Cineasta Ken Loach. Foto: Chris Payne / Flickr

Entrevista com Ken Loach: “Precisamos de um movimento de massa, mas o tempo está se esgotando”

O diretor de cinema Ken Loach conversou recentemente com a seção britânica da CMI, Socialist Appeal, discutindo a guerra civil dentro do Partido Trabalhista e as perspectivas para a esquerda. Como Ken enfatiza, as ideias do marxismo desempenharão um papel vital nas lutas que virão.

Ken Loach, diretor de cinema renomado internacionalmente, falou com Rob Sewell (editor de Socialist Appeal) durante a preparação para a conferência do Partido Trabalhista deste ano em Brighton.

Não podemos deixar Starmer decidir como nos organizamos”, enfatizou Ken, falando sobre a guerra civil trabalhista em curso. “Se deixarmos Starmer definir isso, então estaremos cedendo ante ele”.

Claramente, Ken Loach, que se empenhou em apoiar o movimento Corbyn, está profundamente alarmado com a forma como a direita está destruindo o partido. Ele acredita que a esquerda precisa se reagrupar com urgência.

“Precisamos de um movimento de massas dentro e fora do Partido Trabalhista para começarmos a ter uma base política e acabarmos com a fragmentação que aconteceu. Essa, penso, é a nossa tarefa imediata”.

Expurgo

Desde que conversamos pela primeira vez em julho, após a proibição de Socialist Appeal, o próprio Ken foi expulso sem cerimônia. Portanto, começamos perguntando o que ele pensava da atual crise no Partido Trabalhista e a importância do expurgo de Starmer.

A classe dominante teve um grande susto quando Corbyn foi eleito, e um susto ainda maior quando ele quase ganhou a eleição geral em 2017, e então eles o destruíram”, respondeu Ken. “Esse é o objetivo do expurgo: tornar o Partido Trabalhista seguro para o poder corporativo – e Starmer é o homem deles”.

No futuro, quando o Partido Trabalhista for necessário para o establishment, deve-se confiar em que ele não fará nada drástico”, continuou Ken. “Eles, portanto, querem um partido em que possam confiar que não desafie o poder estabelecido”.

Blairismo

Em seguida, discutimos como a direita é uma agência dos grandes negócios – nossos inimigos dentro do movimento trabalhista. “Você está absolutamente certo“, concordou Ken. “Eles são o maior obstáculo à mudança, porque subvertem a energia de mudança que muitas pessoas têm, e isso pode nos levar a um beco sem saída”.

“Blair, por exemplo, não mudou nada, mas chegou ao poder na crista de uma vaga de pessoas que queriam algo diferente.

E mesmo assim ele continuou com a privatização, continuou com a mesma estrutura econômica, e tudo deriva disso. Você sabe que a diminuição dos direitos dos trabalhadores decorre dos sistemas econômicos”.

Essa tentativa de transformar o Partido Trabalhista em uma réplica do Partido Conservador foi iniciada por Tony Blair, em quem Starmer está se inpirando. “Starmer quer isso; ele quer o Novo Partido de novo”, afirmou Ken. “Mandelson está de volta, por exemplo“.

“Trata-se de manter o poder das grandes corporações e talvez ser um pouco mais generoso com os serviços públicos para que nada de substancial mude. Eles estarão no poder enquanto forem úteis, mas nada de substancial mudará e haverá ainda mais desmoralização”.

“Frente Ampla”

Ken estava cético sobre os apelos da esquerda por um Partido Trabalhista de “frente ampla”. “Nunca houve uma frente ampla”, observou ele. “Sempre foi dominado por social-democratas de direita, que simplesmente acreditam no sistema econômico atual”.

“Eles querem apenas que as migalhas caiam da mesa – e essa é a divisão fundamental: entre aceitar a sociedade capitalista atual e uma em que o sistema econômico deve ser reestruturado em torno da propriedade democrática e do controle econômico”.

Quanto mais a esquerda transformava o Partido Trabalhista em um partido socialista genuíno, mais a direita trabalhista ameaçava se separar. Ken concordou que isso teria sido uma coisa boa. No entanto, a direita se manteve.

“Penso que há uma grande desvantagem agora por causa disso. Pode-se dizer que a direita jogou suas táticas melhor do que nós ou melhor do que alguns de nós o fizeram. A direita entendeu que, mantendo o nome, a estrutura e a tradição do Partido Trabalhista, ela manteria a vasta maioria dos eleitores Trabalhistas, enquanto que os que se separam adquirem muito pouca credibilidade”.

Foi aí que eles triunfaram e nós não”, acrescentou Ken com tristeza. “Devíamos ter o controle sobre a máquina do partido, assim como o fez Starmer. Depois de obter o controle, você pode governar o Partido Trabalhista como ele precisa ser governado”.

Cláusula 4

Nossa discussão então mudou para a questão das proscrições recentes – incluindo a de Socialist Appeal. A direita declarou que grupos proibidos como o Socialist Appeal não compartilham dos “objetivos e valores” do Partido Trabalhista, apesar do fato de que o marxismo tem uma longa história no partido.

Ken concordou que o Partido Trablahista deve representar uma mudança fundamental, em oposição a tentar reformar o capitalismo: “Se pegarmos a antiga Cláusula 4 e a lermos, trata-se de uma mudança revolucionária no interesse da classe trabalhadora. Representa os interesses independentes da classe trabalhadora, que são diferentes dos da classe dominante”.

“E esse é o ponto essencial, busca transformar a sociedade no interesse da classe trabalhadora”.

O partido adotou a Cláusula 4 sob o impacto da Revolução Russa e da experiência da Primeira Guerra Mundial. O Partido Trabalhista se tornou socialista em seus objetivos – mas apenas “em teoria, nunca na prática”, observou Ken, corretamente.

“Penso que este é um argumento político para se defender dentro da esquerda. Há essa ideia de que existe uma esquerda suave, mas ela não existe. Ou você aceita a luta de classes ou que estamos todos fundamentalmente no mesmo barco. Você não pode ter um pé em ambos os campos”.

Marxismo

A esse respeito, dada a crise do capitalismo, Ken concordou que as ideias do marxismo são muito relevantes. “Elas são essenciais”, ele insistiu. “Você não consegue entender o que está acontecendo sem as ideias de Marx”.

Claro que as situações são diferentes; e, é claro, que elas evoluem depois de um século e meio”, continuou Ken. “Mas, apesar disso, o princípio básico é o mesmo – que a sociedade está dividida em seu próprio centro por conflitos de interesses de classe. Você só pode dar sentido ao mundo vendo-o dessa maneira”.

“As ideias centrais e análises foram repetidamente validadas – mais claramente por Thatcher. Ela chamou isso de guerra de classes e demonstrou que, para sobreviver a uma crise, a classe trabalhadora tem que pagar. E ela garantiu que a classe trabalhadora pagasse.”

Crise

À medida que o tempo da nossa entrevista passava, Ken comentou sobre todas as questões que não tivemos tempo de cobrir aqui – em particular, sobre a crise social que a classe trabalhadora enfrenta na Grã-Bretanha.

“Não falamos sobre o colapso da sociedade, com a ascensão da gig economy [um mercado de trabalho caracterizado pela prevalência de contratos de curta duração ou de trabalho autônomo em oposição a empregos permanentes – NDT], a insegurança, a falta de moradia, as regiões onde eles não têm nada… Há muitos lugares que foram deixados para trás.”

E sabemos que a economia de mercado não resolverá isso”, afirmou Ken, chegando à raiz do problema. “A ideia dos conservadores é investir. Mas eles dão dinheiro para corporações privadas e as subornam para que ganhem um pouco, e uma vez que as corporações tenham tirado seu lucro disso, irão embora. E esse é o mercado, não é?

É um fracasso da economia de mercado”, afirmou Ken corretamente, antes de denunciar a hipocrisia da mídia estabelecida. “Esse é o sistema deles – é esse sistema que eles promovem!

“Esse é o absurdo da coisa, eles dizem ‘olha como está tudo dando errado’. Mas eles não vão localizar a enfermidade. E este é o nosso trabalho – dizer:  esse é o seu sistema. Essa é a economia de mercado. Você assume a culpa. Temos uma ideia melhor!”

Desafios

Apesar dos contratempos da esquerda, Ken ainda está otimista sobre o futuro.

Cerca de um quarto de milhão, talvez 300 mil pessoas ingressaram no partido por causa de Jeremy Corbyn”, afirmou. “Eles ainda têm essa ideia na cabeça – além de muitos outros grupos de campanha de fora, e, claro, a esquerda nos sindicatos e as pessoas de boa vontade e princípios”.

“Se pudéssemos manter esse grande grupo de pessoas juntas, ainda poderíamos ter uma presença política significativa.”

Claro, Ken está ciente dos desafios que temos pela frente – em particular, a necessidade de urgência.

Quando me envolvi na política pela primeira vez, dava para esperar longas décadas de luta com a possibilidade de vencer no final”, comentou. “Não temos tanto tempo agora. A mudança climática está chegando. O tempo está se esgotando“.

Como diz Ken, a tarefa urgente que a esquerda enfrenta é reunir os trabalhadores e a juventude em uma visão socialista ousada para transformar a sociedade. Qualquer que seja o resultado da Conferência Trabalhista, esta é a luta que temos pela frente: a luta pelo socialismo – na qual as ideias do marxismo terão um papel vital.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM SOCIALIST.NET