpa.
Os líderes sindicais, sob a crescente pressão das fileiras, decidiram que teriam que apoiar Jeremy Corbyn – ou, pelo menos, não apoiar sua remoção imediata. Eles ficaram claramente irritados com o movimento prematuro da direita no grupo parlamentar do Partido Trabalhista de pressionar na direção de uma cisão. Condenaram a tentativa de golpe contra Corbyn e as renúncias em massa do gabinete sombra como inaceitáveis. Mas, por outro lado (para os líderes sindicais sempre há um “por outro lado”), eles se ofereceram para mediar este desagradável conflito e para encontrar uma solução de compromisso.
O honesto Tom estava esfregando as mãos. A perspectiva de um compromisso, que não seria em absoluto um compromisso e sim meramente uma forma inteligente de varrer Jeremy Corbyn para o lado, encheu-o de alegria. O caminho ao gabinete da liderança subitamente se abriu diante dele. Retrospectivamente, esta ideia parece absurda. O argumento da alegada incapacidade de Jeremy Corbyn para o cargo parece uma piada muito engraçada quando se considera a possibilidade de sua substituição por um indivíduo que se assemelha a um vendedor de apólices de seguro fraudulentas com todo o charme de um tonel de manteiga rançosa.
A esperança pulsa eternamente no coração humano. Mas o sonho de Tommy não era realizável. Foi precisamente a agudeza do conflito, que ele tentava mediar fora da realidade, que fez desabar seus planos de mediação, ainda antes de nascerem. As hordas Blairistas, tendo sido deixadas de fora, estavam sedentas de sangue e não se deixariam ludibriar com qualquer compromisso que não incluísse a imediata defenestração do líder do Partido.
A publicação do inquérito Chilcot sobre a guerra do Iraque revelou a profundeza da divisão. Em meio à declaração de Corbyn sobre o informe Chilcot, o deputado trabalhista, Ian Austin, gritou: “Sente-se e cale-se. Você é uma desgraça”. Este incidente revela a atmosfera venenosa e as táticas de hooligan dos deputados trabalhistas de direita. Um fosso intransponível se abriu entre os Blairistas pró-guerra e Corbyn.
As tentativas do vice-líder de negociar um compromisso em conjunto com os líderes sindicais previsivelmente não deram em nada. Watson deu uma declaração no sentido de que a intenção declarada do líder de permanecer em seu posto “significa que não há nenhuma perspectiva realista de se alcançar um compromisso”. McCluskey acusou Watson de ser “profundamente hipócrita” por sugerir que um acordo que incluísse a renúncia de Corbyn sempre era uma possibilidade. Ele também advertiu contra quaisquer tentativas de manter Corbyn obrigando-o a obter a nomeação dos deputados. Ele acusou Watson de sabotar o encontro com o grupo parlamentar do Partido Trabalhista.
Na realidade, esta reunião estava condenada de antemão. Ela tinha menos chances de êxito que a tarefa de enquadrar o círculo. A razão disto é que é impossível reconciliar interesses de classe irreconciliáveis. As fileiras do Partido Trabalhista e dos sindicatos desejam defender os interesses da classe trabalhadora. A maioria dos deputados do Partido Trabalhista claramente representa agora os interesses dos banqueiros e capitalistas. Não há nenhuma diferença fundamental entre a direita Blairista do Partido Trabalhista e a ala “progressista” de Cameron do Partido Conservador. Este fato ficou flagrantemente exposto durante a campanha do referendo.
Angela Eagle
Visto que Jeremy se recusou a renunciar, Angela Eagle se viu finalmente forçada a fazer o anúncio longamente adiado de que ficaria contra ele, alegando que “iria explicar minha visão para o país e a diferença que um forte Partido Trabalhista pode fazer”. Ainda estamos esperando por esta explicação.
Seja qual for a acusação que se possa fazer a Mrs. Eagle, ninguém a acusaria de originalidade em seus ataques a Corbyn. Com um elevado grau de sentimento de inevitabilidade, ele repete o mantra monótono de que ele é “um líder que não cumpriu o seu primeiro e principal dever, que é o de liderar um grupo parlamentar organizado e efetivo do Partido Trabalhista, que tanto pode manter o governo quanto demonstrar que estamos prontos para formar um governo no caso de uma eleição geral”.
Angela Eagle agora afirma que é esquerdista. A pergunta é: à esquerda de quê, precisamente? Sabe-se que ela votou pela guerra do Iraque e que ela não se opôs aos cortes dos Conservadores. Em outras palavras, suas credenciais de esquerda são quase tão autênticas quanto o CV de Andrea Leadson [Curriculum Vitae – consta que a deputada conservadora “carregou” um pouco nos méritos curriculares – NDT]. Em uma entrevista televisiva na BBC2 da noite passada, ela teve a temeridade de sustentar que suas ideias eram mais ou menos as mesmas de Jeremy Corbyn. O atônito entrevistador então lhe perguntou por que ela estava contra ele. Ela parecia incapaz de responder à pergunta. Nem respondeu a uma pergunta ainda mais interessante: “Você tem certeza de que está no partido certo? ”
Esta manhã ouvimos a interessante notícia de que outro parlamentar trabalhista, Owen Smith, que na semana passada renunciou como ministro-sombra para o Trabalho e Pensões em apoio a Tom Watson, anunciou que também se apresentará à eleição da liderança do Partido. Este anúncio vai encher os Blairistas de desânimo e consternação. Eles exigem um só candidato – Angela Eagle – para enfrentar Jeremy Corbyn.
Não sabemos muito sobre Mr. Smith, mas ninguém sabe também. Ele era um garoto invisível dos bastidores, cuja única pretensão à fama foi que apoiou Tom Watson em sua tentativa malfadada de se tornar líder do Partido Trabalhista. Agora que Tom Watson foi lançado ao mar, Owen vê uma chance de emergir das sombras e sair à luz gloriosa do Sol da luta pela liderança. Ele agora informa a todos que é “de esquerda”, exatamente o que Angela Eagle disse. Curiosamente, ambos “esquerdistas” estão tentando remover o único que é genuinamente de esquerda, Jeremy Corbyn.
Ao se colocar como candidato, Owen Smith vai dividir o voto, aumentando ainda mais as chances de Corbyn. Evidentemente, todas estas damas e cavalheiros colocam suas perspectivas de carreira pessoal antes de qualquer outra consideração estratégica. Mesmo assim, a direita ainda não desistiu de todo da esperança. Aterrorizados ante o enorme afluxo de novos membros ao Partido (cerca de 130.000 na semana passada), eles se propõem a privá-los de seu direito de voto (um procedimento altamente democrático), restringindo o direito de voto àqueles que se juntaram ao Partido antes de 12 de janeiro.
Não satisfeitos com isto, eles se propõem a desencorajar mesmo os que se juntaram ao Partido no ano passado, aumentando a quantidade de dinheiro que eles devem pagar, de 3 libras para 25 libras. Isto está dirigido diretamente contra os trabalhadores mal pagos, as pessoas desempregadas e os estudantes, que estão propensos a votar por Corbyn. A restrição monetária não seria nenhum problema para a classe média e profissionais liberais, que formam o eleitorado natural dos Blairistas do PLP (Grupo Parlamentar do Partido Trabalhista – NDT). Isto lembra as velhas restrições ao direito do voto do século XIX, que limitava esta franquia aos proprietários. Esta medida somente expõe o vazio de sua pretensão de estar pela democracia.
Os apoiadores de Jeremy Corbyn já disseram que vão lutar contra estas manobras antidemocráticas. Em qualquer caso, uma vez que o assunto seja posto nas mãos dos filiados, Jeremy Corbyn tem todas as chances de ganhar, apesar de todas as intrigas, manobras e truques sujos do PLP e do Establishment burocrático do Trabalhismo.
Mal humor
As travessuras do PLP provocaram fúria nas fileiras. Houve um grande aumento de pessoas se juntando ao Partido Trabalhista nas últimas semanas. A filiação ao Partido Trabalhista se elevou a mais de meio milhão somente nos últimos quinze dias – de longe, a maior que já houve nos tempos modernos. Embora a direita também esteja tratando de mobilizar apoio, não pode haver absolutamente nenhuma dúvida de que a grande maioria destes novos membros estão se juntando para apoiar Jeremy Corbyn.
Estão se realizando reuniões partidárias por todo o país, com níveis sem precedentes de assistência. Há poucos dias na reunião geral anual de Brighton e Hove District do Partido Trabalhista de 800 a 1.000 pessoas se apresentaram. Uma vez que a sala só podia conter 300 pessoas ou perto disto, tiveram que celebrar a reunião de forma rotativa. Todos os candidatos eleitos a todas as posições oficiais eram apoiadores do movimento pró-Corbyn, Momentum. Nenhum voto foi dado a Corbyn, visto que todas as moções tiveram que ser adiadas. Mas a mensagem à liderança é perfeitamente clara.
A esta se seguiu a Bristol West Labour AGM, onde se apresentaram de 700 a 800 pessoas que tiveram de se espremer em duas salas. O presidente quebrou todas as regras para evitar que uma moção de apoio a Corbyn fosse votada. Uma votação à mão levantada deixou claro que 90% dos presentes apoiavam Corbyn. Relatos semelhantes estão chegando praticamente de todas as regiões.
Angela Eagle enfrenta uma moção de não confiança em sua própria zona eleitoral do Partido Trabalhista. Desde 24 de junho, o vice-presidente de Wallasey CLP, Paul Davies, disse que tinha visto sua filiação crescer de 367 membros a um total de mais de 1.200. Uma reunião de toda a base filiada será convocada em 22 de julho, quando o voto de não confiança será colocado e quase certamente aprovado.
Para desviar a atenção do fato de que Mrs. Eagle perdeu o apoio de sua base local do Partido, a mídia está explorando o incidente de um tijolo que aparentemente foi lançado na janela de seu gabinete nas primeiras horas da manhã de ontem. Isto está sendo utilizado para se criar a impressão de que os pobres deputados trabalhistas estão sendo “intimidados” e “acossados”. Esta é uma acusação surpreendente, quando se leva em conta que estas damas e cavalheiros estiveram vergonhosamente engajados na intimidação e acosso de Jeremy Corbyn durante meses.
Naturalmente, o lançamento de tijolos em janelas não é a forma de se lidar com essa gente. Apenas dá munição à imprensa burguesa. O que é necessário é uma campanha organizada para anular a eleição dos renegados que estão se preparando para dividir o Partido Trabalhista e fazer o máximo de danos possíveis antes de sair para se unir aos Conservadores.
O humor nos sindicatos é igualmente raivoso. Na recente conferência do sindicato GMB, havia muitas resoluções apoiando Corbyn e exigindo a anulação da eleição dos deputados trabalhistas de direita. Exatamente o mesmo sentimento expresso na conferência de Unite. Os delegados entrevistados na televisão expressavam ira e indignação diante das tentativas de desbancar Corbyn. Um delegado disse ao entrevistador: “a única resposta é anular a eleição. Anular a eleição de todos eles – de cada um dos 172 traidores! ”
O golfo que separa a gang Blairista de Westminster das fileiras do Trabalhismo se converteu em um abismo intransponível. De fato, agora existem dois Partidos Trabalhistas em estado de guerra aberta. É difícil de se ver qualquer outro resultado além da divisão, que significará um realinhamento fundamental da política britânica pela primeira vez em 100 anos.
A estratégia da classe dominante
Na realidade, o que os Blairistas e a classe dominante temem não é que Jeremy Corbyn não consiga se eleger; pelo contrário, temem que o Partido Trabalhista sob Corbyn ganhe a próxima eleição. O Partido Conservador continua profundamente dividido sobre a Europa. É precisamente por isto que abandonaram Andrea Leadson, a candidata da ala Brexit anti-europeia do partido, para dar a Theresa May caminho livre à liderança do Partido.
Esta manobra, que marginalizou as fileiras do Partido Conservador, que são em sua esmagadora maioria de direita, xenófoba e anti-europeia, evitou temporariamente o risco de uma divisão imediata no Partido Conservador. Contudo, o novo líder terá de negociar um acordo com Bruxelas e não pode esperar quaisquer favores. Qualquer acordo que permita o acesso britânico aos mercados da União Europeia (uma demanda fundamental da classe dominante britânica) terá que permitir o livre movimento da força de trabalho – algo que é um anátema para a ala anti-UE do Partido Conservador.
O risco de uma divisão foi, portanto, adiado, mas não eliminado. Por outro lado, uma vez que a Grã-Bretanha está agora caindo rapidamente em recessão, terão que ser feitos cortes profundos por este governo, que se tornará o governo mais odiado dos tempos recentes. De acordo com as pesquisas de opinião há poucos meses, os Trabalhistas tinham uma ligeira vantagem sobre os Conservadores, apesar de todo o caos e confusão causados pela sabotagem dos Blairistas. A impopularidade dos Conservadores crescerá ainda mais no próximo período. É por isto que a ala de direita do Trabalhismo está fazendo tudo que pode para sabotar as perspectivas do Trabalhismo e se desfazer de Jeremy Corbyn enquanto ainda têm tempo para fazê-lo.
Sabe-se agora que os Blairistas e a ala de Cameron do Partido Conservador estão agindo em uníssono, seguindo os ditados da City de Londres, das grandes empresas e da imprensa bilionária. Em 22 de junho, o Financial Times, que hoje em dia cumpre a tarefa de boletim interno da classe dominante britânica, publicou um artigo intitulado: “O Trabalhismo agora deve agir para remover Jeremy Corbyn”.
O artigo começa com as seguintes palavras: “Jeremy Corbyn deve ir embora”. E continua: “Os deputados trabalhistas devem encontrar um candidato em torno do qual todas as forças anti-Corbyn possam convergir, e que aborde melhor a profunda fenda no coração da base de apoio do Trabalhismo”.
Como é comovente ver o Financial Times tão preocupado com o destino do Partido Trabalhista! Como é legal da parte deles dar um conselho tão interessante às damas e cavalheiros do grupo parlamentar do Partido Trabalhista. E com que toque prazeroso ele termina sua amigável exortação:
“O que agora está em causa não é a sobrevivência política de um só indivíduo, mas o destino dos dois principais partidos que dominaram a política britânica durante o século passado. Aconteça o que acontecer nos próximos dias, um desafio pode ser lançado. Depois de ter desembainhado o punhal, os parlamentares trabalhistas não podem se deter agora”.
O que temos aqui não é um conselho muito amigável aos parlamentares do Partido Trabalhista, mas uma ordem direta da gente que realmente conta na Grã-Bretanha, o verdadeiro eleitorado a que se dirigem os Blairistas de direita: os banqueiros e os capitalistas. E eles seguiram as ordens de seus amos ao pé da letra. Este é o significado da atual crise do Partido Trabalhista.
The Economist em 9 de julho publicou um artigo em sua coluna Bagehot que explicita a estratégia da classe dominante com admirável clareza:
“Pesquisas realizadas por membros do Trabalhismo mostram que, embora Mr. Corbyn tenha perdido apoio durante a campanha do referendo, ele ainda pode bater Mrs. Eagle, a mais popular desafiante potencial. Se ele se mantiver, ou se um de seus aliados concorrer em seu lugar e vencer, alguns deputados moderados planejam declarar a independência. Eles podem perder a infraestrutura do partido, mas não teriam dificuldades de encontrar financiamento e, se seu número for maior do que os que permanecerem no grupo parlamentar do Partido Trabalhista, poderiam formar a oposição oficial. (…)
“Os próximos meses vão ser inquietantes. Podem culminar com deputados centristas abandonando um partido que os abandonou, e em um momento em que a Grã-Bretanha necessita de uma oposição unida e forte. Ainda assim, o confronto é bem-vindo. O Trabalhismo vem sendo uma coalizão estranha de anticapitalistas e socialdemocratas, minando e frustrando uns aos outros. Com os Conservadores à deriva para a direita e o centro ficando escasso, a Grã-Bretanha poderia utilizar um partido de centro-esquerda capaz de manter o governo e, com as negociações do Brexit começando, pressioná-lo para manter o país tão aberto e dinâmico quanto possível. Seja derrotando ou dividindo Mr. Corbyn, os moderados Trabalhistas têm agora uma chance de criar esta força”.
The Observer de domingo, 10 de julho, trouxe um artigo intitulado “Trabalhistas pró-UE e parlamentares Conservadores buscam formar um novo partido centrista”, no qual se lê:
“Parlamentares Conservadores e Trabalhistas man tiveram conversações informais sobre o estabelecimento de um novo partido político no caso de Andrea Leadsom se tornar primeiro-ministro e Jeremy Corbyn permanecer como líder do Trabalhismo, revelou um ministro do gabinete.
“Representantes de alto nível de ambos os partidos discutiram a fundação de um novo grupo centrista nos moldes do Partido Socialdemocrata (SDP) devendo os dois principais partidos polarizar, de acordo com o ministro. As conversas devem ser levadas com seriedade, embora ainda estejam em estágio inicial, de acordo com a fonte”.
E acrescentou:
“Uma fonte do Partido Conservador disse que os parlamentares Trabalhistas e Conservadores que fizeram a campanha a favor se aproximaram durante a campanha e cada vez mais chegam a se considerar como ‘uma tribo’”.
“Uma fonte de alto nível do Trabalhismo confirmou que pelo menos um ministro Conservador e um do gabinete de ministros-sombra que renunciou na semana passada haviam se envolvido em discussões sobre tal reforma da política britânica. ‘Há uma sensação de que tem que haver um novo partido no centro da política britânica’, disse ele. ‘É cedo, mas as conversas estão em nível bastante elevado’”.
O que significa isto? Durante 100 anos a classe dominante britânica confiou no sistema de dois partidos para assegurar a estabilidade política da Grã-Bretanha. Trabalhistas e Conservadores se revezaram na condução do governo, seguindo políticas que, no passado, não tinham nenhuma diferença fundamental. Nas recentes décadas, as diferenças entre os dois partidos haviam virtualmente cessado de existir. Tony Blair e seus seguidores eram Tories em tudo, menos no nome. Eles gozavam de toda a confiança da classe dominante cujos interesses representavam fielmente.
Enquanto a economia estava indo em frente, e certas concessões podiam ser feitas, este sistema funcionou razoavelmente bem, do ponto de vista da classe dominante. Mas, agora, tudo isto foi lançado no crisol. Anos de crise econômica, de cortes e austeridade, acompanhados de desigualdade extrema, com a riqueza obscena desfilando publicamente junto com o aumento da pobreza de milhões de pessoas – tudo isto levou a um acúmulo de ira, descontentamento, amargura e frustração. A vitória de Jeremy Corbyn foi um reflexo disto.
Agora, a classe dominante teme que o Partido Trabalhista esteja escapando das mãos de seus agentes de confiança no grupo parlamentar do Partido Trabalhista. Isto explica sua insistente campanha para se desfazer de Jeremy Corbyn. Mas, se falham nisto – e tudo indica que estão falhando – não hesitarão em organizar uma cisão. Como vimos, eles falam abertamente da necessidade de um novo alinhamento da política britânica, com a criação de um novo partido do “centro”. Esta é agora a perspectiva mais provável. Mas é uma estratégia extremamente arriscada, do ponto de vista da classe dominante.
O novo primeiro-ministro, Theresa May, vai desfrutar de um período de lua de mel, mas este não durará muito tempo. A brecha no Partido Conservador nunca foi tão ampla. Os apoiadores do Brexit ficaram amargamente desapontados com as manobras que afastaram seu candidato e olham com suspeita para Mrs. May. Ficarão observando cada um de seus movimentos como falcões. Ao menor indício do que eles consideram como uma traição sobre a imigração, as adagas serão desembainhadas novamente. Sob certas circunstâncias, o Partido Conservador pode se dividir em suas partes constituintes.
Sob estas circunstâncias, a aproximação entre a facção pró-UE dos Conservadores e a direita dos renegados Blairistas é uma conclusão inevitável. Se isto assumiria a forma de uma fusão real ou de um acordo que poderia levar mais tarde à fusão, é uma questão de especulação. Mas a direção geral é bastante clara.
Por um lado, a ala direita anti-europeia dos Conservadores poderia se fundir com UKIP para formar um partido reacionário, chauvinista e xenofóbico, semelhante à Frente Nacional na França. Os liberais – o que resta deles – entrariam em colapso no partido do centro. A Liberal-democrata Shirley Williams, que rompeu com o Trabalhismo em 1981 para formar o SDP [Partido Socialdemocrata – NDT], disse que o Trabalhismo sob Corbyn está em desordem e é incapaz de oferecer uma oposição efetiva, com a previsão do Brexit para o Reino Unido. Ela disse que, sem um consenso de todos os partidos sobre um acordo final, o país poderia se desintegrar em uma amarga e acrimoniosa divisão pós-Brexit.
Com o apoio da mídia e com uma generosa injeção de fundos das grandes empresas, é provável que tal partido ou coalizão poderia ganhar uma eleição geral, provavelmente com uma grande maioria. O Partido Trabalhista seria empurrado para a oposição. Contudo, ele não seria destruído. Na oposição, o Partido Trabalhista poderia se inclinar ainda mais à esquerda, atraindo uma grande quantidade de apoio, sobretudo porque o chamado governo do Centro seria obrigado a realizar uma política de cortes e austeridade.
Aconteça o que acontecer nas próximas semanas, haverá um efeito decisivo sobre o futuro da política britânica para os próximos anos. O cenário será montado para uma forte polarização à esquerda e à direita, abrindo novas possibilidades para as forças do Marxismo. As placas tectônicas se moveram. A Grã-Bretanha já mudou de forma fundamental, e não há como recuar.
13 de julho de 2016
Artigo publicado originalmente em 13 de julho de 2016, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Two Labour Parties – The right wing is heading for a split“.
Tradução de Fabiano Leite.