Ensino Médio Integral em São Paulo: protagonismo juvenil ou empresarial?

Entre os dias 6 e 10 de fevereiro deste ano, em Águas de Lindóia no estado de São Paulo, foi realizado encontro com os dirigentes regionais de ensino e com integrantes do quadro administrativo e pedagógico de 16 escolas estaduais, Nestas escolas foi implantado o novo modelo de Ensino Médio de tempo Integral. A “orientação técnica”, como caracterizou o evento, tinha como objetivo explicar a nova proposta aos participantes.

Apresentado como um projeto inovador, o Ensino Médio de tempo Integral tem como principal eixo o “protagonismo juvenil”, um belo termo criado para nomear uma espécie de processo didático-pedagógico no qual, pouco a pouco, os jovens deveriam tomar em suas mãos seu próprio projeto de vida.

Mas tal proposta revela-se mais uma falácia da política nefasta dos tucanos em São Paulo, política mentirosa que faz discursos inflados com adjetivos e perfumarias que visam disfarçar o mau cheiro de suas ações que, a serviço da burguesia, destroem espaços públicos. Em sua gênese este projeto concentra as linhas gerais da política do PSDB para a Educação: sucateamento dos espaços públicos, precarização e flexibilização dos contratos de trabalho e abertura dos espaços e recursos estatais para a iniciativa privada.

Regime de dedicação exclusiva

De acordo com a Lei Complementar 1164/12, que institui o Regime de Dedicação Plena e Integral – RDPI, os docentes das escolas participantes são designados para tal função, passando a trabalhar em regime de 40 horas semanais e abrindo mão de exercer qualquer outra função remunerada durante o período de funcionamento da escola. Para tanto, passam a receber a Gratificação de Dedicação Plena e Integral – GDPI, equivalente a 50% do salário-base, de acordo com sua respectiva faixa e nível.

A Lei ainda prevê que a permanência dos docentes nestas escolas está condicionada a “aprovação, em avaliações de desempenho, periódicas e específicas, das atribuições desenvolvidas nas Escolas”.

Em primeiro lugar, tal medida segue aprofundando a meritocracia como política divisionista entre os professores, pois estes são impelidos a lutar uns contra os outros por estes espaços de “privilégio”, e para isso abandonam a luta da categoria dos trabalhadores da educação, que em seu conjunto agoniza em condições de trabalho absurdas.

Em segundo lugar, através do regime de designação para função/atividade, a Secretaria de Educação cria a condição dos docentes em total dependência, o que se evidencia na possibilidade de revogação da designação caso o docente não aja conforme as orientações da Secretaria. Há ainda a dependência econômica, uma vez que os 50% a mais de vencimentos recebidos por estes trabalhadores está vinculado diretamente à permanência na função. Parece pouco? O docente ainda pode perder o direito à gratificação na ocorrência de afastamento e ausências, incluindo-se aí as licenças-saúde e faltas médicas.

Trata-se do típico caso de contrato precarizado, pois embora o docente seja concursado – não cabendo, portanto, sua exoneração – ele fica submetido a uma série de condições duras para permanecer na função, ao passo que o Estado, na figura de patrão, se exime de contemplar direitos históricos básicos como as faltas por motivo de saúde.

O loteamento dos espaços públicos de educação

O ICE-Brasil (Instituto de corresponsabilidade pela educação), organização social que trabalha no desenvolvimento e implantação de parcerias público-privadas no âmbito educacional, prestou consultoria na implantação do projeto de Ensino Médio de Tempo Integral em São Paulo.

A corresponsabilidade de seu título esconde, mais uma vez sob um nome bonito, um intento perverso: desenvolver projetos que permitam que as empresas privadas possam explorar comercialmente o espaço público da educação.

Estas empresas não têm nenhum interesse numa educação pública de qualidade, antes agem em causa própria, seja por concessão de isenção fiscal ou por facilitações econômicas diversas, como acesso a recursos públicos. A implantação de um modelo privado dentro do espaço público, que se legitima de dentro para fora pode, num futuro não muito distante, naturalizar o fornecimento da educação pelo setor privado como moeda de troca por regalias comerciais.

Além disso, o Estado abre mão de formular políticas públicas de educação, passando para os empresários-investidores este papel, que o desempenharão de acordo com seu interesse de classe. Mais uma vez, quem paga a banda escolhe a música.

Desta maneira, a suposta beleza do “protagonismo juvenil” rapidamente se esfacelará diante das demandas dos setores privados em formar massas ordenadas para o ciclo de produção e consumo, e será dentro destes moldes que proporão que os jovens elaborem seu projeto de vida com as “próprias mãos”.

Ilhas de excelência num mar de sucata

Com a enganação de que os recursos seriam injetados pelo setor privado e que os docentes que aderirem obteriam vantagens, o Projeto das escolas de Ensino Médio de tempo integral é vendido como um oásis, onde parece ser possível implementar um projeto pedagógico real, no qual a escola não seja apenas um depósito de crianças e adolescentes sem maiores opções de inserção e atividade social construtiva. Mas o canto da sereia tem como intuito fazer naufragar, o mais breve possível, o projeto de educação pública e gratuita de qualidade em nome do lucro fácil da burguesia em parceria com o setor público, onde uma mão suja a outra.

Fica assim evidente que o governo, a serviço da burguesia, sabota a própria estrutura pública gratuita de serviços, impondo orçamentos reduzidos somados aos ataques aos seus trabalhadores, a fim de legitimar perante a “opinião pública” – com grande apoio da mídia – uma falência do sistema público, criada para justificar a adoção de sistemas de corresponsabilidade em parceria com os empresários, para definitivamente alinhá-lo aos interesses parasitários do capital.

Urge uma jornada de lutas dos trabalhadores da educação, por melhores condições de trabalho e por uma educação pública de qualidade. Apenas a classe trabalhadora organizada poderá deter a destruição do direito universal à educação, o que torna a defesa da educação pública e gratuita, de qualidade, uma bandeira de toda a classe, unida à juventude.

Em um ‘país de todos’, onde nem todos estão pela educação!

Aprovado ainda durante o governo Lula, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, assim como o Programa Ensino Médio Inovador, são apresentados como propostas para a melhoria da qualidade de ensino na educação pública, mas constituem, de um modo geral, uma série de generalizações que nada trazem de novo sobre política educacional. Entre uma trivialidade e outra, porém, ambos os documentos têm passagens onde se abre claramente espaço para a entrada livre e desimpedida da iniciativa privada nas escolas públicas:

  • “firmar parcerias externas à comunidade escolar, visando a melhoria da infraestrutura da escola ou a promoção de projetos socioculturais e ações educativas”; 
  • “podem colaborar com o Compromisso, em caráter voluntário, outros entes, públicos e privados, tais como organizações sindicais e da sociedade civil, fundações, entidades de classe empresariais, igrejas e entidades confessionais, famílias, pessoas físicas e jurídicas que se mobilizem para a melhoria da qualidade da educação básica.”;
  • “criar uma rede nacional de escolas de ensino médio, públicas e privadas, que possibilite o intercâmbio de projetos pedagógicos inovadores”;
  •  “incentivar a articulação, por meio de parcerias, do Sistema S (SESI, SENAI, SESC e SENAC) com as redes públicas de ensino médio estaduais.”

Além disso, o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica é tomado como referência objetiva exclusiva pra avaliar a qualidade da Educação, o que aliado à diretriz de “implantar plano de carreira, cargos e salários para os profissionais da educação, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho”, dá abertura para que se espalhe por todo país o tipo de política que está acabando com a educação pública em São Paulo, jogando sobre as costas dos professores o fracasso do projeto educacional público, enquanto a eles são negadas as condições básicas para desenvolver seu trabalho: classes com menor número de alunos, material didático de apoio, aplicação do Piso Nacional e garantia de pelo menos 1/3 de jornada extraclasse para planejamento, formação, avaliação e organização de suas atividades.

Nestas premissas se expressa mais uma vez a política de conciliação de classes desenvolvida por Lula e Dilma, e que vai na contramão dos interesses da classe trabalhadora. A ideia de uma sociedade brasileira única, que agrega todos em torno de um objetivo comum, é uma mentira que tem como intento mascarar a luta de classes e desmobilizar a organização dos trabalhadores.

Da mesma maneira que não existe o “Brasil, um país de todos”, não existem “Todos pela educação”. O que há neste momento é a disputa deste espaço público pelas aves de rapina do capital, buscando tomar para si um quinhão de vantagens à custa dos trabalhadores.

Romper com os partidos burgueses pondo fim ao governo de coalizão, para governar com aqueles que elegeram o PT, é a única forma de garantir a educação pública gratuita como direito universal.