“Eles querem o mais radical que possam encontrar”: entrevista com Antonio Balmer, da Socialist Revolution

Em meio ao Congresso Mundial da Corrente Marxista Internacional, que aconteceu entre os dias 7 e 12 de agosto de 2023, na Itália, entrevistamos o camarada Antonio Balmer, da seção norte-americana da CMI, Socialist Revolution, sobre a situação política dos Estados Unidos.

Nesta entrevista, ele fala sobre a entusiasmante greve que tem abalado Hollywood; sobre o crescimento expressivo da Socialist Revolution, principalmente entre a juventude, que se apresenta cada vez mais revoltada com o sistema capitalista; sobre o fenômeno de Trump e a incapacidade do partido de Wall Street atender aos anseios da classe trabalhadora.

Desde o Brasil, estamos acompanhando de perto a Greve de Hollywood. Conte-nos qual é a situação desta greve hoje e o impacto que ela tem sobre a consciência da classe trabalhadora dos Estados Unidos e do mundo.

Antonio – Há uma energia especial agora nos EUA. Já há vários anos temos visto um aumento das greves e vem se expressando uma raiva no movimento operário. Mas esta greve é particular, é especial e importante, porque, claro, Hollywood é um centro cultural e é todo mundo a tem muito presente.

Sobretudo nos últimos anos tem havido essas empresas de streaming, como Netflix, Disney, Apple, Amazon, que formam parte da vida de milhões de pessoas. E o fato de que haja uma greve, de repente faz com que todos percebam que por trás das séries e programas que todos utilizam para se tranquilizar após um dia de trabalho há trabalhadores que fazem isso possível. Há roteiristas que escrevem os diálogos, há um montão de trabalhadores que fazem possível que este entretenimento exista. Além disso, são trabalhadores que têm condições difíceis.

As pessoas se surpreenderam com essa greve e se deram conta de que atores que aparecem nas séries e na televisão, e produzem coisas que geram milhões de dólares para as empresas, vivem em condições muito difíceis. Inclusive há trabalhadores que contribuem com estas séries e que não podem se permitir nem sequer pagar o seu aluguel ou que precisam recorrer a bancos de alimentos para chegar ao fim do mês, ou seja, que vivem em condições assombrosas.

Então, surgiu esta greve que tem sido muito militante e começou com o sindicato dos roteiristas. Começou no início de maio e o genial é que se somaram à luta os trabalhadores de International Alliance of Theatrical Stage Employees (IATSE), que é outro sindicato dos trabalhadores de cenários, e os caminhoneiros, os teamsters. Eles são de outros sindicatos que não tinham os seus contratos em discussão, mas também se negaram a cruzar os piquetes. Isso paralisou Hollywood, parando toda a produção de filmes e séries em Los Angeles, Nova York, e gerou muito entusiasmo para o movimento.

Ainda no princípio, a direção do SAG-AFTRA, que é outro sindicato dos atores, disse que eles tinham contratos diferentes, que precisavam ser respeitados, e que não se somariam ao movimento. Mas depois também começaram a ter uma negociação sobre o novo contrato e entraram em greve.

Foto: Eden, Janine and Jim, Wikimedia Commons

Além disso, um terceiro sindicato, dos diretores, também teve uma greve rápida. Eles chegaram a um acordo em junho e já se retiraram. Teria sido bom que todos se mantivessem firmes e nenhum sindicato aceitasse até que todos conseguissem suas reivindicações, mas seguem ainda, após três meses, SAG-AFTRA, a greve dos atores e dos roteiristas.

E um detalhe interessante é que vazou um documento interno da aliança dos produtores de televisão, a patronal de televisão e filmes, que era como uma estratégia deles. Ele dizia: “vamos deixar que esta greve se prolongue até que os membros do sindicato comecem a perder seus apartamentos e suas casas”. E isso, ao invés de rebaixar o ânimo dos trabalhadores, lhes deixou ainda mais brabos. Eles disseram “esse é o momento em que vamos derrubar as portas de Versalhes”. Isso gerou muita raiva e muita determinação para seguirem lutando.

Estes trabalhadores também se dão conta de que o movimento operário do país está olhando para eles e que a população em geral entende o que está acontecendo. Este é um momento muito interessante, porque está polarizando com questões sociais, econômicas, da classe trabalhadora e com a consciência de milhões de pessoas.

Há também uma greve de trabalhadores de hotéis na Califórnia, com 30 mil trabalhadores em greve. A greve deste setor é a maior da história do país e estes trabalhadores têm condições muito diferentes das dos de Hollywood, mas existe uma espécie de solidariedade entre eles. Como faxineiros de quartos de hotel que olham atores e dizem: “eles são atores, mas também têm preocupações sociais como as nossas”. E há uma consciência muito impressionante que vai se desenvolvendo.

Os roteiristas também foram apoiar uma greve dos caminhoneiros, os teamsters, em um armazém da Amazon, porque os caminhoneiros haviam apoiado os roteiristas. É como o início de uma solidariedade por meio de muitos setores e sindicatos. Isso era muito raro. Nos Estados Unidos é uma tradição dos anos 40 que foi perdida, mas agora vemos que está sendo recuperada. Uma solidariedade de classe ampla. E isso é algo que nos dá muito ânimo.

Claro, para que os ganhos não sejam apenas vitórias moderadas é preciso que este ânimo de luta tenha também uma perspectiva implacável, uma perspectiva que reconheça que isso é uma guerra entre duas classes que têm interesses irreconciliáveis. E isso é a perspectiva comunista que permitiu que nos anos 30 e 40 as lutas tenham tido êxito. Hoje em dia estamos batalhando para recuperar essas tradições políticas.

Nos conte sobre o crescimento da Socialist Revolution e da Corrente Marxista Internacional nos EUA, e sobre o trabalho desenvolvido entre a juventude.

Eu diria que observando o panorama político dos Estados Unidos o primeiro ponto de inflexão foi em 2016 com a eleição de Trump e a campanha de Sanders, que pela primeira vez começou a apresentar o socialismo como uma corrente que estava na moda, que todo mundo reconhecia como algo presente na sociedade americana.

Para nós, esse foi o início de um processo para alcançar uma camada da juventude que estava se radicalizando. Eram momentos inspiradores em que você ia a uma manifestação com 10 mil jovens e perguntava “Você é socialista? Te interessa o socialismo?” e era muito fácil encontrar jovens que respondiam que sim, que queriam não apenas falar da campanha de Sanders, mas criticar o capitalismo e chegar a uma perspectiva revolucionária.

Claro, isso já faz sete anos e já é um pouco história antiga para nós. Porque nos anos desde então houve um processo de radicalização em uma etapa muito mais avançada. Por exemplo, hoje em dia é fácil encontrar jovens aos quais perguntamos não apenas “te interessa o socialismo?” para começar uma conversa, mas para os quais perguntamos “você é comunista?”. É muito fácil e, aliás, isso te deixa um pouco assombrado, interagir com tantos jovens que te dizem “sim, sou comunista”, sem pensar, e dizem “sim, quero derrotar o capitalismo, sou anticapitalista”.

Estamos falando de um país que tem tradições políticas super anticomunistas e onde a direita, e sobretudo os republicanos, agitaram este assunto nos meios de comunicação dizendo “temos que frear o comunismo” e esse tipo de retórica. Mas, ao final, isso só ajuda a dar um sentimento de ímpeto político nas bases da sociedade.

“Todos os dias dezenas de jovens nos contatam escrevendo ‘sigo estas ideias e me interesso pelo marxismo por meio da internet, há anos sigo a página de vocês e leio artigos, e esta é a hora de participar da luta, quero agir, não quero mais ser passivo, quero lutar por uma mudança revolucionária’. Este é o sentimento que encontramos.”

Inclusive em regiões mais conservadoras, em estados republicanos, vemos que há por baixo da superfície uma corrente muito profunda subjacente de radicalização. São inclusive nestas zonas mais conservadoras onde encontramos os jovens mais radicais, que dizem “eu quero o comunismo, a foice e o martelo”. Eles querem o mais radical que possam encontrar.

Para nós essa é a fonte de toda atividade que fazemos. Buscamos organizar este ânimo. Isso é uma coisa muito estendida, mas atomizada, ou seja, não está concentrada em uma força organizada, mas é um sentimento muito difundido. Todos os dias dezenas de jovens nos contatam escrevendo “sigo estas ideias e me interesso pelo marxismo por meio da internet, há anos sigo a página de vocês e leio artigos, e esta é a hora de participar da luta, quero agir, não quero mais ser passivo, quero lutar por uma mudança revolucionária”. Este é o sentimento que encontramos. Isso não é uma coisa rara, é algo muito comum agora encontrar jovens que expressam este ânimo e vontade de lutar e fazer uma mudança.

Para nós, a tarefa é não apenas alcançar e nos conectar com essa camada, mas convertê-la em uma força social consolidada que possa ter um impacto na luta de classes. É por isso que estamos construindo nossos grupos de base energicamente, basicamente em todas as regiões do país.

Os locais onde somos mais fortes são Nova York, Mineápolis, Filadélfia, Phoenix, San Luis… Mas a parte destas cidades, onde temos vários grupos organizados, temos também um trabalho se desenvolvendo em muitas outras cidades, em todas as regiões.

No ano passado tivemos algumas escolas marxistas regionais em Nova York, Mineápolis, em Atlanta (Geórgia), Bellingham (Washington) e em Phoenix (Arizona) com uma audiência recorde de mais de 300 jovens no total. Para falar sobre porque os Estados Unidos vão na direção de uma revolução, pois esta não é apenas uma radicalização política que está acontecendo, há uma crise econômica que vai seguir radicalizando milhões de jovens.

Hoje, um trabalhador que ganha um salário-mínimo nos Estados Unidos não pode se permitir alugar um apartamento em nenhuma cidade do país. Ou seja, são coisas simples assim. Mais de 100 milhões de pessoas lutam para poder ter assistência médica nos Estados Unidos, que é um dos fatores principais que leva as famílias trabalhadora à falência. Isso é o que o capitalismo representa para muitos jovens. Não poder chegar ao fim do mês. Além disso, há a crise climática, a polarização social…

Há muitos fatores que tornam muito fácil que um jovem chegue à conclusão de que “eu não aceito o capitalismo, eu quero lutar por outra coisa”. O marxismo e o comunismo estão se convertendo em um atrativo, em um ponto de referência para esta geração. Para um marxista revolucionário é realmente inspirador ver essa mudança.

Os ataques jurídicos da classe dominante contra Trump, ao invés de debilitar, têm aumentado o apoio a ele.  Qual é a explicação deste fenômeno do ponto de vista do descrédito das instituições burguesas?

Se remontarmos a 2016, quando Trump ganhou pela primeira vez, o que vimos naquelas eleições era o colapso do centro moderado, chamado liberal. Pois havia um rechaço muito profundo da sociedade ao status quo e ao establishment, um ódio a todos os políticos. Claro, isso também foi uma resposta à experiência de 2008 com a crise.

Nos Estados Unidos há um sistema bipartidário. Este monopólio político nas mãos da burguesia foi reconhecido como algo de outro mundo, de outra classe, algo com o que a maioria da população não se identifica. Então Trump aproveitou este estado de ânimo da sociedade, se apresentando – ironicamente, pois ele é um bilionário e não tem nada a ver com a classe trabalhadora – como um personagem antiestablishment.

Apesar de sua prisão e outras questões, Trump ainda tem enorme influência dentro da direita

Desta maneira, começou a encontrar apoio entre camadas desesperadas da classe trabalhadora, mas também da classe média, e a canalizar este mal-estar social em questões culturais reacionárias, como o sentimento anti-imigrante, o mesmo discurso que vemos no Brasil e em todas as partes do mundo.

Nós, observando este fenômeno, explicamos desde 2016 que não era possível combater o trumpismo por meio do liberalismo, por meio do establishment. A única forma de combater Trump era com o socialismo, com a política de classe. A única forma de minar este apoio e esta aliança reacionária entre uma parcela da classe trabalhadora com o Partido Republicano era apresentando e defendendo uma alternativa de classe que pudesse se conectar com este descontentamento social e canalizá-lo na direção da luta de classes.

Em lugar disso, obviamente a única força proeminente na sociedade que enfrentou de alguma forma a Trump foi o establishment, foi o partido de Wall Street. Ou seja, Biden representa o apoio de todos os meios de comunicação, de toda a classe dirigente do país, que investe suas esperanças no Partido Democrata para tentar estabilizar novamente a situação.

Para a base de Trump, isso não fez mais que aumentar o crédito dele. Ou seja, não causa nenhum descrédito a ele o fato de que o New York Times o esteja atacando ou que os políticos democráticos que a sua base percebe como corruptos o estejam atacando.

E agora os processos judiciais das instituições do Estado não tiraram dele a legitimidade aos olhos da sua base. Pelo contrário, é uma confirmação a mais de que Trump é o único que enfrenta as instituições do Estado. Reforça a ideia de que ele é a única oposição ao sistema.

Isso confirma o mesmo fenômeno que vimos desde o início do trumpismo em 2016.  Não se pode combater esse populismo de direita, essa demagogia reacionária, sem um programa revolucionário e de classe. E esta alternativa ainda não está presente de forma visível para milhões de pessoas que não encontram uma alternativa à esquerda. Até que esta alternativa não se apresente estaremos nesta polarização reacionária prolongada.

No entanto, também é preciso reconhecer que os meios liberais perdem a cabeça com Trump e entram em pânico com o que está acontecendo. Para a juventude, há um estado de ânimo muito diferente, porque ela tem esse espírito de rebelião que está muito forte. E não percebe a batalha política entre conservadores e liberais como algo relevante para ela. Pelo contrário, rechaça todos os partidos e todas as instituições e os meios, rechaça tudo.

Esse é um fator que, claro, não entra nas análises políticas oficiais da burguesia, não entra nos editoriais do New York Times, mas há outro elemento muito profundo na sociedade dos Estados Unidos, que é a classe trabalhadora jovem e avançada que quer lutar, que ainda não encontrou o seu instrumento para esta luta, mas que acabará construindo-o.

Sabemos que, de acordo com o rastreador de aprovação presidencial do FiveThirtyEight, 56,3% dos norte-americanos desaprovam a administração de Biden e 40% ainda acreditam que as eleições de 2020 foram uma fraude. Como se explica a dificuldade de Biden de restaurar a confiança massiva no regime?

A única coisa que Biden fez nas eleições de 2020 foi focar no fato de que ele não era Trump. Ou seja, ele era a alternativa a Trump, mas sem acrescentar nada positivo.

Fez uma série de promessas tentando um pouco desesperadamente ganhar a base de Sanders, os jovens. Disse que agiria sobre a crise climática, que melhoraria as condições dos imigrantes, aos quais Trump tinha atacado muito agressivamente fechando a fronteira, que ajudaria os estudantes diminuindo as dívidas estudantis, que é algo descontrolado nos Estados Unidos…

Mas nos últimos anos não fez absolutamente nada, não cumpriu nenhuma promessa. Em relação à crise climática, os Estados Unidos estão produzindo mais petróleo do que nunca. Foi uma farsa total. Biden fez algum gesto simbólico sobre a crise climática, mas não tomou nenhuma ação.

Em paralelo, em relação aos imigrantes a farsa foi ainda maior, porque nada mudou do que foi feito pelo Trump. As condições dos imigrantes nas fronteiras, na verdade, pioraram. Os meios liberais agora dizem que eles estão em instalações de detenção, as Holding Facilities, mas na realidade são as mesmas jaulas de Trump.

Não melhorou nada para os estudantes também. Tentou-se propor um plano em relação à dívida estudantil, mas ele acabou sendo travado com os cortes e foi cancelado.

Para uma pessoa que olha para essas coisas, há um rechaço em relação a Trump, mas o outro partido não ofereceu nada. E vê-se que este é o partido dos capitalistas, o partido que ao mesmo tempo em que não deu nada aos jovens e aos trabalhadores, deu bilhões de dólares em armas à Ucrânia. Resgatou também a muitos bancos e a muitas corporações durante a pandemia, que acabaram despedindo seus trabalhadores da mesma forma sem dar a eles praticamente nada.

Então, estes são os motivos. São as condições que não melhoraram em absoluto para os trabalhadores. Isso está levando-os à conclusão de que ambos os partidos representam a mesma coisa e que nenhum deles oferece uma alternativa.

A questão é ter uma força política que possa se destacar dentro deste panorama e quebrar o monopólio político do sistema dos republicanos e democratas. Até agora a esquerda, por assim dizer, do que existe de esquerda nos Estados Unidos, os agrupamentos de esquerda, não demonstram confiança na classe trabalhadora para criar um partido novo que possa se dissociar dos demais partidos.

Mas nós sim temos esta confiança de que a classe trabalhadora dos Estados Unidos pode produzir um partido massivo. Não um terceiro partido, mas um primeiro partido. Porque entendemos que este estado de ânimo, este descontentamento e profundo mal-estar, não tem um escape. É algo que vai seguir se acumulando. E o status quo do passado, onde o revezamento entre democratas e republicanos era possível aparentemente de forma infinita, já está chegando aos seus limites, porque as pessoas estão perdendo a paciência.

Em breve veremos o que acontecerá com as eleições de 2024, mas já podemos prever um retorno à dinâmica de 2016, em que havia tão pouco ânimo para com os dois candidatos que muita gente nem participou das eleições. Em 2020, todos os meios diziam “estas são as eleições mais importantes da vida, todo mundo tem que votar, isso vai mudar tudo, porque temos que tirar Trump”. Mas agora, quatro anos depois, nada melhorou. Vamos ver se eles conseguem motivar aquelas pessoas a voltarem às urnas. Sabemos que muitos jovens não vão votar, porque dizem “para mim dá no mesmo se está aí o partido de Wall Street, que são os democratas, ou se estão os republicanos, que ao fim representam a mesma classe, para mim não muda nada”.  

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Antonio Balmer nasceu e cresceu na Califórnia. Em 2008, a crise capitalista golpeou fortemente o setor de construção onde trabalhava seu pai, e sua família perdeu a casa onde vivia. Antonio tinha 16 anos e relata que esta foi uma experiência que o fez questionar profundamente o sistema capitalista. Assim, ele se lançou em busca das ideias revolucionárias e passou a militar com a CMI. Desde 2015, vive em Nova York onde é ativo na luta pelo comunismo. Dedica-se principalmente ao trabalho de redação e distribuição da Revista Socialist Revolution.