Defensor de uma candidatura própria do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para disputar a presidência da República, Glauber Braga, atualmente deputado federal pelo PSOL-RJ, foi pré-candidato e recebeu 42% dos votos na Conferência Eleitoral Nacional do partido, com apoio da Esquerda Marxista.
Glauber defendeu a necessidade de combater o governo Bolsonaro e o bolsonarismo a partir da luta das ruas e foi crítico ao processo de adaptação por parte da direção do PSOL ao formar a federação com a Rede Sustentabilidade, priorizando a disputa eleitoral acima da sua independência política, e ao abandonar a possibilidade de uma candidatura própria do partido em favor do apoio à Lula/Alckmin.
Ao falar sobre o papel de seu mandato, Glauber afirmou que busca “fazer um enfrentamento” que ultrapasse “as fronteiras da institucionalidade, sem se manter exclusivamente como um redutor de danos do sistema” e, em sua opinião, “o papel de um deputado que está no exercício dessa tarefa socialista ou que defenda o fortalecimento da estratégia socialista é exatamente fazer a denúncia pública e dialogar principalmente para fora do espaço parlamentar”.
Das lutas de seu mandato, o parlamentar destaca o combate pelo “fortalecimento da educação pública brasileira”, enfrentando, por meio da Comissão de Educação, “o lobby permanente do setor privado”; a necessidade de realizar o “enfrentamento anti-imperialista”, fortalecendo as “relações com as demais forças da América Latina”; e sua contraposição à lógica “de que a solução de todos os problemas está na ampliação da pena, do sistema penal policial punitivo”, já que “a política de desmonte representada pela agenda ultraliberal vem sempre acompanhada da ampliação do Estado penal punitivo, com o objetivo de controle e sufocamento de qualquer tentativa de quebra ou mobilização contra a aplicação dessa agenda — que é prejudicial ao conjunto da classe trabalhadora”. Também salienta sua “luta e trabalho com os movimentos e organizações de trabalhadores, seja na defesa das estatais, contra as privatizações, seja na luta capital versus trabalho no cotidiano da atividade parlamentar”, posições que são “minoritárias no Parlamento burguês”.
Nesta entrevista, Glauber explica quais são os principais desafios para o próximo período que passará pelas eleições, mas não deve se limitar a esse processo, preparando jovens e trabalhadores para os combates que precisam ser feitos desde já dentro e fora do Parlamento.
Glauber, você foi pré-candidato à presidência da República pelo PSOL até o final de abril, quando o partido abriu mão de uma candidatura própria para apoiar Lula/Alckmin já no primeiro turno. Como você avalia essa decisão da Conferência Eleitoral Nacional do PSOL e quais são as consequências para o partido?
Eu me dobro ao que foi a posição da Conferência Eleitoral, mas eu não posso deixar de fazer a crítica ao que foi esse processo interno no PSOL, com duas movimentações, que na minha opinião elas têm que ser avaliadas em conjunto, que é também o fortalecimento de um bloco político por um período de quatro anos com a Rede. Os movimentos se colocam de maneira paralela e que na minha avaliação tem uma relação direta com uma tentativa de diluir ideologicamente o que é a representação do PSOL, falando no mínimo, e, no máximo, um processo de adaptação do partido como representante de um instrumento da ordem e da minimização dos efeitos mais dentro da ordem e não que possa ser uma ferramenta contra a ordem.
Quando a gente se colocou à disposição para fazer esse debate, da pré-candidatura presidencial, foi exatamente nesse sentido. Na compreensão de que, nos debates eleitorais, boa parte da agenda que fosse a ser apresentada pelo PSOL, as outras candidaturas não o fariam ou não o farão. Pelo menos aquelas candidaturas que, pelo que dispõe a legislação, têm a obrigação de serem chamadas pelas grandes emissoras para os debates de tv.
Evidentemente, nossa luta não pode ficar limitada ao calendário eleitoral, mas a gente também não pode deixar de fazê-lo, porque é um momento em que boa parte da população está com os ouvidos mais abertos para ouvir as mensagens que estão sendo colocadas em confrontação.
No dia 10 de maio de 2021, houve um anúncio público da pré-candidatura com o apoio de 20 correntes ou coletivos do PSOL (depois se transformando em 21), e, após um ano, o balanço que faço desse trabalho de percorrer estados, como Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte – fizemos debates também em São Paulo e Rio de Janeiro – é positivo no sentido daquilo que conseguiu-se avançar como apresentação de proposta programática e de mobilização militante. Nós apresentamos um primeiro documento com os quatro eixos que balizam o que era a motivação da pré-candidatura e depois aprofundamos esses eixos em um documento que foi chamado de Segunda Independência.
O fato de ter tido 44% dos votos em teses que defendiam uma candidatura própria no Congresso [do PSOL] e depois 42% na reunião do Diretório, que foi chamada por alguns de Conferência, eu acho que dá o grau de mobilização que se teve na base pela independência política do partido. Então, eu acho que o balanço é positivo da movimentação que nós fizemos. O balanço geral que sai das movimentações e da ausência de um debate político mais aprofundado pelas instâncias do PSOL, e mais especificamente pela direção nacional, é negativo.
É inconcebível, por exemplo, que você tenha a decisão da formação de um bloco político por um período de quatro anos numa federação com outro partido e a direção nacional não tenha chamado um encontro, uma audiência para debater isso com a base militante. Se você é ligado a alguma corrente política, provavelmente você debateu isso em sua corrente. Mas se você não é ligado a nenhuma corrente política ou um militante independente ou que não tenha necessariamente uma relação orgânica nas correntes, o partido não chamou um debate para tratar do assunto. Para mim, isso é um sintoma dessa movimentação que se faz para procurar adaptar o PSOL como um partido da ordem. O que eu acho, é que essa base militante que está reagindo a essas movimentações tá procurando gritar e dizer.
Você já expressou a sua posição sobre esse processo de adaptação por parte de algumas correntes e da direção do PSOL, mas como você analisa as consequências dessa adaptação e da formação da federação com a Rede para o futuro do partido?
Eu acho que ainda existe um espaço de disputa. Parte da base militante se desfilia do PSOL com o que está acontecendo, outras organizações políticas passam a estar mais presentes no imaginário e na atração de militantes, de filiados, principalmente em relação à juventude. Aumentando sua base e coluna de quadros, na presença nas manifestações e nas mobilizações de rua. Isso pra mim, fragiliza o papel do PSOL, mas não falo isso como algo acabado, ao contrário, estou defendendo que a gente se organize para [cumprir] um papel diferente.
Mas isso fragiliza o que é a representação do papel do PSOL no próprio enfrentamento ao bolsonarismo, que vai muito além das eleições de 2022. O papel de um partido político não é apenas o de se preparar para o calendário eleitoral, mas se organizar de maneira militante para defender aqueles que são seus objetivos estratégicos, e no caso brasileiro, para enfrentar e derrotar não só Bolsonaro, mas as estruturas que dão sustentação a esse projeto de morte, esse projeto de destruição.
Na minha avaliação, o PSOL se fragilizou com essa dificuldade em estabelecer instâncias de debate onde essa militância se sentisse plenamente representada. E aí, evidentemente, quando você fragiliza um instrumento, você dificulta, porque a gente acha o instrumento importante no processo de priorização da organização da classe para além do processo eleitoral. Então, acho que essas são consequências do papel que o PSOL deixou de assumir no ano de 2022 e no papel que assumiu quando faz uma federação com um partido que tem figuras públicas com posições do ponto de vista econômico que em vários momentos estiveram à direita, inclusive, da conciliação.
E como deve seguir o combate para que o PSOL rompa com a Rede?
Eu acho que a gente ainda tem que apresentar um recurso à direção, do ponto de vista interno, com o conjunto dos militantes e das forças políticas que estão entaladas na garganta com o fato de uma decisão como essa ter sido adotada de maneira burocrática sem nenhum debate aprofundado. Então, acho que esse é um movimento interno que a gente não pode deixar de fazer e que é resultado, inclusive, de uma das últimas plenárias de mobilização contra a existência da federação que ocorreram.
Para além disso, é priorizar o debate político com as bases, ou seja, se forma uma federação de maneira burocrática sem ampliação do debate, acho que é a obrigação das forças políticas que permanecem, que ficam, trabalharem como um polo em que esse debate é priorizado com a militância das mais variadas regiões. Porque senão não tem outra alternativa.
Se essa base militante não se organizar nesse momento como um polo, o que vai acabar acontecendo é que a saída de militantes do PSOL vai ser muito maior. Acho que se organizar para a apresentação do recurso e estabelecer mecanismo de comunicação entre nós, que tenha um caráter mais permanente e rotineiro, exatamente para a tática ser discutida de maneira conjunta, é uma das tarefas que a gente tem que procurar cumprir nos próximos meses porque isso é falar não só para dentro do PSOL, mas prioritariamente para fora do partido na organização que, na nossa avaliação, é fundamental para o enfrentamento do bolsonarismo.
Apesar dos vários combates, até o momento não conseguimos derrotar o governo Bolsonaro, e um balanço que fazemos na Esquerda Marxista é de que as direções tradicionais da classe trabalhadora frearam essa luta e alimentaram a ilusão nas eleições, prometendo que elas irão solucionar esse problema. É fato que o combate agora passará pelas eleições, mas você acha que Bolsonaro e o bolsonarismo serão mesmo vencidos apenas com uma derrota eleitoral? O que devemos fazer após o período eleitoral com a possível derrota de Bolsonaro nas urnas?
Primeiro, sobre a avaliação inicial, sobre as mobilizações de rua e o papel que desempenharam as maiores estruturas de organização. Claro que com exceções, diferenças que existem dentro dessas próprias forças, que existem, mas eu estou de pleno acordo com a avaliação geral que vocês fazem. Então, estamos com a mesma avaliação.
Segundo, evidentemente que não. Não é possível canalizar ou colocar todas as nossas energias imaginando que o enfrentamento ao Bolsonaro e ao bolsonarismo vai se dar através do calendário eleitoral. É a mesma coisa que achar que fascista pode ser derrotado exclusivamente com uma proposta eleitoral ou que a melhor forma de derrotar o fascista é com um cafuné na cabeça de um liberal de plantão que pode ajudar nessa tarefa. Não. Na nossa avaliação, esse processo de organização que disputa o eleitoral, mas vai para além do eleitoral, é uma necessidade política para derrotar de maneira definitiva essa turma.
Bolsonaro fez isso, né, durante todo o seu governo, trabalhou para fazer com que os 20, 30% que apoiam o seu governo fossem convertidos em militantes fascistas com a capacidade de defender o governo na rua. Ele faz isso através das mobilizações de massa, das motociatas – pelo menos na mobilização da extrema direita. Ele faz isso a partir do aparato que gera para os clubes de tiro com orientação de extrema direita, por todo o Brasil. Na minha avaliação, é o papel da esquerda radical fazer com que os mais de 60% que rejeitam o Bolsonaro sejam disputados para serem convertidos em militantes anti-fascistas com a capacidade de defender um projeto de esquerda. E com a prioridade, não as limitações do aparato e dos limites institucionais, mas com a capacidade de organização na rua, para a luta que se faz na rua. Porque senão, uma minoria como hoje é a bolsonarista, procura impor a sua vontade para uma maioria social que rejeita o Bolsonaro.
Se no lado de lá eles trabalham com truculência e força. Do lado de cá, devemos trabalhar com organização para que eles sejam detidos e não consigam avançar. Porque eles têm vantagens em praticamente todos os elementos objetivos materiais em relação a nós. Eles têm armas, uma parcela significativa da direita está com a maior parte das armas, eles têm grana, têm dinheiro e uma boa parte do poder econômico está do lado deles. Eles têm aquilo que ganharam nos aparatos institucionais, seja na relação que o Bolsonaro já buscou estabelecer com os generais que compõem o primeiro escalão do seu governo, seja na relação direta que estabelece com parte da polícia nos estados.E o que nós temos, o que a esquerda tem? A esquerda tem maioria social contra Bolsonaro. Se a gente desperdiça essa possibilidade de disputar essa maioria social que está contra Bolsonaro, eles podem (ou eles vão tentar pelo menos isso) fazer com que a minoria de extrema direita tenha a sua posição prevalecendo sobre o todo.
É por isso que a gente faz a crítica à aliança com os liberais, ela não é uma simples reafirmação de princípios, um principismo. Ela tem reafirmação de princípios, mas leva em conta elementos extremamente objetivos na luta pela derrota do próprio Bolsonaro.
Na avaliação do nosso mandato, três estruturas prioritárias sustentam o governo: a da agenda ultraliberal, de reformas, privatizações, que são na verdade contrarreformas. Destruição do Estado brasileiro no conjunto das garantias sociais e ataques aos trabalhadores. A segunda, a ampliação do Estado penal, policial, punitivo. Que você não retira direitos sem ampliar o poder de controle, que é a relação que o Bolsonaro estabeleceu com generais militares. No início, com a Operação Lava-Jato, depois, com essa relação com as milícias. E a terceira, os fundamentalismos diversos, figuras como Damares e cia.
E aí a pergunta que eu faço: dessas três estruturas, qual é a mais impopular? Qual é aquela que a gente consegue ter maioria social contra Bolsonaro? Não é a do Estado penal-punitivo. Essa está muito enraizada na cabeça da maioria das pessoas, onde a solução da prisão aparece como uma necessidade já naturalizada na vida das pessoas. É exatamente na aplicação da agenda ultraliberal, porque um instituto que não é bolivariano como o DataFolha, quando questiona: você é a favor das privatizações? De cada 10 brasileiros, sete disseram que são contra. Nas contrarreformas, a mesma coisa. Então, por quê essa crítica tem um aspecto que é bastante objetivo? Porque quando você se junta com o liberal na apresentação do seu programa, você amacia exatamente naquele enfrentamento que tem que ser feito e que dialoga com a maioria do povo que é contra a aplicação dessa agenda.“Eles têm aquilo que ganharam nos aparatos institucionais, seja na relação que o Bolsonaro já buscou estabelecer com os generais que compõem o primeiro escalão do seu governo, seja na relação direta que estabelece com parte da polícia nos estados. E o que nós temos, o que a esquerda tem? A esquerda tem maioria social contra Bolsonaro.”
Por isso que a gente faz esse enfrentamento. E não faz só na tática eleitoral de agora, faz na necessidade da organização da luta social contra o que é a representação da sustentação do que é esse governo.
Você pega a privatização da Eletrobras ou dos Correios. Com que votos Bolsonaro contou para aprovar isso? Com os 50, 100 da extrema direita mais os 200 ou 300 da direita liberal, ou seja, do Centrão, que no final das contas é essa direita que se identifica como liberal, mas é a velha direita. Enfrentar isso, na nossa avaliação, é uma necessidade que vai além do calendário eleitoral e além de 2022. Quando você naturaliza a relação com esses setores, você também exerce um processo de despolitização para a luta que vai além do institucional. E essa é a crítica que a gente não deixa de fazer.
O objetivo número um é derrotar Bolsonaro, com certeza. Evidentemente, só se derrota de maneira definitiva Bolsonaro, se você desestrutura aquilo que o sustenta.
Uma afirmação sua que me chamou a atenção na Conferência Eleitoral foi a de que para você “há uma diminuição de potência daquilo que é a velha direita e da esquerda com moderação e que faz o jogo da ordem”. O que você pensa sobre a intensificação da polarização social e qual deve ser o papel da esquerda diante dessa situação?
Bom, Evandro, eu respondo à tua pergunta com uma outra pergunta: Se a esquerda se moderar, se deixar de fazer o debate político e a organização do socialismo, da luta de classes, com uma postura e uma posição de organização anti-imperialista, a extrema direita vai deixar de avançar só porque a gente fez essa concessões ou é o contrário disso? Quanto mais você dilui a sua posição política, mais eles têm a capacidade de avançar porque eles têm um núcleo duro, forte, que avança por uma posição de extrema direita.
A avaliação que a gente faz é que exatamente quando você abre mão das suas posições, das suas bandeiras de enfrentamento, você dá mais espaço para que a extrema direita avance. Se tem um polo forte da extrema direita, para que você tenha uma reação tão forte e contundente, você tem que fortalecer o campo da esquerda radical e revolucionária e não o contrário disso.
E aí, tem vários exemplos no mundo, que estamos vendo. Eu não sei se eu citei na Conferência, mas eu acompanhei de perto a eleição no Equador. Eu fui lá, inclusive. Lá, você tinha o Lenín Moreno, com mais de 90% de rejeição, aplicador da agenda ultraliberal. E você teve um segundo turno entre o [Guillermo] Lasso, um banqueiro, que era a continuidade mais evidente da aplicação da agenda do Lenín Moreno, com o [Andrés] Arauz, que era o candidato correísta. O Arauz fez uma movimentação tão forte para se moderar, para agradar determinados setores da direita, que foi facilmente enquadrado como candidato da ordem e o banqueiro, então, se apresentou como se candidato da ordem não fosse. É um absurdo total. Inclusive, do ponto de vista eleitoral, eu estou convencido de que essa necessidade de moderação, ela vai fazer com que eleitoralmente o projeto de derrota de Bolsonaro passe a ser mais viável.
“O que perde voto ou apoio no conjunto do povo, e principalmente nas periferias, é você não ter uma política de enfrentamento à fome, às dificuldades objetivas que estão sendo enfrentadas pelo povo.”
Eu estou muito mais preocupado em conquistar e trabalhar a organização do cidadão da Baixada Fluminense, da Zona Oeste do Rio de Janeiro, de São Gonçalo, do que em convencer a Suzana Vieira a não ser lavajatista. Muito desse movimento que é realizado por quem diz que “tratar das nossas bandeiras, perde voto”, não perde voto coisa nenhuma, ou seja, perde voto ou perde apoio se você quiser priorizar exatamente uma aliança com a direita. O que perde voto ou apoio no conjunto do povo, e principalmente nas periferias, é você não ter uma política de enfrentamento à fome, às dificuldades objetivas que estão sendo enfrentadas pelo povo. Ou você se apresentar exatamente com aqueles setores, ou seja, dando prioridade à relação com os setores que o povo identifica ou vê como quem pode ser o aplicador daquela própria política que gerou essa dificuldade para ele.
Fazendo uma comparação com as eleições de 2014 e 2018, se você pegar o que aconteceu em todos os estados brasileiros, verá que a eleição de 2014 foi replicada em 2018, no segundo turno, para quem ganhou, com exceção de dois estados. Ou seja, onde Aécio ganhou em 2014, Bolsonaro ganhou em 2018 e onde Dilma ganhou em 2014, Haddad ganhou em 2018. Com exceção de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os percentuais variaram dentro dos próprios estados, mas foram nesses dois estados onde Bolsonaro virou. No Rio, Bolsonaro ganhou de lavada e em Minas Gerais, a mesma coisa. Será que a associação com os governos de Minas — que na época era representado pelo Pimentel — e no próprio Rio de Janeiro — na relação que historicamente se fez lá com o MDB e que botou na conta do desmonte do setor de Petróleo e Gás, no setor Naval do Rio a política econômica que era tocada por aqueles grupos —, não teve uma influência direta no voto em uma extrema direita que, de maneira falsa, se apresentou como se fosse contra aquela ordem instituída? Acho que essa reflexão a gente não pode deixar de fazer.
Te respondendo bastante objetivamente: para que a esquerda consiga vencer Bolsonaro e o bolsonarismo, não abrir mão de suas bandeiras e se colocar como uma força contra a ordem estabelecida, na minha avaliação, é uma necessidade política, e vou mais, acho, inclusive, que mais eficaz do ponto de vista eleitoral do que o que está se vendendo, pelo menos publicamente, como se abaixar nossas bandeiras fosse uma necessidade irremediável por conta do cenário que está colocado.
Para além do ano de 2022, para não deixar de responder também à tua pergunta anterior, eu acho que a gente tem que fortalecer essa organização pela base. Cada organização tem uma forma de fazê-lo e, por exemplo, tem se dedicado muito aos Centro Socialistas, que é uma iniciativa de organizações diversas, que tem como objetivo ter presença física nas comunidades, nas periferias, se jogando na luta da comunidade, mas não abrindo mão da disputa ideológica. Nós não queremos nos apresentar como centro social, centro comunitário, mas como centro socialista fazendo a disputa desde já. Talvez em outro dia, posso te falar um pouco mais da experiência que a gente tem tido com algumas regiões onde há centros já instalados.
Glauber, para concluir, como deve ser feita a campanha para reeleger você no Rio de Janeiro com a crítica que precisa ser feita à aliança de Lula e Alckmin? O que podemos fazer para seguir no combate ao governo Bolsonaro?
Eu vou acatar aquela que foi a decisão adotada no partido, mas eu vou fazer esse enfrentamento baseado prioritariamente nos aspectos objetivos da pauta, inclusive, para o enfrentamento ao que é a representação de Bolsonaro e do bolsonarismo, fortalecendo o campo político com as forças que estão mobilizando a rua. Então, o PSOL definiu e decidiu apoiar a candidatura do Lula no primeiro turno, mas eu não posso deixar também de dizer que o papel que cumpre, por exemplo a Sofia Manzano, o Leonardo Péricles, são papéis importantes de mobilização política para além do ano de 2022, assim como pessoas que estão compondo também o chamado Polo e que merecem o nosso respeito.
Mas, vou dar um exemplo de mobilizações bem objetivas e específicas. Lula, na sua fala de lançamento [da candidatura], falou que era um crime de lesa pátria a privatização da Eletrobras e que feria a soberania brasileira e eu manifesto o meu pleno acordo com essa afirmação. Só que a gente manifesta o pleno acordo e vai além, ou seja, se de fato temos acordo é fundamental a cobrança coletiva não só para que a privatização não se dê agora no Tribunal de Contas da União (TCU), no dia 18, mas para que também haja um compromisso público de que se ela vier a ser privatizada, o governo brasileiro vai pegar de volta, ou seja, não vai aceitar.
Porque isso inclusive exerce uma influência para a nossa luta atual. Quanto mais desmotivados estiverem as corporações internacionais na realização dessa privatização, mais força a gente vai ter na luta para agora.
Esse vai ser o meu objetivo. O que casa também com o que sempre foi a disputa política que eu travei. Dificilmente você vai me pegar fazendo uma crítica que seja de natureza pessoal. Acho que a gente não pode correr o risco de descambar para uma posição que dialogue com uma posição reacionária, punitivista ou moralista. No debate político vamos intervir programaticamente e a candidatura será um espaço para fortalecer esse polo crítico. Um polo que valoriza um processo de organização que vá para além das eleições de 2022.
Na minha avaliação, a luta não pode esperar só calendário eleitoral. Tem muita luta para ser feita agora e tem luta pipocando em tudo quanto é lugar. Eu estive na UniRio essa semana, e lá tem luta, pelo “Amanda Fica!”, que é uma pauta contra a direção golpista da UniRio. Eu tive a possibilidade de fazer um pronunciamento em defesa da luta dos trabalhadores da CSN, que estão lutando pela reintegração de aproximadamente 100 companheiros. Uma vitória parcial aconteceu e 10 desses trabalhadores voltaram. A luta é agora na mobilização que está marcada para o dia 18 contra a privatização da Eletrobras que estará sendo avaliada pelo TCU.“O que não falta é coisa para a gente lutar no presente, sem esperar a data de 2 de outubro, imaginando que lá na frente tudo vai se resolver. Tem um bocado de luta que precisa ser feita para já e o mandato vai procurar ser também um tijolo que contribui com o fortalecimento desse campo que não fica preso exclusivamente aos aspectos institucionais”
O que não falta é coisa para a gente lutar no presente, sem esperar a data de 2 de outubro, imaginando que lá na frente tudo vai se resolver. Tem um bocado de luta que precisa ser feita para já e o mandato vai procurar ser também um tijolo que contribui com o fortalecimento desse campo que não fica preso exclusivamente aos aspectos institucionais e que acredita no fortalecimento da luta da classe trabalhadora para além da disputa dentro dos palácios.
Considerações finais?
Gostaria de deixar um abraço para o pessoal da Esquerda Marxista e agradeço pelo convite e dizer que estou muito feliz pela possibilidade da gente estar fortalecendo essa aproximação em conjunto com uma militância que tem feito um debate fundamental para o Brasil. Nós estamos fazendo algumas reuniões, e na última atividade que um militante de vocês participou, ele falou: “Fiquei feliz de participar desse encontro porque a gente não se atém exclusivamente às questões organizativas, que são importantes, mas teve também debate de conjuntura, qual é o nosso papel nessa história…”. Então, dizer para vocês também que da nossa parte, está sendo muito bom militar mais perto de vocês.