No último dia 22 de junho, o Conselho Universitário da Universidade de São Paulo (USP) decidiu em reunião, remarcar a discussão da pauta sobre cotas étnico-raciais possivelmente para o dia 4 de Julho. Diversos coletivos e entidades estudantis organizaram shows e algumas mobilizações, ainda que não tenha contado com a participação massiva dos estudantes. Para nós, valorizamos a ideia de ampliar o ingresso, entretanto, pela proposta deste texto, queremos dialogar e fazer parte dessa discussão que vêm sendo feita por muitos estudantes.
A pauta pela aprovação de cotas raciais na universidade tem tomado muita repercussão nos últimos anos entre os estudantes da USP. Os principais argumentos levantados são pela democracia no ingresso à universidade e pela “reparação histórica dos negros”. Sem dúvida, hoje na Universidade de São Paulo entram poucos estudantes oriundos de escola pública – 4.036 estudantes (36,9%) em 2017 -, e consequentemente, deixa de fora majoritariamente a juventude negra e pobre. O ingresso à universidade é ainda muito restrito a um pequeno punhado de jovens que podem pagar as melhores escolas e a tendência é tornar o acesso mais excludente tendo em vista que temos a “Reforma” do Ensino Médio aprovada. Entretanto, é necessário pensar o ingresso à USP para que todos tenham seu direito ao ensino superior garantido, não que apenas alguns setores da sociedade tenham acesso. Por isso, a melhor maneira de impulsionar para que todos os negros, que toda a juventude entre na universidade, é lutar por vagas para todos, não só na USP, mas em todas as universidades públicas do país. Essa era inclusive uma das reivindicações da UNE (União Nacional do Estudantes) em sua carta de princípios em 1979, a qual foi paulatinamente abandonada.
Mas… E a “reparação histórica dos negros”?
Um dos argumentos mais utilizados para defender a aplicação das cotas raciais é de que as cotas são necessárias para defender a reparação histórica para com os negros. Essa discussão nos remete à origem do racismo no Brasil, cuja origem está ligada com a luta de classes. Os motivos da escravidão no Brasil eram fundamentalmente de ordem econômica e produtiva.
Foi a necessidade da exploração intensiva de mão de obra e do aumento da produção de mercadorias com baixa tecnologia (manufaturas), que criaram as condições para a escravidão nos períodos iniciais do capitalismo. Não foi apenas no Brasil que essa política foi aplicada, a escravidão foi sistematicamente praticada pelos capitalistas nos EUA para a produção de algodão e na América espanhola os astecas e incas foram escravizados para a extração do ouro e da prata. O verdadeiro motivo para a escravidão nesse período é a sanha pelo lucro dos países imperialistas. A partir da luta de escravos e trabalhadores assalariados pela abolição da escravidão, e também por interesses da burguesia, a escravidão é formalmente extinta, mas os negros são jogados na sociedade e formam uma reserva de mão de obra barata, com os piores salários e condições de vida. Até hoje vivemos resquícios disso, a classe trabalhadora e a juventude negra possuem os menores salários e menor nível de escolaridade, além de sofrer diariamente com o racismo.
Para justificar o racismo, a burguesia buscou se utilizar de diversas teorias supostamente científicas para justificar a existência de “raça inferior” e principalmente, para justificar o sistema de exploração. Mas ao longo do século XX, surgiram diversas lutas anticoloniais, como o processo de independência em países africanos, surgimento dos Panteras Negras nos EUA que reivindicavam melhorias não só entre os trabalhadores negros, mas para melhorar as condições de vida para toda a classe trabalhadora.
É reacionária a ideia de que existem raças entre seres humanos e, portanto, a criação de leis com base em raças humanas. A exploração sofrida pelos escravos, a exploração sofrida pela classe trabalhadora, será “reparada” com a expropriação da classe que suga há séculos a riqueza produzida pela maioria explorada. A luta não é de negros contra brancos, a luta deve ser contra a burguesia e seu sistema. É preciso lutar pela igualdade, pela unidade dos oprimidos contra o verdadeiro inimigo comum.
A quem interessam as cotas raciais?
É importante ressaltar a origem da política das ações afirmativas e das cotas raciais. Embora elas possam aparentar um avanço, sua origem mascara sua real intenção: manter a classe operária dividida sob o pretexto da existência de raças humanas. Surgiram nos EUA, no governo de Lyndon Johnson, tendo como principal impulsionadora a reacionária Fundação Ford. Essa política foi criada após o fim das leis segregacionistas, derrubadas pelo movimento dos direitos civis nos anos 60. Para ser aceita, essa política recebeu o nome de “discriminação positiva”, da qual se cria a adoção de incentivos fiscais raciais, tais como as cotas raciais nas escolas, universidades, empresas, no funcionalismo público, etc.
No Brasil, as cotas raciais e política de ações afirmativas ganham força nos anos 80. O objetivo dessa política consiste em financiar linhas de pesquisas e ONG’s que visam, teoricamente, diminuir o abismo entre ricos e pobres, mas na prática, mantém apenas uma pequena parcela “beneficiada” em detrimento da grande maioria. A política compensatória cria uma fachada de que algo está sendo mudado, entretanto nada é alterado no sistema capitalista, fazendo com que a luta por maior investimento público na educação, saúde, entre outras áreas sociais, por exemplo, fossem deixadas de lado.
A primeira universidade a adotar a cota racial no Brasil independente do recorte social (renda), onde os estudantes que se autodeclaravam “negros” tinham reserva de 20% das vagas foi da UNB (Universidade Nacional de Brasília), aprovado pelo Conselho Universitário (CO). Aliás, nesta universidade que ocorreu o famoso caso dos gêmeos: um foi declarado branco e outro declarado negro. Essa política pode beneficiar um estudante autodeclarado negro milionário em detrimento de um filho de trabalhador que tem a pele clara, por exemplo.
Pela retomada por uma educação pública, gratuita e para todos!
Em 2017, a FUVEST disponibilizou 8.854 vagas para cerca de 137 mil inscritos, ou seja, nem sequer a metade dos que fazem o vestibular passam, e se contarmos os jovens que nem sequer ousam prestar FUVEST porque sabem que não vão passar, milhares ficam de fora. Mesmo que as cotas raciais sejam aprovadas pelo Conselho Universitário da USP, elas não são garantia de maior inserção de jovens negros na universidade porque a grande maioria ficará de fora, principalmente os filhos da classe trabalhadora, que é majoritariamente negra e pobre. Para essa juventude negra e trabalhadora, resta ficar em uma vaga na universidade privada, com qualidade inferior e pagando pelos estudos, com bolsa 100% integral no PROUNI destinado para uma ínfima parcela de jovens. Para se ter uma ideia, em 2016, foram 9,2 milhões de inscritos no ENEM. Mas, o Estado ofereceu apenas 238.397 vagas pelo SISU (Universidades Públicas) e 214 mil bolsas pelo PROUNI pagas pelo Governo com dinheiro público nas universidades privadas. Isso significa que dos 9,2 milhões de jovens que prestaram o ENEM, cerca de 455 mil conseguiram ingressar no Ensino Superior “gratuitamente” ou pagando parcialmente sua mensalidade, enquanto que os outros quase 9 milhões terão que pagar toda a mensalidade de alguma universidade paga ou simplesmente ficarão sem estudar.
É nesse sentido que queremos vagas para todos nas universidades públicas, vagas para todos na USP. Mesmo em plena ditadura militar, o DCE Livre da USP na época impulsionava o ensino público, gratuito e para todos, contra os monopólios do ensino pago existentes nas fundações privadas e contra o vestibular. Trata-se de uma reivindicação histórica impulsionada nacionalmente, mas aos poucos foi abandonada pela direção da UNE devido a sua política de conciliação de classes. Em países como Venezuela, os trabalhadores junto ao governo Chávez mostraram como é possível aumentar o número de vagas nas universidades públicas e garantir o livre acesso ao ensino superior.
Como defendemos no último Congresso Nacional do Estudantes (CONUNE), lutamos para que todos tenham acesso ao ensino público superior, por isso dizemos “vagas para todos” e “por uma educação pública, gratuita e para todos”. Somos estudantes da USP e acreditamos que essa luta por mais construção de vagas nas universidade públicas deve se estender pelo Brasil inteiro, incluindo a USP. Reivindicamos para que isso aconteça, o governo federal deixe de pagar a dívida pública, ferramenta utilizada para sugar bilhões de reais ao invés de investir mais na educação, saúde, previdência social, etc. No caso da USP, o governo estadual deve investir para ampliar mais vagas na USP assim como entre outras estaduais, além de investir na construção de mais salas de aulas em todos os níveis e nos salários dos professores.
A atual situação política tem como marca principal a instabilidade e polarização social. Em momentos de crise, a burguesia retira nossos direitos mais elementares para se salvar. Grandes mobilizações estudantis, greves e manifestações massivas mostram a grande disposição de luta, passando por cima das direções. É nesse sentido que a reivindicação por uma educação pública, gratuita e para todos tem grande potencial de se conectar com os anseios da juventude e classe trabalhadora.
Neste ano completamos o centenário da Revolução Russa de 1917, revolução que nos mostra um grande aprendizado de luta e organização contra os poderosos e a burguesia, inseridos em um contexto de mobilização, devemos ir ao combate para garantir que pela luta todos os jovens entrem na universidade.
VAGAS PARA TODOS!
EDUCAÇÃO PÚBLICA, GRATUITA E PARA TODOS, EM TODOS OS NÍVEIS JÁ!
FORA ZAGO! FORA ALCKMIN!
FORA TEMER E O CONGRESSO NACIONAL!
POR UM GOVERNO DOS TRABALHADORES!
*Evelyn Gonzalez e Luís Tenório são militantes da Liberdade e Luta – USP