Médicos cubanos chegam à Lombardia para apoiar assistência médica contra a Covid-19 Foto: Consulado de Cuba en Milán

Embargo e crise econômica dificultam combate de Cuba à Covid-19

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 06, de 14 de maio de 2020. Confira a edição completa

A pandemia de coronavírus tem afetado de maneira semelhante a maioria dos países atingidos até o momento. Porém, devido a algumas particularidades, alguns governos conseguiram evitar um contágio rápido ou maior da população. Esse é o caso de Cuba, país com 11,34 milhões de habitantes, onde 1.766 casos de Covid-19 foram confirmados e 74 mortes1 registradas. 

Se compararmos os dados de Cuba com o Equador, que possui 6 milhões de habitantes a mais, veremos que os casos de contaminação não seguem a mesma proporção: o Equador já registra 29.500 casos e 2.127 mortes. 

Fazendo um breve paralelo com a realidade brasileira, o estado do Amazonas, que possui pouco mais de 3 milhões de habitantes, já soma 11.925 casos e 962 mortes. Mesmo estados com registros menores de casos, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, registram um número maior de contaminados e mortos pelo vírus. Tudo isso, sem considerar o problema da subnotificação no país.

Entretanto, apesar do freio ao contágio, a capacidade real de combate à Covid-19 é extremamente limitada devido à impossibilidade de Cuba de importar equipamentos e remédios. Em nota, o embaixador de Cuba no Brasil, Rolando Gómez,  expôs algumas das consequências do bloqueio no próprio combate ao coronavírus. De acordo com Gómez:

“o avanço da Covid-19 ‘evidencia as enormes limitações que impõe a Cuba o bloqueio econômico dos EUA, que é o impedimento fundamental para adquirir os medicamentos, equipamentos e materiais necessários para enfrentar a pandemia’. (…)

(…) o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos impede o acesso a suprimentos e tecnologias que utilizem mais de 10% de componentes norte-americanos (…) [sendo que] ‘as empresas transnacionais dos EUA ou que utilizam componentes e tecnologia dos EUA são as principais produtoras de equipamentos e instrumentos médicos em qualquer país do mundo’.” (Brasil 247, 13/4)

Além disso, é preciso analisar as consequências não apenas da pandemia em Cuba, mas também da crise econômica. O país já é afetado diretamente pela recessão global, problema que se agrava com o bloqueio econômico e com uma economia atrasada. Um dos fatores que contribuíram para frear a contaminação em Cuba, por exemplo, foi o fechamento das fronteiras, o que atingiu diretamente o turismo, motor econômico da ilha, que representou uma arrecadação de US$ 3,3 bilhões em 2018.

Outra dificuldade que os cubanos enfrentam são as restrições de países que exportam alimentos para o país. Cuba importa 80% dos alimentos que consome e entre os seus maiores parceiros comerciais está a Europa, gravemente atingida pela pandemia. E como uma desgraça nunca vem só, ao mesmo tempo em que a crise global ameaça a entrada de remessas, que estimulam o consumo doméstico, a escassez de chuvas prejudica as lavouras e leva à falta de água2. A escassez já é uma realidade. Há relatos de filas para compra de frango, de arroz, entre outros alimentos, e as vendas de produtos de higiene estão sendo organizadas para que o consumo desenfreado não cause a falta deles nas prateleiras.  

O isolamento social também resultou no aumento no consumo de energia, o que tem contribuído com o aumento das incertezas diante da possibilidade de apagões.

Tensões

A pressão dos EUA também aumentou no último período. No início de abril, Donald Trump anunciou uma massiva operação militar naval que deslocou embarcações para o Caribe e Venezuela. Sob o pretexto de combater o narcotráfico, o objetivo do imperialismo norte-americano era óbvio: interceptar qualquer embarcação com destino à Cuba ou Venezuela. De acordo com o jornal El País (5/5), as tensões entre EUA e Cuba aumentaram a níveis dos piores tempos da Guerra Fria, com direito a disparos na Embaixada cubana em Washington. Se há exageros por parte do periódico espanhol, é fato que há forte pressão para sufocar ainda mais a economia cubana, impedindo a exportação de médicos para outros países, outra fonte de arrecadação importante para Cuba.

Cuba já enviou 22 brigadas sanitárias, com quase 1.500 médicos, enfermeiros e técnicos, a 21 países, a maioria do Caribe, América Latina e África, mas também a Itália, Andorra e, com autorização de Paris, Martinica, Guadalupe e Guiana Francesa, territórios franceses de ultramar3.

Os EUA realizam uma campanha de descrédito da cooperação cubana alegando “interesses” e “propaganda”. Mike Pompeo, secretário de Estado, criticou duramente Cuba pelo envio de médicos à África do Sul e Qatar, países amigos de Washington. De acordo com Pompeo, “o regime em Havana se aproveitou da pandemia da Covid-19 para continuar explorando os trabalhadores médicos cubanos” e disse que “os governos que aceitam médicos cubanos precisam pagá-los diretamente. Do contrário, quando pagam ao regime, estão ajudando o Governo cubano a obter lucros com o tráfico de pessoas4.

Isolamento

No dia 8 de maio, o governo cubano anunciou a aprovação, pelo Conselho de Ministros, das “indicações para a elaboração da estratégia econômica a ser implementada na fase de recuperação pós-Covid-19 e para fortalecer a economia cubana” (Granma, 8/5). Não obstante a alegação de um controle maior do Estado, o centro desse documento é abertura para novas privatizações, o que é extremamente perigoso para a revolução cubana. Ao tratar da economia soviética, Trotsky explicou as dificuldades enfrentadas por um país em que a economia foi planificada, enquanto o restante do mundo permanece o regime do Capital:  

A fraqueza da economia soviética, além do atraso herdado, estava em seu isolamento, ou seja, é sua incapacidade de obter acesso aos recursos da economia mundial, na forma de empréstimos e financiamentos internacionais em geral, que tem um papel decisivo na economia mundial.” (Introdução à edição alemã de A Revolução Permanente, Leon Trotsky)

A falta de alimentos, de remédios, equipamentos etc. é explicada pelo exemplo de Trotsky. Apesar de tudo, Cuba ainda resiste. A classe trabalhadora cubana, a juventude e os camponeses demonstraram enorme força ao longo da história e, em momentos decisivos, salvaram a revolução. Eles compreendem as conquistas que obtiveram a partir da planificação da economia. Porém, a classe trabalhadora jamais controlou a economia do país, quem comanda é uma burocracia parasitária que vive em condições melhores que a maioria da população e que busca o caminho para a restauração capitalista.  

Rússia e China, países subcontinentais com enormes populações e com muitos recursos, são exemplos de que, mesmo em condições melhores que Cuba, é possível a restauração capitalista. Não existe possibilidade de socialismo em um só país.

Isso significa que Cuba está fadada à restauração? Não. Para impedir o retrocesso cubano, é preciso assegurar o fortalecimento da economia planificada e nacionalizada até que novas revoluções na América Latina e em escala mundial ocorram. E se a crise econômica, combinada com a crise sanitária, está se mostrando um fator de aumento de pressão sobre a ilha para a restauração capitalista, ao mesmo tempo, ela resulta em impactos na consciência da classe trabalhadora mundial e expõe os limites do capitalismo. Novas explosões sociais e revoluções estão em gestação em todo o mundo. O futuro de Cuba está conectado diretamente com o futuro da classe operária mundial. 

Notas e referências:

1 Dados divulgados pelo Ministério da Saúde Pública de Cuba no jornal Granma.

2 AFP. A mesa dos cubanos com sintomas do novo coronavírus. Publicado em 24 de abril de 2020. Acesso em 10 de maio de 2020: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/04/24/a-mesa-dos-cubanos-com-sintomas-do-novo-coronavirus.htm>

3 El País. Cuba e Estados Unidos voltam aos piores tempos da Guerra Fria. Publicado em 5 de maio de 2020. Acesso em 10 de maio de 2020: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-05-05/cuba-e-estados-unidos-voltam-aos-piores-tempos-da-guerra-fria.html>

4 Ibid