Jocosamente, tem sido dito que o Brasil sofre com duas pragas: o novo coronavírus e Bolsonaro. A prática de dizer a verdade por meio do humor não é de hoje e, mesmo sendo possível adicionar o capitalismo como outra grande praga, o governo Bolsonaro tem atuado de forma decisiva na condução da crise econômica e da pandemia por um caminho desolador.
Se hoje o Brasil já superou a marca de 550 mil mortes registradas por Covid-19, não foi apenas como resultado da própria doença. Há mais de um ano do início da pandemia no Brasil, Bolsonaro continua desempenhando um papel hediondo. São exemplos: sua rejeição às medidas de prevenção de contágio com incentivo a aglomerações; a minimização de uma doença que chegou ao Brasil com um histórico de devastação; o sistemático escárnio das vítimas no país; a compra e o incentivo ao uso de medicações ineficazes e nocivas; e, sobretudo, sua ativa oposição e perturbação de negociações e recusa a compra de insumos hospitalares; além da rejeição às propostas de compra de vacinas em momentos cruciais, que teriam barrado o avanço do número de mortes no país. Compreende-se bem, agora, que a perversão na administração pública tem raízes mais profundas que o negacionismo e aversão ao discurso científico, se estendendo, principalmente, a uma estrutura de corrupção e enriquecimento às custas da vida dos trabalhadores.
Sobram exemplos de irresponsabilidade e negligência de Bolsonaro frente à crise sanitária aberta pelo novo coronavírus, que demonstram o quanto ela foi agravada pelas condutas criminosas do atual presidente e seus aliados. Com um cenário de massivas respostas das ruas e reprovação do governo pelas massas, o governo e a sua cúpula, ao invés de remediarem a situação, promovem espetáculos polêmicos e alarmistas que ofuscam as principais pautas de discussão. Os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, por exemplo, têm mobilizado discussões que não passam de uma cortina de fumaça. O atual presidente chegou a afirmar que “sem eleições limpas, não haverá eleições”, defendendo o voto “impresso e auditável”, assim como o atual ministro da Defesa general Walter Braga Netto, que fez a mesma declaração insinuando a possibilidade de barrar as eleições presidenciais do próximo ano. Essas falas foram entendidas como uma ameaça de golpe, ao que o próprio Bolsonaro negou, quando questionado, declarando que seria um defensor da Constituição.
Pode-se afirmar que essas polêmicas e suas repercussões são obstáculos para a abertura de um campo sério de análise e debates sobre os reais problemas da classe trabalhadora e da juventude no contexto atual, bem como suas raízes. O que se impõe aqui não é a tarefa de demonstrar o que já se sente na pele, mas explicitar os processos de exploração e fomentar soluções que de fato interessem a essas pessoas.
O problema que se enfrenta hoje não é se a urna eletrônica confere ou não validade ao processo eleitoral – aliás, já é sabido que as eleições na democracia burguesa não passam de uma performance que não atende aos anseios e necessidades dos trabalhadores. O problema é que, ao contrário do que se propagandeia, a condição social e econômica não tem indicativos de melhora quando “a pandemia acabar”.
Ao menos para os trabalhadores, a perspectiva de recuperação para superar todos os prejuízos deste momento é pessimista e piora com as contrarreformas e a dissolução das penosas conquistas da luta de classes. As análises apontam para uma crise em efervescência desde 2008, pelas contradições do próprio capitalismo, que agrava as condições das massas pelas medidas de austeridade, com aumento da exploração e encolhimento das possibilidades de assistência e trabalho. O otimismo a partir do quadro atual é apenas para a elite financeira que se vale dessa fórmula para assegurar seus lucros e privilégios. A sistemática redução de orçamento para serviços públicos, a abertura de uma agenda de privatizações, juntamente ao pagamento religioso da dívida pública e os grandes lucros apresentados pela burguesia ilustram para qual lado a balança de um futuro otimista tem pesado mais.
Neste ano, o governo Bolsonaro aprovou o Orçamento com corte de R$ 30 bilhões, reduzindo recursos destinados a áreas prioritárias, como saúde e educação. Na prática, os cortes na saúde incidem diretamente na escassez de recursos em um momento de crise sanitária, para um sistema de saúde que, apesar de seus limites, oferece assistência gratuita em todo país nos mais diversos níveis de complexidade. Os cortes que atingem a educação comprometem principalmente a manutenção de universidades, enfraquecendo o Ensino Superior e as pesquisas científicas, por exemplo. Sob a administração de Bolsonaro, os recursos para fiscalização trabalhista e garantias de direitos também diminuíram. Isto em um momento em que o Brasil tem uma taxa de desemprego de 14% e avança na destruição da estabilidade e segurança nas relações de trabalho pelas contrarreformas.
A população do país também tem sido vítima do avanço da fome e 55% dos brasileiros não chega a fazer três refeições diárias, taxa que vem aumentando nos últimos anos. Com a inflação e a diminuição de renda, a falta de acesso a alimentos força a restrição alimentar e a busca por soluções estarrecedoras. Em julho, a longa fila de pessoas esperando pela distribuição por ossos bovinos, sobra do processo de desossa, em um açougue no estado do Mato Grosso, chamou a atenção pelo aumento de procura por este recurso.
A base da alimentação no país também sofreu reveses e, com o aumento do preço do arroz e do feijão, os fragmentos destes ingredientes, que eram direcionados para a produção de rações, também passaram a ser comercializados.
Todo esse cenário recai diretamente sobre a juventude, que tem seu futuro cada vez mais comprometido. Já foi corrente a fala de que a Covid-19 não afetaria crianças e jovens, mas esta premissa tem se mostrado falsa em diversos sentidos. Para além da contaminação que já atinge esta faixa etária com evolução da doença, os desdobramentos sociais e emocionais são intensos. Uma camada da juventude está vivendo um momento de educação precarizada pelo ensino remoto sem os recursos necessários. Há também aqueles que estudam na modalidade híbrida, que coloca em risco a vida dos estudantes, dos professores e dos familiares. Atrelado a isso, está o luto. Entre maio de 2020 e abril de 2021, 130 mil crianças e jovens com menos de 18 anos perderam todos ou um dos seus cuidadores principais, mortos em decorrência da Covid-19. A perda dessas pessoas, geralmente a principal fonte de renda e cuidados, acarreta condições econômicas precarizadas e abre situações de mais vulnerabilidade.
A condição da classe trabalhadora desde o início da pandemia tem sido de enfrentar a terrível escolha: morrer por Covid ou morrer de fome.
É assim que Bolsonaro mostra como e o quanto é possível afundar uma população inteira na barbárie para manter íntegras as benesses da burguesia. Para a elite financeira, que é alimentada por uma massa de explorados, o futuro não é devastador, ao contrário do futuro dessas massas. A reversão desse cenário, com um sistema que atue pelos interesses da classe trabalhadora, só poderá ser possível com um sistema e um governo dos trabalhadores.
A solução para este problema não é mais utópica do que o de um capitalismo benevolente e inclusivo, o que é impossível, pois a sua base é a desigualdade e a exploração. A alternativa ao regime atual vem da construção de um movimento ligado às demandas das massas, num partido independente politicamente, com lideranças de trabalhadores e de juventude capazes de conduzir o povo para uma revolução.
O capitalismo, mesmo em decadência, não cairá sozinho, ele deve ser derrubado. Por isso, a palavra de ordem “Abaixo Bolsonaro! Por um Governo dos Trabalhadores sem Patrões nem Generais!” tem norteado a luta da Esquerda Marxista. É um preciso ir além da derrubada de Bolsonaro e abrir caminho para um governo revolucionário a partir da organização e da união das lutas dos trabalhadores. Esta é a nossa luta, pelo socialismo no Brasil e no mundo.