Milhares foram às ruas na Polônia para protestar contra aas regras de endurecimento sobre o aborto /Foto: Kacper Pempel, Reuters

Em defesa da vida das mulheres trabalhadoras: o direito ao aborto legal, seguro e gratuito

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 19, de 12 de novembro de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

Polônia 2020: trabalhadores e juventude se unem em manifestações pelo direito ao aborto

Em outubro de 2020, mais uma vez voltou às manchetes uma luta que sempre é alvo dos ataques mais reacionários: o aborto! Desta vez, a massa se voltou contra o governo da Polônia, o qual tem em seus líderes representantes católicos e nacionalistas da extrema direita.

O governo se arriscou supondo que em meio à pandemia e cuidados com aglomeração seria mais fácil aprovar um projeto de lei que proíbe interromper a gravidez com base em deficiências fetais (ressalta-se que este é o motivo de 95% dos abortos registrados na Polônia). Mesmo sob ameaça de criminalização dos protestos, a onda de manifestações no país ganhou as ruas em diferentes regiões. Em 26 de outubro eram 226 vilas, cidades e aldeias com atos, chegando a 460 dois dias depois.

Entende-se que os últimos anos do governo PiS (Partido da Lei e Justiça) fortaleceram o sentimento de perseguição e humilhação por parte de grupos que historicamente sofrem preconceito e ataques, como mulheres, LGBT e juventude. Isso também fez com que os movimentos excedessem a pauta das manifestações, ganhando um caráter de classe, quando o direito ao aborto foi compreendido como uma questão mais ampla, uma luta anticapitalista. Neste contexto é que igrejas e símbolos de líderes que representam o sistema capitalista foram depredados. Ademais, fazendeiros, motoristas de ônibus e taxistas bloquearam estradas, demais trabalhadores e seus sindicatos apoiaram as manifestações, fazendo com que a luta ganhasse o caráter classista, pois 74% da população é contrária à alteração da lei do aborto. Houve regiões nas quais os atos sofreram repressão policial, mas, na Cracóvia, policiais fizeram parte dos protestos.

Histórico de lutas

Como mencionamos, a luta pela legalização do aborto não é recente e o movimento da Polônia não é isolado. Nos últimos anos, houve inúmeras batalhas, com organização das massas nas ruas para conter o avanço da criminalização das mulheres, principalmente pobres. Não precisamos ir longe. N a Espanha, o 8 de março de 2018 teve uma mobilização que envolveu mais de 6 milhões de pessoas que ecoavam palavras de ordem a favor do direito das mulheres.

Em maio de 2018, na Irlanda, com mais de 66% dos votos, houve a revogação da 8ª emenda, a qual proibia às mulheres o direito ao aborto enquanto o feto ainda apresentasse batimentos cardíacos. A prática do aborto era ilegal inclusive em casos de estupro, incesto ou anormalidade fetal.

Em agosto de 2018, foi a vez da Argentina ter nas ruas a classe trabalhadora e juventude, em favor da legalização do aborto. No país, são realizados em média 354.627 abortos clandestinos por ano; parte destas mulheres morre por falta de cuidados médicos. Mesmo com milhares de pessoas nos protestos, a lei não foi aprovada, mantendo a mesma proibição legal descrita na Constituição de 1921. Assim como os demais, o Estado argentino sofre uma grande influência da Igreja. P or isso mesmo não deixamos de explicar que a luta pela legalização do aborto deve também ser a luta pela separação da Igreja do Estado, a luta por um Estado laico!

Manifestação na Argentina pela legalização do aborto

Em 2020, foi a classe trabalhadora chilena quem demonstrou disposição para luta. Em meio a inúmeras manifestações, o movimento de mulheres se agigantou na convocação do 8 de março, ultrapassando qualquer outro ato de anos anteriores, houve denúncia sobre violência contra as mulheres e o Estado capitalista e a exigência de direitos sociais.

Na América Latina há regiões nas quais o aborto é considerado legal e garantido sem restrições: Cuba, Uruguai, Guiana, Guiana Francesa e Porto Rico ou em territórios específicos, como no México, onde é legalizado somente na capital do país, Cidade do México, e no estado de Oaxaca.

Citamos apenas alguns exemplos da manifestação de um sentimento revolucionário e de oposição não só às velhas leis, mas ao velho sistema, ele não dá conta da ânsia dos trabalhadores, idosos e juventude! A luta das mulheres faz parte deste contexto! Não obstante, o Brasil está inserido nessa situação e também apresenta um processo de lutas e ataques aos direitos das mulheres.

Brasil: criminalização das mulheres

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 55 milhões de abortos ocorreram no mundo, entre 2010 e 2014, e 45% destes foram praticados na clandestinidade. No Brasil, dados sobre aborto e suas complicações são incompletos.

Uma Pesquisa Nacional do Aborto, realizada pelo Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), mostrou que 1 a cada 5 mulheres brasileiras fez pelo menos um aborto até os 40 anos. Além disso, dados comprovam que o SUS gastou R$ 486 milhões com internações para tratamentos relacionados a complicações do aborto entre 2008 e 2017. Destas interrupções das gestações, 75% foram provocadas. Além disso, pelo menos 4.455 mulheres morreram de 2000 a 2016 em função de práticas de aborto, sendo que a grande maioria são as mais pobres, sujeitas a intervenções em situação ilegal , insalubre e insegura.
Com o atual governo as pautas relacionadas ao aborto tem encontrado ainda mais resistência por parte da base governista de Bolsonaro, a começar pela Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares. No dia 28 de agosto de 2020 foi publicada uma portaria que muda as normas para aborto em casos de estupro, dificultando ainda mais o acesso a este procedimento e tratando o aborto não mais como um procedimento de cuidado e saúde e, sim, de investigação.

Atualmente, no Brasil, o aborto é garantido por lei exclusivamente em três situações: anencefalia, risco de vida da gestante ou em gestação decorrente de estupro. Segundo a alteração, prevista pela Portaria nº 2.282/2020, a equipe médica que atender a vítima de estupro, caso ela deseje realizar o aborto, deve comunicar à polícia para registro, isto COM ou SEM consentimento da vítima. Ou seja, a mulher, fragilizada por uma situação de estupro, deverá relatar em detalhes a violência sofrida e ser comunicada sobre todas as penas cabíveis a ela caso não seja comprovada a violência sexual (como negação do aborto e falsidade ideológica). Sabemos bem como a comprovação da violência sexual pode ser dificultada pela justiça burguesa, vê-se no recente caso de Mariana Ferrer.

Além disso, a vítima deverá assinar um termo de consentimento e ciência de possíveis complicações do aborto. A pesquisadora do Anis, Gabriela Rondon, diz que considera essa Portaria um retrocesso e mais uma dificuldade ao acesso da mulher ao aborto legal: “Faz-se uma lista de riscos possíveis, mas não se fala da prevalência desses riscos, que são baixíssimos. É preciso ter noção do que é risco. Inclusive se fosse para oferecer um adequado acesso à informação, seria muito importante dizer [no caso da gravidez infantil] que o aborto é sempre mais seguro que o parto”.

Após todo este processo, caso o aborto seja permitido, fragmentos do feto deverão ser preservados para identificação genética do autor do crime, mais uma vez COM ou SEM consentimento da mulher. Destaca-se ainda que tudo isso deve respeitar o tempo em que o procedimento pode ser realizado, até a décima segunda semana de gestação, após expirado o prazo, o aborto torna-se ilegal.
A legislação recente ao invés de preocupar-se em garantir um acompanhamento psicológico e atendimento médico humanizado, seja pela questão do estupro ou pela questão do aborto, faz com que a vítima passe por constrangimento, sendo colocada em dúvida e ameaçada de enquadramento criminal.

O governo faz isso intencionalmente! Ele tem acesso aos dados e, mesmo assim, se nega a enfrentar como um caso de saúde pública e direito da mulher. A final, esta tomada de decisão não é uma medida isolada e sim, faz parte de um projeto político, ideológico: o capitalismo!

Os dados brasileiros de 2020 continuam ainda mais alarmantes: só no primeiro semestre deste ano, o número de mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em razão de abortos malsucedidos, sejam eles provocados ou espontâneos, foi 79 vezes maior que o de interrupções de gravidez previstas pela lei. Sendo ainda mais específicos, o SUS fez 1.024 abortos legais em todo o Brasil no primeiro semestre de 2020 e 80.948 curetagens e aspirações, procedimentos necessários para limpeza do útero após um aborto incompleto, que geralmente ocorrem nas clínicas clandestinas.

Mulheres morrem diariamente por abortos malsucedidos! Por isso, repetimos: o aborto deve ser encarado como uma questão de saúde pública. Não compete à moral religiosa, independente qual for, ou aos discursos “em nome da família, em nome dos homens de bem” interferir de modo retrógrado na vida das mulheres.

O Estado deve garantir não só o direito à saúde pública para todos, como um programa preventivo com disponibilização de métodos contraceptivos à população, educação sexual nas escolas e a legalização do aborto de maneira segura e pública. Ou seja, não é uma questão de “sim” ou “não”! Os abortos continuam a acontecer, porém, ao contrário das pobres, as mulheres ricas abortam, mas em clínicas particulares de forma segura, por vezes inclusive no exterior, onde tal processo é regularizado. As mulheres da classe trabalhadora, além de condenadas como criminosas, ainda correm o risco de morte.

A luta pela legalização do aborto continua sendo imprescindível, já que muitas mulheres continuam morrendo por causa de abortos clandestinos. Esta luta é justa, mas devemos extrapolar a divisão que coloca esta pauta reduzida a uma questão de gênero, não se deve esquecer nunca o maior e mais poderoso inimigo das mulheres, dos jovens e de toda a classe trabalhadora: o sistema capitalista.

O movimento Mulheres pelo Socialismo coloca-se na luta pela defesa da vida das mulheres trabalhadoras, em defesa das liberdades democráticas e das conquistas da classe trabalhadora. Consideramos a luta pelo direito ao aborto uma reivindicação histórica e fundamental para a luta das mulheres e convidamos todos a construir essa campanha em defesa do direito das mulheres decidirem sobre seus corpos.

  • Pelo direito ao aborto seguro e gratuito!
  • Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais!
  • Somente como uma classe trabalhadora unida, as mulheres e os homens trabalhadores juntos
  • derrotarão esse governo!
  • Somente a derrubada do capitalismo garantirá a todas as pessoas seus direitos!