Foto: Michael Appleton

Entrevista: coronavírus nos EUA e a atuação dos marxistas

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 03, de 3 de abril de 2020. Confira a edição completa

Confira a entrevista com John Peterson, dirigente da seção norte-americana da Corrente Marxista Internacional (CMI) sobre a situação atual nos Estados Unidos.

Aqui no Brasil foi reportado que um jovem americano morreu depois de não ter sido atendido em um hospital privado. Que impacto a morte desse jovem causou na juventude? Como isso foi reportado nos jornais norte-americanos? 

Esse incidente, em particular, não foi muito coberto pela mídia daqui. Esse tipo de tragédia do sistema de saúde norteamericano é relativamente comum, infelizmente. Com aproximadamente 200 mil pessoas infectadas e a possibilidade de 250 mil ou mais mortes, o destino desse jovem foi varrido pela enxurrada de más notícias. 

Qual é a situação atual em Nova York, onde temos o maior número de casos infectados e mortes causadas pela Covid-19?

Nova York é considerada, por muitos, como a capital do mundo. Agora, a “cidade que nunca dorme” foi completamente fechada e está parecida com uma cidade fantasma. Há uma atmosfera de medo e ansiedade, pois milhões de pessoas são forçadas a ficar em casa, grande parte delas com crianças. Muitas pessoas, dos serviços essenciais, são compelidas a trabalhar e estão sobrecarregadas, exaustas e mal pagas. Essa é a realidade do capitalismo em todos os momentos, porém as mazelas do sistema estão ainda mais acentuada nessa situação...

O coronavírus é a causa da crise nos EUA?

Absolutamente não. A pandemia foi meramente a gota d’água que fez o copo transbordar. Todos os sinais estavam dados de que o maior boom dos EUA estava prestes a desabar. Mais importante, apesar do crescimento de setores da economia, as condições dos trabalhadores americanos pioraram nos últimos 10 anos.

Na última década, enquanto os lucros subiram e o mercado de ações estava crescendo, a vasta maioria da riqueza criada pelo trabalho da classe operária foi para enriquecer um punhado de parasitas degenerados. Segundo a Forbes, parte da riqueza mantida pelos 400 mais ricos do mundo mais que dobrou, de US$ 1,27 trilhão em 2009 para US$ 3 trilhões em 2019 – e a taxa de imposto deles caiu. Nas últimas três décadas, a fortuna da população 1% mais rica cresceu cerca de US$ 21 trilhões, enquanto os 50% mais pobres viram seu patrimônio líquido cair cerca de US$ 900 bilhões. Essa parcela dos mais ricos dos EUA, cerca de 1,2 milhão de famílias, tiveram um patrimônio líquido agregado de US$ 35 trilhões. Isso representa 32% do total, contra os 27% do final da grande recessão em 2009. 

No final do ano passado, os 0,1% mais ricos americanos ganharam tanta riqueza quanto os 90% mais pobres. O lucro corporativo em 2008 totalizou US$ 2,3 trilhões – dobro de todo o PIB do México. Três indivíduos juntos – Jeff Bezos, Bill Gates e Warren Buffet – tiveram mais riqueza que 160 milhões de americanos. Esses números equivalem à metade de todo o capital da população do país ou dos que habitam os 40 estados menores. Essa grotesca transferência de riqueza é um segredo aberto e explica o boom da demanda por “bunkers bilionários”, onde muitos dos ultrarricos já podem se abrigar em um local confortável antes do que esperavam precisar. 

A remuneração média dos trabalhadores cresceu somente 12% desde 1978. Por comparação, a remuneração média de um Diretor executivo cresceu 940% no mesmo período. Um quinto dos americanos tem patrimônio líquido zero ou negativo, aproximadamente 80% vivem com o salário do mês para pagar as contas (não conseguiriam sobreviver desempregados) e 44% dos trabalhadores têm baixos salários, com média de US$ 18 mil por ano (pouco mais que um salário mínimo e meio no Brasil – NdT). 

O salário mínimo federal permanece somente US$ 7,25 por hora. Um trabalhador que recebe um salário mínimo precisaria ter 2,5 trabalhos em tempo integral para comprar um apartamento de um quarto na maioria das cidades dos EUA.  Uma a cada seis crianças vivem na pobreza e, metade delas, vivem em extrema miséria. São seis milhões de crianças cujas famílias representam menos da metade do nível oficial de pobreza.  

Isso é somente uma amostra do que é a realidade no “coração da fera capitalista”. 

Aqui no Brasil, Bolsonaro decide ir contra as recomendações de médicos, infectologistas e a da OMS quando chama a população a voltar ao trabalho. Qual é a posição de Trump sobre o isolamento e qual o impacto que isso tem na classe operária? 

Trump muda sua posição a cada dia, dependendo de com quem ele fala e quão ansioso ele está com os efeitos que tudo isso tem gerado na economia. Como Bolsonaro, ele é um idiota absoluto e seu único interesse é na sua popularidade, ainda mais com o seu partido ou a sua classe. Tudo isso é muito negativo para a classe trabalhadora porque ele demorou a tomar quaisquer medidas tanto para o distanciamento social como para testar a Covid-19, até que o vírus tivesse se estabelecido firmemente na maioria das áreas metropolitanas. Agora, milhões serão infectados e centenas de milhares morrererão. 

Quais são as nossas propostas para os trabalhadores norte-americanos e para a juventude enfrentar o novo coronavírus? 

Este é um programa de demandas que desenvolvemos para lutar contra a Covid-19, que é uma luta contra o capitalismo. 

A devastação da pandemia do coronavírus é um produto do capitalismo, um sistema que põe o lucro acima da vida das pessoas. Dessa forma, para enfrentar esse vírus, devemos lutar pela revolução socialista! Reivindicamos:

  • Dobrar imediatamente os salários de todos os trabalhadores essenciais na linha de frente contra a Covid-19 e quadruplicar suas fileiras, combatendo o desemprego e treinando milhões para ajudar no combate ao vírus;
  • Garantia de proteção de segurança e reconhecimento sindical;  
  • Por um salário mínimo nacional garantido pelo governo federal de US$ 1.000 por semana, incluindo todos os trabalhadores demitidos, os doentes e os que estão em quarentena; 
  • As grandes empresas que não pagam os salários sob a justificativa de quebra, devem abrir suas contas e ser nacionalizadas sobre o controle democrático dos trabalhadores;
  • Suspensão de toda produção não essencial, a fim de conter a propagação da doença. Onde for possível, readequar a produção para serviços essenciais e necessidades de assistência médica; 
  • Formar comitês de saúde e comitês de segurança em todas as fábricas e locais de trabalho para supervisionar as condições e a implementação de todas as disposições necessárias; 
  • Qualquer local essencial de trabalho que seja fechado, demitir trabalhadores ou solicitar resgate público deve ser nacionalizado e executado sob controle democrático dos trabalhadores! Por um plano nacional de produção que garanta nenhuma interrupção na cadeia de suprimentos de alimentos, suprimentos médicos e outros essenciais;
  • Assistência médica socializada, gratuita nos pontos de atendimento. Nacionalizar todo o setor de saúde e integrá-lo a um provedor de saúde pública administrado democraticamente;
  • Nacionalizar todos os espaços de comércio essencial e converter aqueles mais adequados em hospitais e clínicas o mais rápido possível;
  • Pelo controle imediato dos preços dos itens essenciais, a ser aplicado pelos comitês eleitos nos bairros da classe trabalhadora. Qualquer um que seja pego especulando sobre a miséria alheia deve ter seus bens expropriados, que serão distribuídos entre os que precisam;
  • Por uma moratória imediata e definitiva sobre serviços públicos, aluguel, pagamentos de hipotecas e despejos. Reduzir as taxas de empréstimo hipotecários para zero e renegociar os termos para as famílias trabalhadoras. Nacionalizar casas vazias e usá-las para acabar com a falta de moradia e a superlotação;
  • Não à xenofobia, protecionismo e as mentiras sobre “unidade nacional”! Os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas do mundo são diametralmente opostos, a classe operária só pode depender de sua própria força com organizações independentes de classe;
  • Romper com o sistema bipartidário, precisamos de um partido operário socialista de massas e de um governo dos trabalhadores! 
  • Enquanto observamos voluntariamente o distanciamento social no interesse da saúde pública, exigimos que nossas necessidades básicas sejam garantidas e não vamos aceitar nenhuma limitação de nossa Primeira Emenda (Garantia das liberdades democráticas, NdT) ou outro direito constitucional em nome da emergência nacional. 
  • Reduzir todas as dívidas dos trabalhadores! Expropriar os principais bancos e corporações sem compensação, a serem administrados sob controle democrático dos trabalhadores e integrados em um plano socialista de produção para atender as necessidades da sociedade. Por uma federação socialista mundial e uma economia planificada!