Espanha: Um primeiro balanço das eleições municipais e regionais

No último domingo (24/05), ocorreram as eleições municipais e regionais na Espanha. O resultado mostra o crescimento da esquerda, em especial do PODEMOS, e a derrota da direita nas principais cidades. Leia aqui um primeiro balanço escrito pelos camaradas da Corrente Marxista Internacional na Espanha.

No último domingo (24/05), a Espanha viveu mais um capítulo da instabilidade política que domina o país, marcada pela disposição de jovens e trabalhadores em resistir aos ataques capitalistas e buscar por uma saída à esquerda para a crise do sistema. As eleições municipais e regionais, que elegeram vereadores e deputados, foram um tremendo golpe na direita espanhola.

O PP (Partido Popular) saiu derrotado de forma geral, ainda que mantenha a maior quantidade de votos, perdeu nas grandes cidades e, na maioria das cidades, só conseguirá compor o governo com o apoio de pequenos partidos de direita, como, por exemplo, Ciudadanos, partido recentemente criado pela direita para tentar dar uma “cara” nova para sua velha política, em defesa de tudo aquilo que o povo está cansado. Entretanto, mesmo este apoio não está garantido, diante do desprestígio popular do PP, uma aliança poderia enterrar definitivamente estes pequenos partidos de direita.

A esquerda foi a grande vitoriosa, em especial PODEMOS, que mais uma vez teve uma expressão muito acima do que, em tese, sua estrutura permitiria.

As regras eleitorais na Espanha são diferentes das existentes no Brasil. Nestas eleições os espanhóis votam nos candidatos e coligações partidárias para vereadores e deputados. O voto na Espanha é em lista e não individual. Agora, no prazo de aproximadamente 20 dias, os vereadores e deputados eleitos, elegem o executivo, ou seja, os prefeitos nos municípios e os governadores nas Comunidades Autônomas.

Em novembro de 2015, ocorrerão as eleições nacionais, para deputados federais e senadores, que depois de eleitos elegem o primeiro ministro. As eleições de novembro podem significar a grande vitória de PODEMOS.

Abaixo um primeiro balanço das eleições de domingo escrito por Lucha de Clases, sessão da Corrente Marxista Internacional (CMI) na Espanha:

As eleições municipais e regionais celebradas ontem na Espanha foram saudadas com uma grande vitória da esquerda e uma dura derrota da direita. Destaca-se o extraordinário resultado das candidaturas de unidade popular, impulsionadas, entre outras forças, por PODEMOS, que ficaram como a primeira força da esquerda em duas das principais cidades do país: Madrid (com Ahora Madrid) e Barcelona (com Barcelona en Comú);); e também em Zaragoza (com Zaragoza en Común), a quinta cidade mais importante da Espanha.

Em Valência, a terceira cidade do país, outro partido situado à esquerda do PSOE, Compromís (cujo contingente principal provem de uma antiga cisão da Esquerda Unida no País Valenciano), também foi a força de esquerda mais votada. Estas forças devem se lançar nas prefeituras destas quatro cidades, governadas até agora pela direita. É provável que recebam  o apoio do PSOE e de outras forças de esquerda com representação nas câmara de vereadores.

A alegria de milhões de trabalhadores, jovens, desempregados e aposentados não se fez esperar e brotou com uma celebração de milhares nas ruas das principais cidades do país, quando se conheceu os primeiros resultados.

Particular importância tem a vitória de Barcelona em Comú, com 11 vereadores, encabeçada por uma grande lutadora social, Ada Colau. Em Madrid, a candidatura de Ahora Madrid, encabeçada por Manuela Carmena, ficou a um vereador de vencer o PP, 20 contra 21.

Estas candidaturas, levantadas com a simples vontade de milhares de ativistas sociais durante meses, em incontáveis debates e reuniões, sem estrutura econômica e sem aparelhos, expressam a vontade de milhares de pessoas que romperam com o sistema e seus partidos, e desejam tomar seus destinos em suas próprias mãos.

A esquerda ganhou em 28 capitais de províncias (incluídas 7 das 10 cidades mais importantes do Estado Espanhol) o PP em 17 e diversas forças nacionais da Catalunha, Nayarra, País Basco, Galícia e Canárias nas 7 restantes. Em 9 capitais de províncias (Madrid, Barcelona, Valência, Zaragoza, Cádiz, Oviedo, Corunha, Ourense e Zamora) são as candidaturas impulsionadas por PODEMOS, IU e outros movimentos sociais, as forças hegemônicas da esquerda.

Ressalta-se que a cidade de Madrid, Valência, Ovídio, Huelva, Valladolid, Castellón e Alicante estavam 20 anos ou mais em mãos da direita.

Estes resultados extraordinários não podem ser explicados sem a extraordinária mobilização que arrastou milhares para uma campanha eleitoral mais intensa, militante, apaixonada e emotiva, exemplificada nos comícios e reuniões de massa como as organizadas por Barcelona em Comú e candidaturas similares na Catalunha, além das organizadas por PODEMOS e suas candidaturas municipais e afins, em todo o país, com discursos radicais e entusiastas, com um elevado conteúdo de classe. Basta o exemplo de uma das intervenções mais brilhante do companheiro Pablo Iglesias, no extraordinário comício de Zaragoza, dias atrás, que compartilhamos nesse link: https://www.youtube.com/watch?v=4KWnER-rUog

Curiosamente, o PP não conseguiu maioria absoluta em nenhuma das 17 capitais de províncias onde venceu, dependendo do apoio de CIUDADANOS para conseguir a prefeitura, o que não está garantido em todas elas, visto que CIUDADANOS se arrisca a perder toda credibilidade devido ao profundo desprestígio do PP em amplas zonas do país.

Em relação às eleições das Comunidades Autônomas ocorridas em treze regiões do Estado Espanhol, a esquerda ganhou em seis: Asturias, Extremadura, País Valenciano, Baleares, Castilla y La Mancha e Aragón. As quatro últimas dirigidas pelo PP até agora. O PP ganhou em outras cinco (Comunidad de Madrid, Murcia, Castilla y León, Cantabria e La Rioja) e forças nacionais ganharam em Navarra e Canarias. Ressalta-se o dado doloroso em Comunidade de Madri, onde a esquerda ficou a uma cadeira de conseguir a maioria absoluta. Isso aconteceu em virtude da divisão dos votos da esquerda. Apesar da esquerda, no geral, ter conseguido a maioria dos votos, a Izquierda Unida não conseguiu representação parlamentar (obteve apenas 4,5% dos votos), sendo barrada pela lei eleitoral, o que favoreceu os partidos de direita.

Por outro lado, em 5 regiões onde a direita conseguiu vencer a esquerda, o PP também não conseguiu maioria absoluta de deputados e necessitará do apoio de CIUDADANOS para formar um governo. Ainda está por ser decidido se CIUDADANOS prestará apoio parlamentar ao PP em todas estas regiões, já que os dirigentes de CIUDADANOS são conscientes de que podem ficar marcados pela opinião pública como gente que ajuda a formar governo do PP, em um momento em que a direita é mais odiada que nunca pela maioria da população.

Também chama atenção que, com a exceção das eleições europeias do ano passado, PP e PSOE tiveram a pior porcentagem de votos em décadas, 27% e 25% respectivamente, muito abaixo das eleições municipais e estaduais de 2011, o mesmo CIUDADANOS, apresentado como partido da moda pelo Establishment para agregar o voto da direita antes da decadência do PP, apenas conseguiu 6,5% dos votos nas eleições municipais, frente aos 16% obtidos pelas candidaturas municipais impulsionadas pelo PODEMOS e outros movimentos sociais em todo estado espanhol, apesar das limitações e dificuldades organizativas, logísticas em que foram lançadas.

Existem outras conclusões que derivam dessas eleições em relação ao PODEMOS, CIUDADANOS, Izquierda Unida, a questão nacional catalã, basca e navarra e a perspectiva para as eleições gerais de novembro que são importantes tratar e desenvolver, mas que serão abordadas futuramente em outro balanço.

O importante a ressaltar é que essas eleições marcam o declínio sem volta do atual governo do PP. Pese-se que a participação eleitoral foi baixa 65%, mostrou um profundo mal estar e raiva acumulados pela classe trabalhadora em todo país. A burguesia recebe um duro golpe. Seus partidos (PP e CIUDADANOS) saem debilitados e expostos a um desprestígio maior. Os dirigentes do PSOE, que desenvolveram um nível de demagogia insuperável ao longo da campanha eleitoral para tratar de recuperar certo apoio social, também vão estar submetidos a uma pressão popular incômoda, devendo levar a uma prática muito além do que eles gostariam onde tiveram a maioria. E possivelmente serão levados a apoiar o PODEMOS e suas candidaturas onde o PSOE ficou como uma força menor de esquerda, sob pena de favorecer a direita e enfrentar um desprestígio letal.

A situação política espanhola não é agora mais estável que o dia de ontem, mas a confiança, determinação e audácia de camadas cada vez mais amplas dos trabalhadores e demais setores populares, sim é mais firme e sólida, o que prepara um novo salto na maturidade e consciência política de milhões, nos meses que estão por vir.